A carta a seguir
foi extraída da reportagem de André Aguiar publicada no Portal S1, com o
seguinte título: “Em defesa do Padre Zé Coutinho”, em data de 02 de novembro de
2023.
O colunista nos
informa que mesmo sem procuração exerce a defesa do sacerdote que muitas vezes
foi criticado por suas ações, a exemplo de quando celebrava missa para os
detentos na Cadeia Pública de João Pessoa (1947) concedendo-lhe a eucaristia. Os
seus críticos diziam que os presos não seriam dignos de receber a comunhão, ao
que respondeu o religioso lembrando-lhes a passagem de Mateus 2:17.
O texto ainda cita
um fato acontecido numa cidade brejeira, em que Padre Zé foi até ao prefeito
pedir-lhe uma ajuda para os pobres daquele município que residiam no seu abrigo,
negando o gestor sob o pretexto de que desconhecia o seu número, replicando-lhe
o sacerdote: - O senhor que é prefeito não
sabe imagine eu que sou apenas o portador do pedido! Segundo consta, a
autoridade deu-lhe uma pequena contribuição, mas a ajuda financeira – de forma
substancial – saiu mesmo do povo daquela cidade.
Pois bem.
Reproduzimos a carta publicada naquele site por seu cunho histórico, essa que
foi transcrita por André Aguiar:
“Certo dia, há quase sete anos, o
acadêmico de medicina Genival Montenegro Guerra, foi visitar na casa Padre Zé
uma sua comadre pobre, vinda de Alagoa Grande, onde nasceram de ambos os familiares.
Ficou horrorizado com o que lá
encontrou, pois eram doentes amontoados em rodos, salões sem pisos, sem rebocos
e sem nenhuma assistência médica, os que podiam andar, iam para os ambulatórios
do Hospital Santa Isabel, saúde pública e outros ambulatórios, os acamados e
semi acamados, sem ter quem lhe aplicassem pelo menos uma injeção, ou fizessem
um curativo, o que escandalizava bastante o vereador Jaburú, que também foi lá
visitar um protegido seu, principalmente porque existia milhares de cruzeiros
de amostras grátis, se perdendo, e solicitou ao Senhor Prefeito que pusesse
pelo menos um médico a disposição da Casa Padre Zé, não tido sido atendido
naquela época, apesar de ser do partido que apoiava o Senhor Prefeito.
É bem verdade que anteriormente, o
colossal clínico o Dr. Marcelo Barros passava lá três horas, em cada semana,
também três vezes com a caridade que lhe é peculiar; mas “uma andorinha só não
faz verão”, principalmente quando não existe auxiliares competentes e
dedicados, como faltavam na casa que tinha o meu nome.
Guerra, saiu verdadeiramente
impressionado com o quadro dantesco que encontrou com aquele grande galpão
inacabado, da Av. Desembargador Boto, tendo ali mesmo tomado um sério
compromisso consigo mesmo de transformá-lo aos poucos num moderno hospital,
encontrou logo depois, vários colegas no ônibus expondo-lhes a situação e quase
todos foram acordes em ajudá-lo para que acabasse o quanto antes aquele
“depósito de doentes”, estava fundada a COPEAI (Comissão de Planejamento de
Ajuda ao Indigente), ficando marcada para o dia seguinte a instalação na
Faculdade de Medicina, na presença de seu Diretor e diversos professores, tendo
sido tirado diversas chapas fotográficas, dados muitos vivas, parabéns batidos,
muitas palmas, nem todas sinceras, porque um dos presentes denunciou as altas
autoridades, que os acadêmicos de medicina estavam fundando uma obra subversiva
na Casa Padre Zé.
Guerra foi chamado para explicações
defendendo-se brilhantemente, convidando as autoridades para virem visitar esta
casa, onde acabava de ser instalada a COPEAI, e mostrando o retrato da fundação
em que batiam palmas, alunos, professores, inclusive o que tinha ido dar queixa
dos acadêmicos; O Coronel que o ouvia, educado e prudentemente, bateu no ombro
e lhe disse; “Jovem vá trabalhar tranquilo, você encontrará muitas pedras
destas pelo seu caminho…”.
Dias depois, procurou-me um médico
muito distinto, caridoso e grande amigo, Professor da Faculdade e Clínico do
Santa Isabel, que me interpelou: É verdade que você agora tem alguns acadêmicos
receitando na Casa Padre Zé? Tenho,
respondi-lhe, mas vivem em ligação completa com seus mestres.
Não fazem coisa alguma da própria
cabeça. Padre isso é uma loucura, disse o médico, prepara-se para ter
aborrecimento muito sério, só na Paraíba se vê e tolera, acadêmicos passando
remédios.
Fiquei impressionado com a conversa,
chamei Guerra imediatamente e lhe contei esse diálogo…. ele riu-se ligeiramente
e me respondeu; Padre deixe-me seguir o meu caminho, estou em plena união com
quase todos os médicos, dou plantão no
Pronto Socorro, Santa Isabel Maternidade, e quando sobra tempo em algumas casas
de saúde particulares.
Realmente, nunca apareceu um caso
negativo na Casa Padre Zé, com maiores contratempos; Até embalsamento de
cadáver Guerra fez, de uma falecida esposa para que esperasse o marido cinco
dias, tão bem feito que quando o túmulo foi aberto no cemitério, dois anos
depois, o corpo estava inteiramente intacto. E só foi retirado da cova depois
de enterrado, apesar das boas doses de cal que os coveiros duplicaram anos
seguintes, quatro anos depois.
Profissional de muita
responsabilidade como era, quando lhe pedi esse embalsamento, ele respondeu-me;
Padre, se sua solicitação fosse a respeito de um vivo, nada lhe prometeria e
nada faria fora da técnica, como porém, é para conservação de uma cadáver por
mais ou menos dias, não tem importância, se o corpo apodrecer mais depressa
enterra-se imediatamente, vou lhe atender, farei o serviço secretamente, para
evitar comentários.
No começo, poucos colegas se
interessavam pela nova obra e trás de um e de outro, para que ela não morresse,
é bem verdade que encontrou algumas almas caridosas, como Luna, Josvaldo,
Ricardo, Vilma, verdadeira mãe durante anos dos meus doentes pobres. Além de
outros, que cujo nome não me lembro agora.
Um acadêmico que jogava Xadrez muito
bem, para ajudá-lo, mas a quase totalidade dos colegas contribuía com muito
gosto financeiramente, sempre dizia, que não tinha tempo.
E poucos achavam que essa história da
COPEAI, podia terminar dando complicações. Estávamos em pleno movimento
estudantil de que Guerra estava completamente afastado, já que seu grande
movimento era tratar dos doentes da Casa Padre Zé.
Além da fundação da COPEAI, a Casa
Padre Zé deve a Guerra outros importantíssimos serviços. Eu tinha mandado
construir dezessete fossas grande e diretas, que vez por outra, estouravam era
uma catinga horrorosa em suas enfermarias, Guerra que era um homem
enciclopédico, quero dizer se não sabia de tudo entendia de muita cousa,
conseguiu planta de uma fossa grande ascéticas, depois de construir acabou
completamente com o mal cheiro dessa casa, ele foi o engenheiro da construção
seu mestre pedreiro chefe, soldado Francisco Rufino, homem inteligentíssimo,
que naquele tempo administrava a Casa Padre Zé, sendo pena não querer estudar,
se o fizesse se formaria facilmente em qualquer academia, o pedreiro auxiliar
foi Manoel Celestino de Lima, outro bem competente operário, que a Prefeitura
da Capital colocou a disposição do Instituto São José, há muitos anos, sendo
servente da obra o também meio mestre, Otacílio Pereira da Silva, cunhado de
Chico Rufino.”
Eu tinha pedido ao meu grande e
distinto amigo Dr. Clóvis Bezerra, vice governador do estado em exercício, no
tempo de João Agripino pra me conseguir do DNERU, duas fossas ascéticas dessas.
Quando os engenheiros chegaram botaram sérios defeitos nas duas fossas que já
estavam funcionando, construídas por Guerra e Chico Rufino que já estavam
funcionando, mandaram fazer mais duas de sobressalência, que não foram ainda
usadas, apesar de terem quatro anos de existência.
Nunca mais me esqueci da “piada” que
então me disse Genival – Padre, peça aos engenheiros para não quebrarem as
minhas, depois eu as concertarei, de acordo com as plantas deles e ficamos com
quatro fossas, mangando do tempo…
Guerra era um homem sem complexos, de
qualquer espécie, com dois anos de uso foi necessário lavar essas fossas,
porque os resíduos das fezes que, manda a verdade dizer, não tinha mais mal
cheiro algum (a água que as envolve, três dias depois, é lançada num pequeno
riacho que passa atrás da casa, sem inhaca alguma) viram ótimo estrumo para as
plantas, de tanto se acumularem, porém,
terminaram interrompendo as passagens do precioso líquido.
Lá um dia o encontrei dentro de uma
delas, (são quatro, duas de Guerra e duas dos engenheiros) juntamente com Chico
Rufino de vassoura na mão, Manoel Celestino e Otacílio, com baldes, botando
água…Eram as fossas que estavam sendo higienizadas…
Guerra, eu lhe disse então, – “isto
não é serviço para você… – tem nada não, Padre,
uma vezinha só, não faz mal, estou apenas ensinando como os servidores
devem fazer o trabalho, de outra vez, o farão sozinhos…o dono do defunto é quem
pega na cabeça.
Outro grande serviço que ele fez,
para a casa Padre Zé, foi me ajudar juntamente com Soares Madruga do Correio da
Paraíba a promover um bingo que rendeu CR$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros)
pelo qual muito trabalhou no Rio de Janeiro, para consegui-lo, o Deputado
Teotônio Neto.
Guerra conhecia bastante o engenheiro
Francinaldo, que de muita boa vontade atualizou as antigas plantas e assumiu a
responsabilidade profissional dos serviços de acabamento, onde trabalharam, não
só Chico Rufino, Manoel Celestino, Otacílio, os homens da fossa, como também
diversos operários, de confiança deste engenheiro, transformando a Casa Padre
Zé, daquele horroroso pardieiro, que ora, num moderno hospital, todos hoje
admiram.
Para custeio desses serviços Madame
Teotônio Neto, concorreu com meio milhão antigo do seu bolso particular.
Além disto, comprou camas, colchões,
lençóis, vários instrumentos médicos, para que a Casa cumprisse aos poucos, sua
verdadeira missão de hospital, pois antes que era apenas um Asilo, um depósito
de doentes.”
Deparei-me ainda,
com uma publicação do mesmo André Aguiar na qual ele elenca os “Heróis da fé na
Paraíba”, colocando o Padre Zé ao lado de figuras religiosas como Padre
Ibiapina e Dom Vital.
Lembra o repórter que
Monsenhor Coutinho fundou um abrigo em 1935, embrião do que seria o Instituto
São José que acolhia os necessitados e menciona o Hospital Padre Zé iniciado em
1965.
José da Silva
Coutinho (Padre Zé) nasceu em Esperança, na Paraíba, no dia 18 de novembro de
1897. Em suas palavras: “num dia de quinta-feira, às 3 horas da tarde, na
Primeira Casa da Rua do Sertão, naquela época, hoje Sólon de Lucena, na esquina
direita para quem entra pela Rua Principal, vindo do lado da Igreja, hoje
Matriz [...]”.
Faleceu aos 05 de
novembro de 1973, quando contava 75 anos, “em consequência de insuficiência
cardíaca congestiva, cardiopatia arterosclerótica, diabete melitus, segundo
atestou o médico doutor Francisco de Assis dos Anjos” (CRC, Tombo nº 35. 286,
Talão 317, Pág. 86). Foi sepultado no Cemitério Senhor da Boa Sentença na
capital paraibana.
Rau
Ferreira
Fonte eletrônicas:
- Em defesa do Padre Zé, texto de
André Aguiar. Disponível em: https://portals1.com.br/em-defesa-do-padre-ze-coutinho-por-andre-aguiar/,
acesso em 20/11/2023.
- Heróis da fé na Paraíba, texto de
André Aguiar. Disponível em: https://portals1.com.br/herois-da-fe-na-paraiba-por-andre-aguiar/,
acesso em 16/02/2024.
Referências bibliográficas:
- COUTINHO, Graça. 100 anos do Pe.
Zé. Governo do Estado da Paraíba. João Pessoa/PB: 1997.
- NÓBREGA, Humberto. Meu depoimento
sobre o Padre Zé. Edições UFPB. João Pessoa/PB: 1986.
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