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Esperança sob o Golpe do AI-5 (Parte VI)

O Município de Esperança, podemos assim dizer, se destacou nesses eventos “revolucionários”. Não são poucas as notícias que temos de estudantes e pessoas de nossa comunidade que atuaram ativamente na resistência contra o regime ditatorial.

Havia, também, os admiradores daquele modelo de governo que se tornou um peso para muitos e uma forma de opressão dos direitos individuais e coletivos, a medida que impunha a sua ideologia, sem deixar o mínimo de abertura para o debate sobre os princípios éticos que devem orientar uma nação.

Em conversa com algumas dessas pessoas pude extrair informações importantes, que passo a descrever para que os nossos leitores possam compreender todo esse contexto.

As facções políticas eram bem definidas. Quem fosse da direita era filiado ao UDN, enquanto os da esquerda participavam do PSD. Quem comandava o PSD era o prefeito Júlio Ribeiro, que depois foi substituído por Dogival Costa na chefia do partido. Seu Dogival saiu do PL para assumir essa posição em apoio ao tabelião Chico Souto, que fora instigado pela chefia estadual de Ruy Carneiro a entrar na política e se candidatar a deputado.

Pedro Dias revivendo suas memórias tece os seguintes comentários:

“Na ditadura existiam dois partidos: UDN e PSD, que depois foi substituído por ARENA e MDB. Na época da UDN/PSD o seu Dogival era pessedista (PSD). [...] na época quem comandava era Júlio Ribeiro; quem comandava a UDN, partido da direita, era Joaquim Virgolino, que inclusive se elegeu por essa legenda. Mas seu Dogival sempre foi pessedista [...]”.

Os estudantes se organizavam na luta democrática a partir do Centro Estudantal que chegou a organizar um bureau de propaganda comunista. Eles se intitulavam como uma “organização clandestina de luta e resistência ao golpe de 64”. O grupo se reunia para planejar as ações, fazer leituras consideradas “subversivas” e preparar panfletos a serem distribuídos pela cidade.

Eles eram considerados bem mais equipados do que o grupo de Jaime Pedão e Chico Braga, que também defendiam os ideais comunistas na cidade, porque tinham acesso a material impresso e faziam uso do mimeógrafo para difundirem seus pensamentos.

Antônio Ferreira Filho (Ferreirinha), um dos líderes dos estudantes, e vice-presidente do Beareau de Propaganda Comunista/BCP de Esperança, chega a comentar:

“Sabíamos que tinha um grupo de militantes em Esperança como Jaime, Chico Braga e outro mas achávamos o pessoal muito devagar nas ações e começamos à agir”

Esses senhores também faziam reuniões constantes com a rapaziada sobre países comunistas. Joacil Braga Brandão, filho de seu Chico, é quem nos conta melhor a participação deles nessa resistência:

“As reuniões eram realizadas na oficina/sapataria de Jaime Pedão, localizada na Rua Nova, sempre à noite e de portas fechadas; as vezes se estendia até quase à meia noite. Dela participavam, além de Papai, o Jaime Pedão, o Simião, o Sr. Milton do IBGE, o Nicinho do Correio, e esporadicamente, o Sr. Chico Pitiu, o Fernando do Correio e um Odontólogo muito amigo do meu pai.

Nas reuniões eram tratados assuntos de como angariar simpatizantes para a célula, a leitura do “Manifesto Comunista” e de “O Capital”, e a leitura dos livros e revistas que chegavam semanalmente da Embaixada da URSS e sua respectiva distribuição.

Outros jovens foram mais ousados ainda, chegaram até a formar uma “esquadra revolucionária”. Esse grupo era formado por Beinha, filho de seu Dogival, Pedro Dias e alguns outros. Aliás, é o próprio Pedro quem nos informa:

“Beinha era uma pessoa normal. Como seu Dogival sempre foi do PSD, ele também torcia pelo partido do pai [....] e assim Beinha acompanhava ele. Apesar dele não ter muito interesse pela política, ele acompanhava o pai, inclusive nos comícios também, como todo mundo faz quando torce por um partido.

Beinha sempre teve tendências revolucionária afeito aos países comunistas como Cuba e Rússia. A gente até chegou a criar uma esquadra revolucionária com farda e boinas na cabeça e ficamos a desfilar na rua”.

O “pelotão revolucionário” – como era de se esperar – chamou a atenção da polícia, que cuidou logo de repreender aquela atitude, temorosos de que aquela iniciativa tomasse força na cidade:

“[...] o tenente Morais, delegado na época, nos mandou desfazer o pelotão, senão mandava prender a gente. E esse pelotão a gente desfilava pela cidade”.

Joacil Braga faz bem a distinção entre o grupo de jovens:

“Era fácil identificar imediatamente dois grupos: um composto por jovens da boemia, e outro composto por jovens com maior abrangência cultural”.

O grande expoente, se assim podemos dizer, era José Bezerra Cavalcante Filho, economista e poeta, porta-voz do movimento literário e artístico “Geração 59”, representante da UNE – União nacional dos Estudantes e do Comitê Preparatório do VIII Festival Internacional da Juventude em Helsinque e assessor da UIE – União Internacional dos Estudante em Praga.

Por esse tempo Zezinho Bezerra, como era mais conhecido, morava na Alemanha Oriental e veio visitar a família em Esperança. Na ocasião, aproveitou para dar uma palestra no clube CAOBE sobre as tendencias comunistas mundiais. As dependências do sodalício ficaram lotadas.

Zezinho possuía uma inteligência acima da média. Seus discursos eram incendiários e quando visitava a cidade movimentava toda a juventude. A repercussão tomou proporções tais, que ele precisou fugir do país, segundo se comenta, com o apoio do tio Samuel Duarte e do Senador Humberto Lucena.

Assim nos lembra Pedro Dias:

“Zezinho Bezerra havia chegado [...] de Cuba ou da Alemanha, se não me engano, e o exército bateu em Esperança para prendê-lo, mas alguém avisou que ele estava para ser preso pelo exército. [...]. O exército soube que Zezinho tinha chegado e ele era comunista, estava vindo de Cuba ou da Alemanha, não lembro, mas alguém avisou e ele caiu fora, não foi preso”.

Além da repressão militar da época a esses grupos insurgentes em nosso município, houve também muita perseguição política. Assim nos conta Pedro Dias:

“Nessa época que foi a época da ditadura em 64 uma porrada de político foi cassado, muitos inclusive Chico Souto daí de Esperança foi cassado e ninguém podia falar nada em reunião porque sempre tinha um x9 que ninguém sabia quem era que dava a dica para o pessoal da direita e aí de repente aparecia o exército por lá cascaviando as coisas e o pessoal se dispersava devido essa situação. Mas foi assim, muitos políticos foram cassados exatamente por esse motivo”.

Essas são mais umas páginas do conturbado momento político do Brasil nos idos de 1964. Há muita ainda o que contar, porém passados sessenta anos, os protagonistas dessa história ainda temem falar sobre o assunto. Velhas feridas doem quando são reabertas.

 

Rau Ferreira

 

 

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