Por Martinho Júnior
Em Esperança, o tempo parecia correr de um jeito diferente. As histórias dos moradores se entrelaçavam com as ruas de paralelepípedos, e a memória de cada casa guardava segredos e afetos que o vento soprava por entre as janelas. Foi numa manhã abafada, por volta de dez e meia, que a porta de casa foi batida. Eu, ainda adolescente, atendi sem pensar muito, imaginando ser algum conhecido que, sem cerimônia, vinha prosear.
Uma mulher estava à porta. Seu olhar era
direto, como se quisesse me convencer de que pertencia àquele lugar. Perguntou
por meu pai, Martinho Soares, como se fosse de casa. “Ele está lá dentro”,
respondi, já abrindo espaço para ela passar. Eu a conduzi à sala, esperando o
calor de um abraço e sorrisos largos quando ela se identificou como Noêmia
Rodrigues.
Noêmia Rodrigues. Esse nome sempre foi
mencionado em nossa casa como alguém que, embora distante, fazia parte da nossa
história, uma memória viva na mente de meu pai. Ela era filha de seu Manoel
Rodrigues e dona Niná Rodrigues, gente que criou e educou meu pai. Quando ela
foi embora, muitos anos atrás, Esperança perdeu um pouco do brilho, mas a
lembrança dela nunca se apagou. Era de se esperar, portanto, que sua volta
fosse um evento cheio de emoção e reencontros.
Mas não foi assim que aconteceu.
Meu pai e minha mãe, ao verem aquela mulher,
ficaram paralisados. Os olhos, antes cheios de expectativa, se tornaram duros,
quase assustados. Eles se entreolharam, como se soubessem de algo que eu não
podia compreender. A alegria esperada se transformou em um silêncio
constrangedor. A conversa foi breve, feita de frases curtas e respostas
evasivas, como se cada palavra fosse um terreno perigoso a ser pisado com
cautela.
Quando a mulher saiu, meus pais me pediram
para fechar bem a porta e as janelas. A angústia estampada em seus rostos era
nova para mim, e foi então que, com um aperto no peito, me explicaram que
aquela mulher não era Noêmia Rodrigues. Era uma impostora, alguém que se fazia
passar por uma pessoa querida, mas que trazia consigo uma sombra de incerteza e
medo.
O motivo de sua visita? Como
Podíamos saber? Meu pai e minha mãe ficaram
em suspense por semanas, e a angústia pairava sobre nós como uma nuvem
carregada. Por que aquela mulher queria ser Noêmia? O que ela buscava? Essas
perguntas nos assombraram, mas respostas nunca vieram. E assim, a história
daquela visita se tornou um segredo nosso, guardado no silêncio das nossas
manhãs mal vividas.
Com o tempo, o medo diminuiu, mas a lembrança
daquela manhã nunca se apagou. E até hoje, quando lembro da falsa Noêmia, me
pergunto qual era a verdade por trás daquele encontro que transformou o calor
de um reencontro esperado em um frio silêncio de desconfiança. Em Esperança, as
histórias, mesmo as não contadas, continuam a viver nos corações daqueles que
as carregam.
Por Martinho Júnior, em 03 de
setembro de 2024.
Eita! Prólogo de um filme de suspense. O autor bem poderia especular em um roteiro literário de cinema... Ou algumas crônicas propondo realidades paralelas a partir deste ponto inicial.
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