Pular para o conteúdo principal

Uma sanfona na sala


No final dos anos 80, fui para Campina estudar no Redentorista. Na época era semi-internato, passávamos o dia inteiro na escola. Pela manhã estudávamos o ensino médio e algumas disciplinas técnicas. No segundo turno tínhamos laboratório, física e eletrônica digital. Fizemos grandes amizades.
Certa feita, um colega de classe nos convidou para conhecer a sua casa que ficava no Alto Branco. Passamos o dia inteiro naquele bairro, conhecendo as peculiaridades do local; e nos foi servido um almoço com feijão de corda e torresmo, uma das maiores refeições que já saboreei na vida. Apenas por aquela ocasião, esqueci minhas origens judias.
Ele era sobrinho de Zé Calixo, sanfoneiro afamado autor de “Escadaria”, um hino da música regional. Cheguei a ir na casa deste sanfoneiro, mas não o encontrei naquele dia; porém o colega, sabendo que eu era de Esperança, para não perder a viagem, me levou na casa de outro conterrâneo naquele mesmo bairro campinense.
Naquela residência deparei-me com uma sanfona na sala. Aquilo me chamou a atenção. E fui apresentado como esperancense:
- Tu és de Esperança, menino. Eu também sou, nasci em Lagoa de Pedra. Aprendi a tocar cedo, toquei muito na rua da urtiga.
Falei de minha avó materna e de suas origens naquele mesmo sítio, que era da família Alves...
O tocador me confessou que gostava muito da cidade, mas tinha um pouco de desgosto, porque muita gente era homenageado, e ele no entanto apesar da fama, de tocar com vários artistas de renome, ainda não tinha sido lembrado.
O tempo passou. Guardei no recôncavo da memória aquele dia.
Anos depois, agora fã de Elvis, através da influência do amigo Davizinho, passei a comprar discos na loja de Dedé pai de Sandro e Soní Medeiros; quase toda semana passava para ver se havia chegado alguma novidade.
Pois bem. Através de seu filho Sandro fiquei sabendo que seu tio de nome Severino guardava esta mágoa de Esperança. Prometi lhe fazer uma homenagem, ainda que singela através deste blog. Escrevi um texto com uma pequena biografia. Publiquei e soube que ele ficou feliz e até queria me conhecer. Marcamos para qualquer dia desses.
Era ele. Sanfona na sala, boné na cabeça... falando-me de coisas da terra, histórias que não esqueço. O seu nome? Severino Medeiros.
A vida é cheia de coincidências. Não sabia eu, nem sabia ele, que já havíamos nos cruzados, muitos anos antes, e que nos apresentamos, através do colega Edilson Calixto.
Agora à tarde assistindo Severino tocando “Escadaria” de Calixto lembrei de tudo isso... E me tocou saudade.
Era de fato um grande artista e maior na simplicidade, autor de “Camucá”, “Dengoso”, “Nordeste meu torrão” e “Rodapé”. Foi cidadão campinense em 2017, através de propositura do vereador Lula Cabral.
O reconhecimento de nossa terra ainda não veio para ele, e talvez esteja com muito atraso. Esta terra não dá o devido valor aqueles que engrandecem o seu nome, preferindo antes os “forasteiros”.
Assim foi com Silvino e tantos outros. Vamos mudar esta dura realidade, a partir das novas gerações.

Rau Ferreira

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Pedra do Caboclo Bravo

Há quatro quilômetros do município de Algodão de Jandaira, na extrema da cidade de Esperança, encontra-se uma formação rochosa conhecida como “ Pedra ou Furna do Caboclo ” que guarda resquícios de uma civilização extinta. A afloração de laminas de arenito chega a medir 80 metros. E n o seu alto encontra-se uma gruta em formato retangular que tem sido objeto de pesquisas por anos a fio. Para se chegar ao lugar é preciso escalar um espigão de serra de difícil acesso, caminhar pelas escarpas da pedra quase a prumo até o limiar da entrada. A gruta mede aproximadamente 12 metros de largura por quatro de altura e abaixo do seu nível há um segundo pavimento onde se vê um vasto salão forrado por um areal de pequenos grãos claros. A história narra que alguns índios foram acuados por capitães do mato para o local onde haveriam sucumbido de fome e sede. A s várias camadas de areia fina separada por capas mais grossas cobriam ossadas humanas, revelando que ali fora um antigo cemitério dos pr...

Capelinha N. S. do Perpétuo Socorro

Capelinha (2012) Um dos lugares mais belos e importantes do nosso município é a “Capelinha” dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro. Este obelisco fica sob um imenso lagedo de pedras, localizado no bairro “Beleza dos Campos”, cuja entrada se dá pela Rua Barão do Rio Branco. A pequena capela está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa “ lugar onde primeiro se avista o sol ”. O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Consta que na década de 20 houve um grande surto de cólera, causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira, teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal.  Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à ...

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele...

Ruas tradicionais de Esperança-PB

Silvino Olavo escreveu que Esperança tinha um “ beiral de casas brancas e baixinhas ” (Retorno: Cysne, 1924). Naquela época, a cidade se resumia a poucas ruas em torno do “ largo da matriz ”. Algumas delas, por tradição, ainda conservam seus nomes populares que o tempo não consegue apagar , saiba quais. A sabedoria popular batizou algumas ruas da nossa cidade e muitos dos nomes tem uma razão de ser. A título de curiosidade citemos: Rua do Sertão : rua Dr. Solon de Lucena, era o caminho para o Sertão. Rua Nova: rua Presidente João Pessoa, porque era mais nova que a Solon de Lucena. Rua do Boi: rua Senador Epitácio Pessoa, por ela passavam as boiadas para o brejo. Rua de Areia: rua Antenor Navarro, era caminho para a cidade de Areia. Rua Chã da Bala : Avenida Manuel Rodrigues de Oliveira, ali se registrou um grande tiroteio. Rua de Baixo : rua Silvino Olavo da Costa, por ter casas baixas, onde a residência de nº 60 ainda resiste ao tempo. Rua da Lagoa : rua Joaquim Santigao, devido ao...

Dom Manuel Palmeira da Rocha

Dom Palmeira. Foto: Esperança de Ouro Dom Manuel Palmeira da Rocha foi o padre que mais tempo permaneceu em nossa paróquia (29 anos). Um homem dinâmico e inquieto, preocupado com as questões sociais. Como grande empreendedor que era, sua administração não se resumiu as questões meramente paroquianas, excedendo em muito as suas tarefas espirituais para atender os mais pobres de nossa terra. Dono de uma personalidade forte e marcante, comenta-se que era uma pessoa bastante fechada. Nesta foto ao lado, uma rara oportunidade de vê-lo sorrindo. “Fiz ciente a paróquia que vim a serviço da obediência” (Padre Palmeira, Livro Tombo I, p. 130), enfatizou ele em seu discurso de posse. Nascido aos 02 de março de 1919, filho de Luiz José da Rocha e Ana Palmeira da Rocha, o padre Manuel Palmeira da Rocha assumiu a Paróquia em 25 de fevereiro de 1951, em substituição ao Monsenhor João Honório de Melo, e permaneceu até julho de 1980. A sua administração paroquial foi marcada por uma intensa at...