Pular para o conteúdo principal

Sol comenta "Solitudes", de A. J. Pereira da Silva

 


Antônio Joaquim, ou A. J. Pereira da Silva, nasceu em Araruna-PB, no dia 9 de novembro de 1876. Era filho de Manuel Joaquim Pereira e Maria Ercília da Silva. Aos 14 anos foi para a então capital federal do país, o Rio de Janeiro. Estudou no Lyceu de Artes e Ofícios, fez preparatório para a Escola Militar, matriculando-se em 1895. Além de poeta era crítico literário e redator da revista “Mundo Literário”, ao lado de Agripino Grieco e Théo Filho.

Solitudes foi seu segundo livro de versos, que contou com grande aceitação pública. A obra foi editada por Jacintho Ribeiro dos Santos, e lançada em 1918, contando a primeira edição com 222 páginas. Em sua abertura, o autor escreveu:

É meu tormento. Chamam-lhe poesia,

A arte do verso. Chamo-lhe o madeiro,

A Cruz da minha noite e do meu dia.

 

Cruz em que verto o sangue verdadeiro,

E em que minh’alma em transes agonia

E o coração se crucifica inteiro....

Silvino Olavo – o poeta dos Cysnes – escreve para A União, e comenta “Solitudes” com o título: “Pereira da Silva: o Apóstolo da Beleza”. O vate inicia com um pequeno conceito sobre o colega de letras:

O artista silencioso de Solitudes é, por educação e por temperamento, uma alma em perpétuo retiro de beleza”.

E prossegue:

Simples, sincero na sua displicência para os fascínios da glória, comuvente na sua modéstia que às vezes raia pela timidez, vive afastado do bulício das cotterles literárias, meditando em silêncio os seus motivos de arte, indiferente à maledicência ou à consagração dos medíocres”.

Em sua síntese, destaca os principais pontos desta obra de Pereira da Silva, na época em que fora indicado para a Academia Brasileira de Letras, candidato à vaga de Olavo Bilac:

Truísmo intolerável seria, para quantos conhecem o Brasil a arte de Pereira da Silva, asseverar que a confirmação desse propósito significa apenas um justíssimo louvor à obra desse grande Poeta.

Em todo o ciclo da nossa história literária a personalidade de Pereira da Silva se destaca, não como o autor de uma arte poética nova, mas como o autor incontestável de uma poesia inteiramente à parte. Entre os da geração em que surgiu, ao lado dos últimos abencerragens (sic) da escola já agora renegada de quase todos, o grupo simpático dos neo-românticos, a figura inconfundível deste solifugo (sic) de gênio aparece como o mais profundo e o mais sentido de todos os nossos poetas.

É o mais sincero dos nossos cantores. Conheço de perto a fé quase religiosa com que ele se dedica ao mister da sua arte aureolada.

Para ele a poesia não é um passatempo. É um aposto ao de renunciação e piedade.

Poeta de vocação, eleito pelas forças sutis da natureza para interpretar lhe a dor, em seus múltiplos aspectos, marcha silencioso e resignado sem olhar em torno, imerso na deliciosa abstração do seu doce evangelismo de bondade.

Olhos fixos no Ideal, alça-se, sonambulo, ao seu alto jardim de misticismo, nas asas poderosas do Sono, para depois, voltando à realidade, colher aí a dolorosa convicção de que na vida será sempre mal interpretado o seu afã de andar derramando sobre a cabeça das multidões sequiosas de consolo, esse esquisito aroma do sentimento.

Ninguém jamais foi tão longe na compreensão da dor humana.

Se a dor cósmica, em toda a sua ecumênica afeição, sentiu-a como ninguém Augusto dos Anjos, cuja síntese suprema é o seu Lamento das coisas, a dor consciente dos homens tem o seu maior intérprete no autor de ‘Solitudes’

O seu pessimismo é amargo, mais não é desesperado como o de Leopardi – o cysne preto de Recanti, ou como o de José Dura – o infeliz tuberculoso do “Fel” que, por se saber irremediavelmente perdido, tinha ódio a toda gente de saúde.

Ao contrário disso, o nosso poeta veio de perfeição em perfeição moral até chegar a esse estado de beatitude que transforma os seixos do caminho em ânforas de nardo e leva à suprema piedade daquele verso de Emiliano Perneta:

- “Vamos rezar pelos que são felizes”.

Sua sensibilidade excepcional lhe causa múltiplos tormentos que as suas forças interiores entretanto não permitem explodir em lenitivas inúteis mas trabalham a sua serenidade filosófica e a sua nobre intuição de beleza.

De todos os traços decisivos e fundamentais de seu caráter, nenhum contribui mais para definir a sua fisionomia moral de que esse fundo de tristeza que não deblatera, enraivecido, mas se resigna, bondoso, na crença de que só para além do “aqui jaz” poderá saciar a sua sede do íntimo levando consigo o profundo segredo da sua musa endolorada:

- “Musa da minha Dor! Que de ventura sisto

Em pensar que vais ter ao menos todo o instinto

Da terra maternal de que és, também oriunda,

Musa da minha Dor, efêmera e profunda!”.

O individualismo estético de Pereira da Silva não reside na forma considerada hoje, para os que acreditam no valor absoluto do processo como a pedra de toque nas definições artísticas.

A sua técnica, embora sujeita às prescrições acadêmicas, tem o cunho personalíssimo do seu estilo. E a sua arte o é sobretudo porque revela uma maneira própria de considerar o existente:

“Se a morte é sempre o véo que o gênio não descerra,

A vida é o mesmo pó e a terra atrai a terra”.

Eis aí a maneira muito pessoal de sentir deste poeta que a Parahyba tem a honra de lhe haver embalado a infância na pitoresca vila de Araruna.

Apesar de ter isso de cá muito menino, de haver feito toda a sua formação no Rio de Janeiro onde viveu sempre vida de sonhador, vida meditativa e repousada de homem afeito às grandes resignações, não esqueceu ele os quadros rústicos da sua terra.

Há nos seus livros algumas homenagens a estas reminiscências que ficaram na sua alma de paraibano.

A Parahyba não deve ser indiferente a ascenção gloriosa do seu filho que tão nobremente a vem honrando nos centros de maior consagração intelectual do país”.

Pereira da Silva, tendo sido vencido no pleito por Amadeu Amaral (1925), retornou à disputa e foi eleito para a cadeira de nº 18, cujo patrono é João Francisco Lisboa, em 23 de novembro de 1933, tomando posse no dia 26 de junho do ano seguinte. Faleceu em 11 de janeiro de 1944.

Silvino, nos anos 30 do Século passado, acometido de surtos esquizofrênicos, internou-se na Tamarineira, em Recife-PE, onde permaneceu em tratamento até que fora transferido para a Colônia Juliano Moreira, em João Pessoa-PB.

Após alta médica, passou o natal de 1952 em companhia da família, na cidade de Esperança-PB.

Durante seus intervalos lúcidos, produziu diversos poemas e eternizou a sua musa “Badiva” e muitos outros registrados em páginas em branco de livros e folhas avulsas.

Faleceu em 26 de outubro de 1969, vítima de complicações renais no Hospital Dr. João Ribeiro, em Campina Grande (PB).

Silvino Olavo é o patrono da Cadeira 25 da Academia de Letras de Campina Grande, com assento na de número 14 da Academia Paraibana de Poesia.

 

Rau Ferreira

 

Referências:

- A UNIÃO, Jornal. Pereira da Silva – o apóstolo da beleza (Silvino Olavo). Edição de 10 de dezembro. Parahyba: 1925.

- LETRAS, Academia Brasileira (de). Pereira da Silva, A. J. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/pereira-da-silva-j/biografia, acesso em 16/08/2023.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sitio Banaboé (1764)

  Um dos manuscritos mais antigos de que disponho é um recibo que data de 1º de abril do ano de 1764. A escrita já gasta pelo tempo foi decifrada pelo historiador Ismaell Bento, que utilizando-se do seu conhecimento em paleografia, concluiu que se trata do de pagamento realizado em uma partilha de inventário. Refere-se a quantia de 92 mil réis, advinda do inventário de Pedro Inácio de Alcantara, sendo inventariante Francisca Maria de Jesus. A devedora, Sra. Rosa Maria da Cunha, quita o débito com o genro João da Rocha Pinto, tendo sido escrito por Francisco Ribeiro de Melo. As razões eram claras: “por eu não poder escrever”. O instrumento tem por testemunhas Alexo Gonçalves da Cunha, Leandro Soares da Conceição e Mathias Cardoso de Melo. Nos autos consta que “A parte de terras no sítio Banabuiê foi herdade do seu avô [...], avaliado em 37$735” é dito ainda que “João da Rocha Pinto assumiu a tutoria dos menores”. Registra-se, ainda, a presença de alguns escravizados que vi...

Renato Rocha: um grande artista

  Foto: União 05/12/2001 “A presença de autoridades, políticos e convidados marcou a abertura da exposição do artista plástico Renato Rocha, ocorrida no último final de semana, na Biblioteca Pública Dr. Silvino Olavo, na cidade de Esperança, Brejo paraibano. A primeira exposição de Renato Ribeiro marca o início da carreira do artista plástico de apenas 15 anos. Foram expostas 14 telas em óleo sobre tela, que também serão mostradas no shopping Iguatemi, CEF e Teatro Municipal de Campina Grande já agendadas para os próximos dias. A exposição individual teve o apoio da Prefeitura Municipal de Esperança através da Secretaria de Educação e Cultura, bem como da escritora Aparecida Pinto que projetou Renato Rocha no cenário artístico do Estado. Durante a abertura da Exposição em Esperança, o artista falou de sua emoção em ver os seus trabalhos sendo divulgados, já que desenha desde os nove anos de idade (...). A partir deste (...) Renato Ribeiro espera dar novos rumos aos seus projeto...

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele...

Dica de Leitura: Badiva, por José Mário da Silva Branco

  Por José Mário da Silva Branco   A nossa dica de leitura de hoje vai para este livro, Badiva, voltado para a poesia deste grande nome, Silvino Olavo. Silvino Olavo, um mais ilustre, representante da intelectualidade, particularmente da poesia da cidade de Esperança, que ele, num rasgo de muita sensibilidade, classificou como o Lírio Verde da Borborema. Silvino Olavo, sendo da cidade de esperança, produziu uma poesia que transcendeu os limites da sua cidade, do seu Estado, da região e se tornou um poeta com ressonância nacional, o mais autêntico representante da poética simbolista entre nós. Forças Eternas, poema de Silvino Olavo. Quando, pelas ruas da cidade, aprendi a flor das águas e a leve, a imponderável canção branca de neve, o teu nome nasceu sem nenhuma maldade, uma imensa montanha de saudade e uma rasgada nuvem muito breve desfez em meus versos que ninguém escreve com a vontade escrava em plena liberdade. Silvino Olavo foi um poeta em cuja travessia textual...

Capelinha N. S. do Perpétuo Socorro

Capelinha (2012) Um dos lugares mais belos e importantes do nosso município é a “Capelinha” dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro. Este obelisco fica sob um imenso lagedo de pedras, localizado no bairro “Beleza dos Campos”, cuja entrada se dá pela Rua Barão do Rio Branco. A pequena capela está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa “ lugar onde primeiro se avista o sol ”. O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Consta que na década de 20 houve um grande surto de cólera, causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira, teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal.  Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à ...