Passeio no Varal integra o espólio poético
que Magna Celi, já há algum tempo, vem escrevendo e esculpindo nos horizontes
das paisagens literárias da Paraíba. Salvo engano de minha memória, essa cidade
das traições, no dizer do genial Machado de Assis, ou espelho partido, conforme
a sentença proferida, por José Saramago, em seus Cadernos de Lanzarote, eu
conheci a professora Celi numa das edições dos monumentais Congressos
Internacionais de Teoria e Crítica Literária, que, ao longo de vários anos, sob
a regência da professora Elizabeth Marinheiro, transformava a cidade de Campina
Grande, numa mágica semana de setembro, na capital mundial da reflexão
literária, das abalizadas discussões engendradas pelo labiríntico universo da
teoria e da crítica literária, com a multiplicidade das suas correntes e
tendências.
Nesses memoráveis e inesquecíveis conclaves,
Campina Grande sempre se fez presente com os seus renovados valores literários,
com o seu ouro da casa, em todas as modalidades em que a palavra criadora da
literatura promove, simbólica e pluridimensionalmente, os processos de
transfiguração da realidade. Dentre esses valores pontificava o nome de Celi,
relevado, sobretudo, por sua inegociável fidelidade à poesia, à irreprimível
necessidade que ela tem de transformar em palavras o fremente e complexo mundo
das suas viscerais e cotidianas experiências. Lembramonos aqui das paradoxais e
sedutoras palavras proferidas por Jean Cocteau, para quem “a poesia é
indispensável, se ao menos eu soubesse para quê”; também das palavras do poeta
alemão Rainer Maria Rilke, em seu clássico livro Cartas a um jovem poeta; por
fim, da admirável prosa poética que Octavio Paz escreveu na introdução do seu
belíssimo O Arco e a Lira.
Em todas essas construções teóricas, a
poesia, mais que uma estrutura linguística fundadora de sentidos, ancora no
porto de uma plataforma existencial muito mais abrangente e inabarcável, naquele
sentido postulado pelo imenso poeta Manuel Bandeira, segundo a qual,
completamente destituída de fronteiras, “a poesia está em tudo, tanto nos amores
quanto nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas”. Em suma,
tem-se aqui uma percepção globalizadora da poesia, que toma a existência e
exige o seu lugar de destaque nos vãos e desvãos de um misterioso e fascinante
milagre chamado vida. É assim que flagro a poesia que Celi nos oferta no lírico
passeio que ela realiza no varal das palavras que ela convoca para o seu
lúdico, lúcido, não raro doloroso, percurso estético e humano.
A primeira dicção que se evidencia no
itinerário poético de Magna Celi é a que investe na vertente metalinguística,
na qual o ato-processo da criação literária é inspecionado nas fontes primárias
do seu nascedouro. Aludindo, intertextualmente, a Manuel Bandeira,
particularmente aos versos que abrem o poema Desencanto, de A Cinza das Horas,
mas caminhando em perspectiva distinta, Celi sinaliza que faz versos, não por
compulsão emocional, nem muito menos para ser alvo, nas inquirições públicas,
quer as que chancelam, quer as que contestam, mas sim porque os versos pedem
para nascer, constituindo-se tanto numa realidade de plenitude estética, quanto
num irresistível imperativo ético de resistência a tudo quanto se
incompatibiliza com o que é humano.
No poema Direito de ser, ainda trilhando as
searas metapoéticas, Celi pontua que o ser essencial da poesia continua sendo
um intocado mistério somente captado nas manifestações fenomenológicas do seu
fulgurar no mundo da consciência, jamais em sua noumenalidade interior
profunda. Noutro momento, fazendo indeclinável profissão de fé na Liberdade,
pressuposto inamovível do ato da criação literária, em tonalidade eminentemente
timbrada pelo signo da insubmissão, Celi brada: “Danem-se os críticos. Vivam os
que querem escrever”. Da vertente metapoética migramos para a dicção social de
que a poética de Magna Celi está impregnada, em cujo estuário a sua palavra
lírica converte-se na arma que radiografa e combate os terríveis flagelos que
insistem em indignificar o ser humano, cada vez mais desumanizado pelas
relações predatórias que ele mesmo tem engendrado no acizentado palco da
história. Homo Socialis, Homo Sapiens, Cadeias e Figos e Fígados são poemas
marcados por funda consciência a respeito dos congênitos desconcertos que
matizam o homem lobo do homem.
Nesse particular, esses poemas são portadores
de dramática e impressionante atualidade, basta referenciarmos versos que põem
em posições opostas, de um lado, “o homem-inseto”, e, de outro, os que se
lambuzam “sob os gastos faraônicos e principescos, sob piramidais mordomias”.
Qualquer semelhança com o Brasil do aqui, do agora e do sempre, não é mera
coincidência, mas apenas a triste constatação de que nós ainda somos uma
sociedade cercada por humilhados e ofendidos, por todos os lados. A terceira
dicção presente na poética de Celi é a que incursiona, conforme pontua José
Leite Guerra, por uma territorialidade ecológica, dado que, para a autora, é na
ação predatória que o homem exerce contra a natureza que reside uma das
possíveis fontes do nosso crescente desassossego existencial.
Por fim, mas não menos importante, ganha
relevo, na lírica de Magna Celi, em mais de um poema, a presença recorrente de
uma musicalidade típica das poéticas populares. Enfim, um Passeio no Varal, de
mãos dadas com a poesia, sempre vale a pena
José Mario da Silva Branco*
(*) José Mário é Membro das Academia Campinense e
Paraibana de Letras; e na atualidade, o maior nome das letras em nosso Estado,
com projeção nacional. Não bastassem esses predicados, é um homem de Deus,
evangelizador que tem convertido muitas almas do pecado da morte.
Referência:
- A UNIÃO, Jornal. Ano CXXX, Nº 229. Edição de 26 de
outubro. João Pessoa/PB: 2023.
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