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A parceria de Zé Alves e João Benedito

José Alves Sobrinho

José Alves Sobrinho (1921/2011) nasceu José Clementino de Souto na Fazenda Pedro Paulo pertencente a seus pais, no Município de Picuí, que hoje pertence a Pedra Lavrada, no Estado da Paraíba. Adotou o nome artístico por imposição de seu pai, pois cantador de viola à época não era bem quisto, e assim o fez para evitar constrangimentos. Iniciou na cantoria aos 13 anos, mas aos 38 perdeu a voz, dedicando-se ao estudo e a pesquisa da poesia popular.

João Benedito (1860-1943), cantador popular, nasceu João Viana dos Santos, no Município de Esperança, nesse mesmo Estado. Não chegou a ser escravo, pois já nasceu livre. Trabalhava nas feiras livres, onde muitas vezes declamou seus versos. Fazia “garrafadas” e remédios homeopáticos. Para muitos era a “alma dos cantadores”, e foi professor de muitos poetas.

É o próprio Zé Alves que nos dá notícia dessa parceria em seu livro “Cantadores com quem cantei” (Bagagem: 2009). Disse tê-lo conhecido na cidade de Cuité, quando este ali residiu, classificando-o como “cantador regionalista, feito Romano de Mãe d’Água, que cantava em redor de casa”. Já idoso, com cerca de 85 anos, Benedito aceitou o seu convite de Alves para cantar na casa de Manoel Felipe:

Fizemos uma cantoria amistosa e de respeito mútuo. Fiquei encantado com a tamanha inspiração do velhinho João Benedito, que já não mais cantava profissionalmente” – escreve Zé Alves – que todo vaidoso glosou pra João Viana:

O homem com alta idade

Não faz da vida um recreio,

Não é como um homem moço

Que vive em devaneio

Tem na vida o que deseja

Como amor, luxo e asseio.

E afirma ter recebido grandes lições daquele poeta, a exemplo desta resposta à sextilha declamada em casa de Manoel Felipe, na qual disse João Benedito:

O senhor pensa que veio

Aqui gozar as regalias

Mas se engana, você veio

Só passar uns dias

Chegou aqui e nada trouxe

E volta com as mãos vazias.

E adiante, referindo-se a sua mocidade, cantou Benedito:

Meu nome é João Benedito

Cantador velho da Barra

Trabalhei como formiga

E cantei como cigarra

Já fui moço hoje estou velho

Mas ainda faço uma farra.

José Alves cantou muitas vezes em Esperança, uma delas no Chã Dançante de Dogival Costa, onde a convite deste comerciante, fez uma peleja com Terezinha Tietre; outra com Ascendino Alves. E a convite de Josué da Cruz, que na época residia nessa cidade, cantou por um mês na região de Arara, Serraria e Solânea.

João Jaime da Costa com a idade de 12 anos foi assistir uma cantoria de José Alves Sobrinho, e afirmou que o poeta com apenas uma estrofe abateu o seu desafiante:

Uma vez um me disseram

Dois vez dois tão somente

Uma vez três eloquente

Quatro vez quatro na era

Cinco vezes cinco tu era

Seis vezes seis no Brasil

Sete vez sete sutil

Oito vezes oito na fama

Nove vezes nove me chama

Poeta dez vezes mil.

E para a repórter, que lhe fez um documentário (A Voz do Poeta), para a Universidade Federal da Paraíba, este declamou “de repente”:

Você me pede repente,

Dizendo que é improviso

Talvez não confie mais

na força do meu juízo

Mas eu ainda sou poeta

em tudo quanto é preciso

Eu ainda faço repente

Arrancado da cachola

Faço com facilidade

Embora sem a viola

Porque ali é a mestra da minha escola

Se você pede improviso

Eu estou fazendo repente

Que é pra você sair dizendo

Que eu sou inteligente

Tô velho assim desse jeito

Mas ainda não estou demente

José Alves Sobrinho foi cantador, poeta e repentista. Pesquisador da cultura popular, autor de vários livros; sócio e fundador de várias casas de poesia. Faleceu em Campina Grande, no dia 17 de novembro de 2011.

Coutinho Filho por sua vez, relata em “Repentistas e Glosadores” que em palestras com Josué da Cruz a respeito dos melhores poetas populares do seu tempo este colocou João Benedito entre os grandes, citando o mote que o velho repentista estabeleceu entre o homem e o tempo.

Mesmo em idade avançada o cantador esperancense fazia suas rimas e brincava até com a sua condição, fazendo comparações de si com um jovem que lhe servia de companhia.

 

Rau Ferreira

 

Referências:

- ALVES SOBRINHO, José. Sabedoria de cabôco. Latus Editora. Universidade Estadual da Paraíba. Campina Grande/PB: 2011.

- FILHO, Coutinho F. Repentistas e glosadores: poesia popular do nordeste brasileiro. A. Sartorio & Bertolli.

- SOBRINHO, José Alves. Cantadores com quem cantei. Ed. Bagagem. Campina Grande/PB: 2009.

- SOBRINHO, José Alves. Cantadores, Repentistas e Poetas Populares. Bagagem. Campina Grande/PB: 2003.

- AMÂNCIO, Geraldo. VANDERLEY, Pereira. De repente cantoriaFortateza. Prêmius Editora: 2013.

- REIS, Diana. A voz do poeta. Produção e pesquisa. Produtora Quarto Crescente. UFPB. Campina Grande/PB: 2007.


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