Pular para o conteúdo principal

Silvino Olavo comenta "A Bagaceira", de José Américo de Almeida.


Sob o título “O romance do Nordeste”, Silvino Olavo inicia seu comentário sobre o livro “A Bagaceira”, obra prima do paraibano José Américo de Almeida. O texto foi publicado no Jornal “A União”, edição de sábado dia 21 de abril de 1928, p. 3 e 4.
Segundo narra, ele foi um dos primeiros a receber o monumental livro e “talvez, o primeiro a proclama-lo entre os amigos um dos maiores romances brasileiros, senão o maior”, escreveu.
Por questões outras, não havia até então escrito nada a respeito. Mas sem nenhum embargo proclama a engenhosa escrita de José Américo de Almeida como sendo uma obra de ineditismo sem igual, considerando que “seu livro é um verdadeiro sursum corda no modernismo literário brasileiro”. E que o seu sucesso se deve ao inovador processo aplicado. Distanciando-se do preconceito que sopesa sobre os nordestinos.
Na sua opinião, “'A Bagaceira' é obra sem modelo no nosso país. Sua forma estará sempre presente a seu próprio espírito. E dele não se separará jamais”.
Compara-a ao “O Estrangeiro”, de Plínio Salgado e sugere ser o livro mais impressionante do Brasil depois dos “Sertões”, de Euclides da Cunha.
E faz uma extensa defesa do homem nordestino, de suas raízes e de seu substrato cultural. Homenageia o modo peculiar de sua linguagem, tão acentuada na obra de José Américo de Almeida, necessária a própria identidade do Brasil enquanto se distancia de seu descobridor.
A própria linguagem, um produto genuíno do clima e do solo, é a linguagem da raça que começou a falar. Como são saborosos os tons de mesiçagem dessa lingua! Que admirável condensação de pitoresco! Que riqueza de incrustrações maravilhosas à velha lingua dos nossos pais portugueses!”, escreve.
E trata que o seu autor escreve as experiências vividas na infância. Que certamente serviram de suporte ao seu romance. Fala das locações, dos lugares e seus personagens. E compara-o a Eça de Queiroz.
Com relação a personagem Lúcio, no seu conceito, “simboliza espírito de civilização entrando no Nordeste”, enquanto que Marzagão “é a vida do nosso povo rural”. E conclui que um é o futuro e outro o passado.
Já Soledade, a beleza que se renova nas águas e chama para si todas as atenções. É, na verdade, “a figura impressionante por excelência, de vida mais intensa nesse romance”. Mas a ela se lhe reserva um outro papel de significação mais profunda e dramática: “os azares do exodo sertanejo”. E finaliza: “E eu não preciso explicar para o homem do Nordeste o que seja esse drama de que ele é próprio protagonista”.
A meu ver, foi a mais completa descrição da obra desse autor. E o que nos chama mais a atenção foi o modo como Silvino defende o meio e os modos pelos quais vivem os seus protagonistas, próprios de uma gente que tem raça e força. Força essa que o distingue dos demais e mesmo a ciclovia das secas não o abate. Ao contrário... Lhe dá ânimo e sentido de viver!
Com razão escrevera Euclides da Cunha: “O sertanejo é antes de tudo um forte” (Os Sertões, 1902).

Rau Ferreira

Fonte:
- Jornal “A União”, órgão Oficial do Governo do Estado da Paraíba, suplemento “Arte e Cultura”, edição de sábado 21/04/1928, p. 3 e 4.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Silvino Olavo e Mário de Andrade no interior da Paraíba (1929)

“O Turista Aprendiz” é um dos mais importantes livros de Mário de Andrade, há muito esgotado e reeditado em 2015, através do Projeto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan. Os relatos de viagens registram manifestações culturais e religiosas coletadas pelo folclorista em todo o Brasil. Este “diário” escrito com humor elevado e recurso prosaico narra as inusitadas visitas de Mário ao Nordeste brasileiro. O seu iter inclui Estados como Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Paraíba. Mário havia deixado o Rio em 3 dezembro de 1928. Embarcou no vapor “Manaus”, com destino ao Recife, onde permaneceu dois dias; e dali seguiu de trem para o Rio Grande do Norte, chegando dia 14 ao Tirol, bairro onde residia Câmara Cascudo (1898-1986), que foi um de seus companheiros de viagem nesse Estado, junto com o jornalista, poeta e crítico de arte Antônio Bento de Araújo Lima (1902-1988). O Álbum de Fotografias (Viagem ao Nordeste Brasileiro 1928-29), pertencen...

Antes que me esqueça: A Praça da Cultura

As minhas memórias em relação à “Praça da Cultura” remontam à 1980, quando eu ainda era estudante do ginasial e depois do ensino médio. A praça era o ponto de encontro do alunado, pois ficava próxima à biblioteca municipal e à Escola Paroquial (hoje Dom Palmeira) e era o caminho de acesso ao Colégio Estadual, facilitando o encontro na ida e na volta destes educandários. Quando se queria marcar uma reunião ou formar um grupo de estudos, aquele era sempre o ponto de referência. O público naquele tempo era essencialmente de estudantes, meninos e moças na faixa etária de oito à quinze anos. Na época a praça tinha um outro formato. Ela deixava fluir o tráfego de transporte de carros, motos, bicicletas... subindo pelo lado direito do CAOBE, passando em frente à escola e descendo na lateral onde ficava a biblioteca. A frequência àquele logradouro era diuturna, atraída também pelas barracas de lanche que vendiam cachorro-quente e refrigerante, pão na chapa ou misto quente, não tinha muita ...

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele...

Clube CAOBE

O Centro Artístico Operário Beneficente de Esperança – CAOBE foi fundado em 16 de março de 1954. Ao longo de mais de meio século proporcionou lazer e descontração a toda sociedade esperancense. A sua primeira sede social foi em uma garagem alugada na antiga Praça da Bandeira (Praça José Pessoa Filho) onde hoje se situa o Batalhão da Polícia Militar. O sodalício foi idealizado por comerciantes, na sua maioria sapateiros, liderados por Antônio Roque dos Santos (Michelo). Escreve o Dr. João Batista Bastos, ex-Procurador Jurídico Municipal, que: “ o CAOBE nasceu com o objetivo de ser um centro de acolhimento, de lazer, com cunho educativo, onde os filhos e as famílias dos operários, sapateiros, pudessem ter um ambiente, de encontro e de vida social ” (Revivendo Esperança). No local funcionava uma escola para os filhos dos operários, sendo professoras as Sra. Noca e Dilma; com a mudança para a nova sede, a escola foi transferida. A professora Glória Ferreira ensinou para jovens e ad...

Capelinha N. S. do Perpétuo Socorro

Capelinha (2012) Um dos lugares mais belos e importantes do nosso município é a “Capelinha” dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro. Este obelisco fica sob um imenso lagedo de pedras, localizado no bairro “Beleza dos Campos”, cuja entrada se dá pela Rua Barão do Rio Branco. A pequena capela está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa “ lugar onde primeiro se avista o sol ”. O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Consta que na década de 20 houve um grande surto de cólera, causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira, teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal.  Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à ...