Numa tarde de agosto, em que até o vento estava
parado, no primeiro andar do convento, no lado da sombra, em que não havia mais
os arcos barrocos, destruídos na guerra da Praieira, José Vicente ouvia
pacientemente, o Irmão Frei Dionísio Timóteo (3) ressuscitar o velho cantador Sebastião
Timóteo. Em suas mãos, algumas folhas manuscritas do poeta que abandonara a
enxada e a viola e vestira o hábito e o escapulário da Senhora do Carmelo.
Andando para lá e para cá, o frade soltava toda a discussão que teve com o cantador
Antônio Eugênio. Iniciava a cantoria:
Ao leitor faço ciente
Um debate baroenio
Que tive com Antônio Eugênio
Cantor letrado e valente
Peitou pra mim em repente,
Me chamou para discussão
Ribombei como um trovão
Na lira de um trovador
Um poeta e um cantor
De palmatória na mão
Antônio Eugênio é um cantor
Repentista e bem letrado
Cientista bem versado
E grande improvisador
Sebastião é um trovador
Que no repente tem manobra
Tem licença de sobra
Antônio Eugênio foi chegando
Sebastião foi lhe avisando
É hoje que a peia dobra
O frade lambendo os beiços ressequidos pela prosa,
apresentou seu adversário: Antônio Eugênio
– Sebastião tu me insulta
Porque não sabe quem sou
Ficas sem o couro que nasceu
É o menos que tu resulta
Tua língua hoje inculta,
Enlouquece e fica à toa
Dou grito que serra zoa
Estais com serviço de gancho
Estais com fogo no rancho
É hoje que a paia voa
Aí,
o frade apresenta seu alter ego: Arriposta Sebastião Timóteo (ele mesmo, quando
camponês no brejo paraibano):
- Antônio estais enganado
Não temo a cantor valente
Quando estou de orelha quente
Não temo a cantor letrado
Hoje o teu resultado
É o bico do urubu,
Sou peor que canguçu
Zangado na tua frente
Se ti botar a valente
Vai entrar no couro cru
(Deixo de transcrever todo o folheto...)
Josemir
Camilo de Melo
Notas
explicativas de Rau Ferreira:
(1)
Antônio Eugênio da Silva nasceu em Areia no ano de 1912 e faleceu em Solânea em
1992. Publicou em 1958 o conhecido folheto "O Cavaleiro Roldão", pela
Estrela da Poesia, contendo 32 páginas. É também autor dos cordéis: Valdemar e
Irene, e Sandoval e Anita.
(2) Josemir é historiador PhD e atual
Presidente da Academia Paraibana de Letras. Esse texto inédito faz parte de um
romance-memória escrito pelo autor. O folheto de Sebastião Timóteo pertence ao
acervo Biblioteca “Átila Almeida” da UEPB.
(3)
Sebastião Timóteo é natural de Esperança, nascido em 1905. Renunciando a vida
mundana, entrou para o convento em Goiana/PE, quando então passou a se chamar
Frei Dionísio.
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