Silvino
Olavo. Morou próximo da minha casa. Quase todos os dias, via-o caminhar pelas
calçadas irregulares da minha rua contemplando as pessoas com um aceno de
cabeça. Permanentemente bem vestido, metido em ternos elegantes quase sempre em
tons cinza. Da praça Dom Adauto, saía no banco traseiro do seu Aero Willis
dirigido por Toinho, casado com sua sobrinha, Maria Alice. Quase não se
desgrudava de uma bengala de madeira com detalhes de metal. Seu caminhar
passava a ideia de que não tinha compromisso com a vida. Também morou na
companhia de sua irmã, Alice, casada com Valdemar Cavalcanti, na Fazenda Bela
Vista, hoje bairro Bela Vista. Ficava na residência defronte a do casal. Ouvia,
quando por vezes visitei o casal Valdemar/Alice, seus gritos que atravessavam
os muros rompendo o silêncio do lugar. Era a sintomatologia da doença que o
acometera.
A
dramática vida do poeta, alternando momentos de lucidez e alucinações, quando
acometido da esquizofrenia, não o impediu de produzir aqui e ali os versos que
deixou feitos à grafite em papéis de embrulho sobre balcões nas salas
comerciais, alfaiatarias e barbearias da cidade.
Em
julho de 1985, movido pela vontade de divulgar em sua cidade natal parte da sua
produção literária, publiquei as obras Cysnes e Sombra Iluminada num só volume.
Pensava eu, naqueles idos anos, que haveria interesse e apoio dos estudantes e
das autoridades constituídas. Foi uma grande decepção. Banquei um prejuízo dos
grandes. Não me arrependi. Num artigo introdutório intitulado “Deve Ser Lido”,
escrevi “não sei de que forma serei recebido pelo público leitor...” Passados
esses 25 anos - Jubileu de Prata - eu sei exatamente como fui recebido e por
isso afirmo que não teria coragem de repetir a experiência. Desejo ao meu amigo
Rau melhor sorte.
A
ênfase em temas místicos, imaginários e subjetivos assim como o caráter
individualista e a estética marcada pela musicalidade, características
constantes do Simbolismo, estão sempre presentes na obra de Silvino. No Brasil
o nome maior do simbolismo foi Cruz e Souza. A expressão maior desta escola no
mundo é Charles Baudelaire. Mas Silvino também incursionou com bastante
desenvoltura pelo Parnasianismo, que consagrou, no Brasil, Bilac, Alberto de
Oliveira e Raimundo Correia. Sua poesia também foi marcada pela impessoalidade,
valorização da estética, busca da perfeição, linguagem rebuscada, vocabulário
culto, mitologia grega, preferência por sonetos com ênfase para metrificação
que são características parnasianas. Aliás, acho Silvino muito mais parnasiano
que simbolista, que me desculpem os estudiosos de literatura.
Se
publicar livros rendesse votos, com certeza, algumas lideranças municipais
estariam ao lado de Rau. O fato, porém, é que literatura não ajuda a eleger
ninguém. Tanto é que o peruano, Jorge Mario Vargas Lloza, Nobel (2010), que já
fez sua incursão pela política, perdeu a eleição para presidente do seu país,
em 1990, para ninguém menos que o corrupto Alberto Fujimori. As artes, de um
modo geral, enfrentam a visão míope dos executivos e o apedeutismo dos legisladores.
Se, porém, escritores ou jornalistas fizerem um só comentário que possa
resultar em ofensa a quaisquer políticos, os céus caem. Tanto é que o Partido
dos Trabalhadores, que ainda está no poder, cerceia de forma disfarçada nossa
imprensa e até ventila a ideia de criar um órgão controlador para as
comunicações.
Preocupado
com a mercantilização da literatura, o Nobel português, José Saramago
(1922-2010), em artigo escrito pouco antes da sua morte, afirmava que “de
futuro, sirva de exemplo, não serão escritas Histórias da Literatura
Portuguesa, mas sim Histórias do Investimento Literário em Portugal. E os
estudantes usarão as suas calculadoras de bolso para comprovar o valor de
mercado de Jorge Sena, de Eduardo Viana ou de José Rodrigues Miguéis...” Faço
essa afirmação apenas para evocar o desrespeito que parte da nossa sociedade
tem para com as vocações literárias, como se gostar de leitura fosse um defeito
ou uma falta humana.
A
literatura retrata todas as coisas do seu tempo. É fruto das ocorrências no
espaço em que acontece. Reflete os costumes, o nível intelectual, as tradições,
a tecnologia e os preconceitos próprios de um lugar e de um tempo. Hoje não
existem mais histórias contadas sem computadores, celulares, GPS e MP3. Sem
viagens intercontinentais em ultrassônicos. A literatura é um work in progress
que habita a geografia do seu tempo, a topografia do seu espaço eternizando-se
com tudo que em seu acontecer é provisório e incontínuo. Silvino Olavo da Costa
fez isso no seu tempo e a seu modo. Nós, passados esses 41 anos de sua morte,
nos detemos um pouco na análise da sua arte. E, claro, como bairristas e
megalomaníacos que somos, vamos colocá-lo na galeria onde estão Homero,
Cervantes, Dante, Shakespeare, Camões, Dostoievski, Bandeira, Drumond...
Roberto
Cardoso*
* O autor é jornalista
e professor universitário. O texto foi enviado por email em 28 de outubro de
2010.
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