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O jogo que não terminou

 


E o jogo não terminou...”, registrava Ivan Bezerra ao narrar a disputa entre América de Esperança e o Botafogo da Capital no Estádio “José Ramalho da Costa”, na cidade de Esperança-PB. Em crítica ferrenha, complementa o cronista: “Em Esperança é assim: escreveu não leu, terminam um jogo”. Mas será que o repórter pessoense foi justo?

O mesmo episódio é narrado por Francisco Cláudio, conhecido por “Chico de Pitiu”, que dirigiu a equipe americana, em seu livro “50 Anos de Futebol & etc”. Nosso objetivo é mostrar os dois ângulos, e deixar que o leitor faça o julgamento. Vamos aos fatos.

A convite de Zé Ramalho, compareceu o Botafogo ao nosso estádio, no dia 11 de novembro de 1956, para participar de uma partida amistosa. Os americanos marcaram aos trinta segundos do primeiro tempo, por intermédio de Aprígio. Com a marcação “os cracks interioranos passaram a pressionar o reduto final do Glorioso, enquanto ele continuava falhando no seu setor defensivo”.

A investida do Belo se agigantou aos quinze minutos, e se fez mais acirrada aos 26 do primeiro tempo, quando Joãozinho acertou um chute de fora da área, provocando a defensiva americana. O lance duvidoso se deu aos trinta, quando o ponteiro Garcês foi calçado dentro da área, marcando o arbitro a penalidade máxima. O capitão do time Gilvan [foto/detalhe], comenta o repórter, “num gesto de indisciplina, e ainda apoiado pelo sr. José Ramalho da Costa, não queriam deixar que a penalidade fosse cobrada”. Depois do entrevero, a partida foi encerrada.

Walfredo Marques, no seu livro “História do Futebol Paraibano”, narra o incidente da seguinte forma:

“[...] o Botafogo foi ao ataque e numa investida violenta, Garcês é derrubado dentro da área e o juiz pune penalidade máxima. Gilvan, capitão da equipe, numa atitude de revolta, não deixou bater a falta, sendo seu gesto de indisciplina apoiado pelo Presidente do América e companheiros de equipe, resultando um desagradável acontecimento que ocasionou a suspensão da partida” (História do Futebol Paraibano, p. 269).

Na versão de Chico Cláudio o pênalti nunca existiu:

O que houve foi uma encenação do jogador Garcês que jogou-se no chão após ter perdido o domínio da bola. Usou portanto da conhecida malandragem do jogador profissional para levar o árbitro a marcar uma penalidade inexistente.

O juiz da partida foi na onda do jogador e marcou a penalidade, deu portanto o que na ‘gíria esportiva se chama de patriotada’...” (50 Anos de Futebol & etc, p. 88).

Pitiu admite que o ato de Gilvan foi de indisciplina, porém “ditada pelas circunstâncias do jogo”, devido a encenação de Garcês e a penalidade marcada pelo árbitro pessoense:

Foi primeiro de tudo um protesto contra o esbulho que o árbitro pessoense queria praticar contra o AMÉRICA. A grita dos dirigentes, dos jogadores, do juiz e dos bandeirinhas foi porque não conseguiram garfar o AMÉRICA. Essa não foi a primeira e nem a última vez que os poderosos (do futebol ou de outras atividades) se arrogaram com o direito de passar por cima do mais fraco. Desta vez isso não aconteceu” (50 Anos de Futebol & etc, p. 88/89).

Gilvan Gonçalves de Lima foi um dos fundadores do "Mequinha". Vestiu a camisa de capitão do time pela primeira vez em 1948, e permaneceu na agremiação até 1980, quando por complicações de saúde, abandonou o futebol.

Na opinião de F. Cláudio, “Este sem sombra de dúvida o maior de todos os tempos. Era um craque, temido pelos adversários e admirado pelos seus inúmeros fãs. Era um ídolo. Quando ele jogava, havia gol, vitória, alegria e festa”.

Súmula do jogo:

Estádio: José Ramalho da Costa.

Renda: Cr$ 10.000,00

Juiz: Antônio Augusto

América: Manoelzinho, Erasmo, Edmilson, Vavá, Aragão, Mafia, Neide, Aprígio, Gilvan, Pretinho e Teixeirinha.

Botafogo: Brasil, Barbosa (depois Tito), Tita, Nuca, Escurinho, Sílvio, Garcês, Miltom, Paulinho, Berto e Joãozinho.

O Botafogo da Capital foi um único time profissional que se manteve invicto frente o América de Esperança.

 

Rau Ferreira

 

Referências:

- BEZERRA, Ivan. E o jogo não terminou... O Norte, Edição de 14 de novembro. João Pessoa/PB: 1956.

- LIMA, Francisco Cláudio (de). 50 Anos de Futebol & etc. Ed. Rivaísa. João Pessoa/PB: 1994.

- MARQUES, Walfredo. História do Futebol Paraibano. União Editora. João Pessoa/PB: 1975.

Comentários

  1. Muito bom. Seu Chico é parte interessada, mas prefiro acreditar na versão dele. Via de regra, o grande se impõe ao pequeno não por mérito, mas pelo simples fato de se arrogar com mais direitos. Um privilegiado perante os outros.

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