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Controvérsia religiosa em Esperança: o desafio de Frei Damião

 


A controvérsia religiosa entre Frei Damião de Bozano e o pastor evangélico Synésio Lyra se iniciou no Município de Esperança, quando o frade em uma de suas missões, realizada em março de 1935, incitou o povo a não manter “transações comerciais” com os protestantes.

O número de evangélicos era bem pequeno, pois a semente do evangelho apenas se iniciou em 1922, quando dois missionários da Igreja Congregacional de Campina Grande se deslocaram até o Sítio Carrasco, fundando uma pequena comunidade, de onde surgiu a 1ª Igreja Congregacional de Esperança.

À época os missionários andavam em lombos de burros-mulos, e os irmãos quando queriam participar da ceia do Senhor, enfrentavam à pé os 25 Km que separavam as duas cidades.

Em praça pública, na última noite, Damião benzeu rosários, velas e medalhas dos fieis e, para garantir que eles obedecessem a ordem, fizeram juras “solene à Santíssima Virgem”. A multidão atendeu prontamente. Ninguém podia vender ou comprar bens dos protestantes.

Mas as perseguições não se resumiam à compra e venda, escárnios irrogados aos irmãos evangélicos e pedras lançadas nas portas e janelas foram umas das reações mais iminentes.

Valentões como Basto Maia e Chico Guaíba acabavam com as celebrações e obrigavam crentes a se ajoelharem e fazerem o sinal da cruz. Um missionário americano chegou a relatar que “dois crentes foram horrivelmente espancados quando voltaram de um culto de domingo à noite

Para adquirir produtos, os crentes tinham que se valer dos favores de terceiros, notadamente àqueles que não concordavam com a proibição.

Frei Damião também tinha o hábito de desafiar pastores para embates teológicos, tendo desafiado naquele ano (1935) o missionário Carleton F. Mathews. As provocações partiram do Monsenhor Francisco Severiano de Figueiredo e do próprio frade.

Tudo aconteceria no domingo 29 de março às 17 horas, em frente ao Paço Municipal. João Clímaco era titular da Igreja Congregacional Campinense, a maior do Estado, que depois de uma avaliação, resolveu chamar ao debate um nome de expressão nacional: o reverendo Israel Furtado Gueiros, médico e professor do Seminário Teológico.

Quando os debatedores chegaram em Esperança, constataram o clima de guerra. Cerca de quinze mil pessoas vieram para apoiar o capuchinho. As promessas de segurança não eram o bastante e temiam-se atos de violência, dos quais já se tinham notícias na localidade. Assim, comunicaram ao vigário que não iriam comparecer.

Damião começou a espalhar boatos de que “eles ficaram com medo da barba de frei Damião” e a imprensa católica se comentou que pedir garantias era uma “corriqueira evasiva dos senhores protestantes quando se acham em aperturas” e que “fugiram vergonhosamente sob o balofo pretexto de que a ordem não seria mantida”.

Não era nenhuma imprecaução. A pequena cidade não tinha dez soldados. Os ânimos estavam acirrados, as garantias eram duvidosas e havia indícios de conspiração contra a vida dos religiosos. À vista desta situação, os organizadores decidiram que a disputa aconteceria em Campina Grande. O local escolhido foi o Rink Park.

Josué Sylvestre reproduz email do reverendo e pesquisador Júlio Leitão de Melo Neto acerca desses fatos:

Os pastores mencionados evitaram, com justificada cautela e moderação, o desafio da controvérsia religiosa em Esperança, naquele período, pois os ânimos estavam bastante exaltados [...] Após prolongadas ponderações, optaram por outro confronto, mais amplo, na ordeir e pacata Campina Grande [...]” (Sylvestre: 2014, p. 64).

O debate aconteceu no dia 23 de abril de 1935, tendo como mediadores o chefe de polícia Vergniaud Wanderley, o advogado Hortênsio de Souza Ribeiro e o jornalista Orris Barbosa.

Na oportunidade, fora convidado o pastor Synésio Lyra, em substituição à Israel Gueiros que, por cerca de duas horas, sem apartes, com 20 minutos para cada resposta, debateu os temas com o frade capuchinho no Rink Park, um antigo cinema que havia na rua das Areias, em Campina.

O Padre José Delgado, vigário de Campina, em artigo para o Diário da Manhã, jornal da capital pernambucana, comenta que “Este encontro foi uma repercussão das missões populares pregadas na vila de Esperança”.

Em Esperança, a população aguardava com expectação na entrada da cidade com bombas e foguetões, mas foram frustrados pois o comentário geral, dos que chegavam de Campina, foi de que o resultado “não foi como pensávamos”.

Apesar de se manter alguma resistência, em relação à comunidade evangélica em nosso Município, o certo é que após essa controvérsia religiosa, muitas pessoas abraçaram a fé cristã, e outras percebendo que as proibições de mercancia eram injustas, passaram a fazer “vistas grossas”, atendendo os crentes em seus comércios livremente.

 

Rau Ferreira

 

Referências:

- ELIAS, Geraldo Máximo. Zé Joca: sua história e suas memórias em versos. Editora Gráfica Havel. Campina Grande/PB: 2002.

- HELGEN, Erika. Religious Conflict in Brazil: Protestants, Catholics, and the Rise of Religious Pluralism in the Early Twentieth Century. Yale University: 2020.

- LOPES, Manoel Fernandes. Discussão religiosa do sábio missionário capuchinho Frei Damião de Bozano e o pastor evangélico Synésio Lyra. Literatura de Cordel. 8p. Tipografia Beija-flor. Esperança/PB: 1938.

- SYLVESTRE, Josué. Fatos e Personagens de Perseguições a Evangélicos: Antes que as Marcas se Apaguem. 1 ed. Curitiba – PR: 2014.

A Imprensa. Órgão católico. Notícias de Esperança. Edição de 06 de abril. Parahyba do Norte: 1935.

- SANTOS, Agostinho Lopes (dos). Debate de Frei Damião com o Pastor Protestante Sinésio Lira em Campina Grande.

- BARBOSA, Daniel Ely Silva. Antes que as marcas se apaguem: o protestantismo sob a ótica de Josué Sylvestre. ANPUH/PE. ISBN 978-85-415-0743-1. Recife/PE: 2005.

DIÁRIO DA MANHÃ, Jornal. Controvérsia religiosa (Padre José Delgado). Edição de 10 de maio. Recife/PE: 1935.

Comentários

  1. Amigo Rau, quando voce diz que alguns abraçaram a fé cristã ao deixar de serem católicos, de certa forma, chama de não cristãos de forma generalizada a todos os que professam a supracitada fé. O que parece fazer o texto ter diminuido o caráter imparcialmente histórico.
    Saudações cordiais.

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