Pular para o conteúdo principal

A influência de Esperança no bairro do Centenário

 

Padre Palmeira - Procissão da Padroeira (1951)

Mãos que erguem a cidade

No sítio a vida passava devagar. A família era grande, dava um certo trabalho para manter aquelas bocas, mas para tudo se dava um jeito. Dois dos filhos mais velhos estavam sempre indo a feira vender banana e laranja cravo, frutas que abundavam naqueles vales brejeiros. O pouco do feijão da roça não dava nem tempo de secar direito, ia direto para a panela. Miguel, o patriarca, ia numa casa de farinha na estrada de Puxinanã buscar uma saca que durava alguns meses, a mantinha em um jirau na cozinha. Vida de rusticidade e dificuldade. Corrinha era sua filha predileta, tinha 12 irmãos; não era a mais velha nem a mais nova, mas sua mãe a via como a mais sabida. Ela quem resolvia as coisas em Esperança ou se preciso fosse, ia a Campina Grande.

Certa feita, na festa de Nossa Senhora do Bom Conselho, padroeira do município, após assistir à missa com sua mãe e seus irmãos, Corrinha deu uma espiada na festa e se assanhou por um moço que morava no sítio vizinho. Como ele está bonito! Comentou com a irmã mais velha. Tinha visto o que nunca havia enxergado naqueles pés de serra. Pouco tempo de namoro e o casamento foi ligeiro. Após a primeira filha o dito cujo viajou para o Rio de Janeiro afirmando que no fim do ano voltaria rico. Todo mundo estranhou, mas ninguém soube impedir aquele desatino, até porque foi de repente, pegando todos de surpresa. Chegou o fim do ano e ele não voltou. Se passaram mais dois longos anos até que a irmã mais velha, estando na cidade, ouve uma conversa na feira entre uma prima do sujeito e um feirante: “Ivo não vem mais aqui não, que ele não é besta. Como não era casado na igreja, foi embora com a filha do coronel e hoje vive muito bem no sul, ele ia bem ficar morando num casebre naquele sítio passando fome...”. Aos prantos, a irmã retorna com a má notícia que arrasou todo mundo, inclusive o velho Miguel.

Impotente e com profunda vergonha, Miguel resolve se mudar para Campina. Um compadre seu falou dias antes ter ouvido na Rádio Borborema que estavam recrutando trabalhadores para as indústrias que estavam se instalando na cidade. Sabendo das oportunidades, foi com seu filho mais velho conferir. Conseguiu de imediato trabalho no canteiro de obras de uma fábrica de pvc, o filho mais velho foi empregado em uma obra vizinha. À tardinha, era o momento de procurar lugar onde poderiam morar com segurança e trazer a família.

No início da década de 1960, nasciam as primeiras empresas, com destaque para a fábrica de fogões Wallig, que Miguel viu desde o corte de terreno, participando de cada etapa da construção. Trabalho árduo, difícil, porém digno e honesto. Não tardou a encontrar um bairro a se formar um pouco afastado do centro, com possibilidades até de arriscar plantar uma rocinha de milho e feijão; o lugar era de uma Dona Merquinha, que tinha uma mata gigante até onde a vista alcançava na saída para o sertão; o lugarejo que virou bairro era chamado de “Moita”. Tinha uma igrejinha em devoção a Santa Rosa e das poucas casinhas, criou-se uma Sociedade de Amigos de Bairro.

La no fim da rua grande, que viria a se chamar Rua do Sol, Miguel e seu filho construíram uma casa de taipa e poucos meses depois, estava ali toda a família reunida. E cada um passou a ajudar no sustento da casa e em esforços para sua ampliação, pois do tamanho que era, a família só conseguia estar toda dentro da residência na hora de dormir. As meninas já crescidas, levavam com dificuldade moringas de barro com água e cocada para a estação de trem no lugar Casa de Pedra, que veio a se chamar Centenário anos depois, e vendiam aos passageiros; a água era em um caneco de ágata e a cocada em um papel de embrulho. Os três filhos mais velhos foram trabalhar com o pai, o que tinha vindo primeiro desistiu e junto a mais uns três colegas de obra, pegou um pau-de-arara para tentar a vida no sul sem dar qualquer notícia, logo após o pagamento.

Naqueles anos a cidade prosperou, depois do boom algodoeiro ela procurou um lugar para si, e encontrou na atividade industrial o néctar para reinventar-se. As fábricas foram sendo construídas e boa parte da mão de obra veio de outras cidades, dos arredores, forasteiros sempre em busca de oportunidade e a cidade Rainha esbanjando sua hospitalidade, sempre a se preocupar mais com o futuro do que com seus filhos.

Depois do parque industrial funcionando, muita mão de obra continuou sendo necessária e nos anos seguintes, a cidade vai passar por uma série de modificações. Assim, migueis, marias, josés, joões, franciscos e suas famílias vieram construir essa cidade, por um motivo ou por outro, incorporando a força de um povo que além da altivez, é marcado pela esperança.

 

Thomas Bruno Oliveira*

 

Historiador e jornalista, mestre em História (UFCG) com especialidade em História do Brasil e da Paraíba (FIP); sócio fundador da SPA – Sociedade Paraibana de Arqueologia, e dos Institutos Históricos de Serra Branca, Esperança, do Cariry e Areia, editor da revista Tarairú e colunista das revistas Turismo (João Pessoa/PB) e do Jornal A União.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A minha infância, por Glória Ferreira

Nasci numa fazenda (Cabeço), casa boa, curral ao lado; lembro-me de ao levantar - eu e minha irmã Marizé -, ficávamos no paredão do curral olhando o meu pai e o vaqueiro Zacarias tirar o leite das vacas. Depois de beber o leite tomávamos banho na Lagoa de Nana. Ao lado tinham treze tanques, lembro de alguns: tanque da chave, do café etc. E uma cachoeira formada pelo rio do Cabeço, sempre bonito, que nas cheias tomava-se banho. A caieira onde brincávamos, perto de casa, também tinha um tanque onde eu, Chico e Marizé costumávamos tomar banho, perto de uma baraúna. O roçado quando o inverno era bom garantia a fartura. Tudo era a vontade, muito leite, queijo, milho, tudo em quantidade. Minha mãe criava muito peru, galinha, porco, cabra, ovelha. Quanto fazia uma festa matava um boi, bode para os moradores. Havia muitos umbuzeiros. Subia no galho mais alto, fazia apostas com os meninos. Andava de cabalo, de burro. Marizé andava numa vaca (Negrinha) que era muito mansinha. Quando ...

Zé-Poema

  No último sábado, por volta das 20 horas, folheando um dos livros de José Bezerra Cavalcante (Baú de Lavras: 2009) me veio a inspiração para compor um poema. É simplório como a maioria dos que escrevo, porém cheio de emoção. O sentimento aflora nos meus versos. Peguei a caneta e me pus a compor. De início, seria uma homenagem àquele autor; mas no meio do caminho, foram três os homenageados: Padre Zé Coutinho, o escritor José Bezerra (Geração ’59) e José Américo (Sem me rir, sem chorar). E outros Zés que são uma raridade. Eis o poema que produzi naquela noite. Zé-Poema Há Zé pra todo lado (dizer me convém) Zé de cima, Zé de baixo, Zé do Prado...   Zé de Tica, Zé de Lica Zé de Licinho! Zé, de Pedro e Rita, Zé Coitinho!   Esse foi grande padre Falava mansinho: Uma esmola, esmola Para os meus filhinhos!   Bezerra foi outro Zé Poeta também; Como todo Zé Um entre cem.   Zé da velha geração Dos poetas de 59’ Esse “Z...

Esperança, por Maria Violeta Silva Pessoa

  Por Maria Violeta da Silva Pessoa O texto a seguir me foi encaminhado pelo Professor Ângelo Emílio da Silva Pessoa, que guarda com muito carinho a publicação, escrita pela Sra. Maria Violeta. É o próprio neto – Ângelo Emílio – quem escreve uns poucos dados biográfico sobre a esperancense: “ Maria Violeta da Silva Pessoa (Professora), nascida em Esperança, em 18/07/1930 e falecida em João Pessoa, em 25/10/2019. Era filha de Joaquim Virgolino da Silva (Comerciante e político) e Maria Emília Christo da Silva (Professora). Casou com o comerciante Jayme Pessoa (1924-2014), se radicando em João Pessoa, onde teve 5 filhos (Maria de Fátima, Joaquim Neto, Jayme Filho, Ângelo Emílio e Salvina Helena). Após à aposentadoria, tornou-se Comerciante e Artesã. Nos anos 90 publicou uma série de artigos e crônicas na imprensa paraibana, parte das quais abordando a sua memória dos tempos de infância e juventude em e Esperança ” (via WhatsApp em 17/01/2025). Devido a importância histór...

Luiz Pichaco

Por esses dias publiquei um texto de Maria Violeta Pessoa que me foi enviado por seu neto Ângelo Emílio. A cronista se esmerou por escrever as suas memórias, de um tempo em que o nosso município “ onde o amanhecer era uma festa e o anoitecer uma esperança ”. Lembrou de muitas figuras do passado, de Pichaco e seu tabuleiro: “vendia guloseimas” – escreve – “tinha uma voz bonita e cantava nas festas da igreja, outro era proprietário de um carro de aluguel. Família numerosa, voz de ébano.”. Pedro Dias fez o seguinte comentário: imagino que o Pichaco em referência era o pai dos “Pichacos” que conheci. Honório, Adauto (o doido), Zé Luís da sorda e Pedro Pichaco (o mandrião). Lembrei-me do livro de João Thomas Pereira (Memórias de uma infância) onde há um capítulo inteiro dedicado aos “Pichacos”. Vamos aos fatos! Luiz era um retirante. Veio do Sertão carregado de filhos, rapazes e garotinhas de tenra idade. Aportou em Esperança, como muitos que fugiam das agruras da seca. Tratou de co...

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele...