O Município de Esperança, podemos assim dizer, se
destacou nesses eventos “revolucionários”. Não são poucas as notícias que temos
de estudantes e pessoas de nossa comunidade que atuaram ativamente na
resistência contra o regime ditatorial.
Havia, também, os admiradores daquele modelo de
governo que se tornou um peso para muitos e uma forma de opressão dos direitos
individuais e coletivos, a medida que impunha a sua ideologia, sem deixar o
mínimo de abertura para o debate sobre os princípios éticos que devem orientar
uma nação.
Em conversa com algumas dessas pessoas pude
extrair informações importantes, que passo a descrever para que os nossos
leitores possam compreender todo esse contexto.
As facções políticas eram bem definidas. Quem
fosse da direita era filiado ao UDN, enquanto os da esquerda participavam do
PSD. Quem comandava o PSD era o prefeito Júlio Ribeiro, que depois foi
substituído por Dogival Costa na chefia do partido. Seu Dogival saiu do PL para
assumir essa posição em apoio ao tabelião Chico Souto, que fora instigado pela
chefia estadual de Ruy Carneiro a entrar na política e se candidatar a
deputado.
Pedro Dias revivendo suas memórias tece os
seguintes comentários:
“Na ditadura existiam dois
partidos: UDN e PSD, que depois foi substituído por ARENA e MDB. Na época da
UDN/PSD o seu Dogival era pessedista (PSD). [...] na época quem comandava era
Júlio Ribeiro; quem comandava a UDN, partido da direita, era Joaquim Virgolino,
que inclusive se elegeu por essa legenda. Mas seu Dogival sempre foi pessedista
[...]”.
Os estudantes se organizavam na luta democrática a
partir do Centro Estudantal que chegou a organizar um bureau de propaganda
comunista. Eles se intitulavam como uma “organização clandestina de luta e
resistência ao golpe de 64”. O grupo se reunia para planejar as ações, fazer
leituras consideradas “subversivas” e preparar panfletos a serem distribuídos
pela cidade.
Eles eram considerados bem mais equipados do que o
grupo de Jaime Pedão e Chico Braga, que também defendiam os ideais comunistas
na cidade, porque tinham acesso a material impresso e faziam uso do mimeógrafo
para difundirem seus pensamentos.
Antônio Ferreira Filho (Ferreirinha), um dos
líderes dos estudantes, e vice-presidente do Beareau de Propaganda
Comunista/BCP de Esperança, chega a comentar:
“Sabíamos que tinha um
grupo de militantes em Esperança como Jaime, Chico Braga e outro mas achávamos
o pessoal muito devagar nas ações e começamos à agir”
Esses senhores também faziam reuniões constantes
com a rapaziada sobre países comunistas. Joacil Braga Brandão, filho de seu
Chico, é quem nos conta melhor a participação deles nessa resistência:
“As reuniões eram
realizadas na oficina/sapataria de Jaime Pedão, localizada na Rua Nova, sempre
à noite e de portas fechadas; as vezes se estendia até quase à meia noite. Dela
participavam, além de Papai, o Jaime Pedão, o Simião, o Sr. Milton do IBGE, o
Nicinho do Correio, e esporadicamente, o Sr. Chico Pitiu, o Fernando do Correio
e um Odontólogo muito amigo do meu pai.
Nas reuniões eram tratados
assuntos de como angariar simpatizantes para a célula, a leitura do “Manifesto
Comunista” e de “O Capital”, e a leitura dos livros e revistas que chegavam
semanalmente da Embaixada da URSS e sua respectiva distribuição.
Outros jovens foram mais ousados ainda, chegaram
até a formar uma “esquadra revolucionária”. Esse grupo era formado por Beinha,
filho de seu Dogival, Pedro Dias e alguns outros. Aliás, é o próprio Pedro quem
nos informa:
“Beinha era uma pessoa
normal. Como seu Dogival sempre foi do PSD, ele também torcia pelo partido do
pai [....] e assim Beinha acompanhava ele. Apesar dele não ter muito interesse
pela política, ele acompanhava o pai, inclusive nos comícios também, como todo
mundo faz quando torce por um partido.
Beinha sempre teve
tendências revolucionária afeito aos países comunistas como Cuba e Rússia. A
gente até chegou a criar uma esquadra revolucionária com farda e boinas na
cabeça e ficamos a desfilar na rua”.
O “pelotão revolucionário” – como era de se
esperar – chamou a atenção da polícia, que cuidou logo de repreender aquela
atitude, temorosos de que aquela iniciativa tomasse força na cidade:
“[...] o tenente Morais,
delegado na época, nos mandou desfazer o pelotão, senão mandava prender a
gente. E esse pelotão a gente desfilava pela cidade”.
Joacil Braga faz bem a distinção entre o grupo de
jovens:
“Era fácil identificar
imediatamente dois grupos: um composto por jovens da boemia, e outro composto
por jovens com maior abrangência cultural”.
O grande expoente, se assim podemos dizer, era
José Bezerra Cavalcante Filho, economista e poeta, porta-voz do movimento
literário e artístico “Geração 59”, representante da UNE – União nacional dos
Estudantes e do Comitê Preparatório do VIII Festival Internacional da Juventude
em Helsinque e assessor da UIE – União Internacional dos Estudante em Praga.
Por esse tempo Zezinho Bezerra, como era mais
conhecido, morava na Alemanha Oriental e veio visitar a família em Esperança.
Na ocasião, aproveitou para dar uma palestra no clube CAOBE sobre as tendencias
comunistas mundiais. As dependências do sodalício ficaram lotadas.
Zezinho possuía uma inteligência acima da média.
Seus discursos eram incendiários e quando visitava a cidade movimentava toda a
juventude. A repercussão tomou proporções tais, que ele precisou fugir do país,
segundo se comenta, com o apoio do tio Samuel Duarte e do Senador Humberto
Lucena.
Assim nos lembra Pedro Dias:
“Zezinho Bezerra havia
chegado [...] de Cuba ou da Alemanha, se não me engano, e o exército bateu em
Esperança para prendê-lo, mas alguém avisou que ele estava para ser preso pelo
exército. [...]. O exército soube que Zezinho tinha chegado e ele era
comunista, estava vindo de Cuba ou da Alemanha, não lembro, mas alguém avisou e
ele caiu fora, não foi preso”.
Além
da repressão militar da época a esses grupos insurgentes em nosso município,
houve também muita perseguição política. Assim nos conta Pedro Dias:
“Nessa
época que foi a época da ditadura em 64 uma porrada de político foi cassado,
muitos inclusive Chico Souto daí de Esperança foi cassado e ninguém podia falar
nada em reunião porque sempre tinha um x9 que ninguém sabia quem era que dava a
dica para o pessoal da direita e aí de repente aparecia o exército por lá
cascaviando as coisas e o pessoal se dispersava devido essa situação. Mas foi
assim, muitos políticos foram cassados exatamente por esse motivo”.
Essas são mais umas páginas do conturbado momento
político do Brasil nos idos de 1964. Há muita ainda o que contar, porém
passados sessenta anos, os protagonistas dessa história ainda temem falar sobre
o assunto. Velhas feridas doem quando são reabertas.
Rau Ferreira
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