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A Civilização da Farinha

 


Epaminondas Câmara nasceu em Esperança, na Paraíba. Descendia do tronco dos Oliveira Lêdo pelo lado materno; e do açoriano Francisco de Arruda Câmara. Era assim, pentaneto de Francisco e octaneto de Teodósio, sendo o cristão novo (marrano) Bartholomeu Ledo seu decavô. Tinha, portanto, uma descendência judia por ser Zera Ysrael (semente de Israel) ou Bani Anosim, pois foram forçados a se converter ao cristianismo.

Entre tantos e tantos escritos deste historiador, chama-nos a atenção a descoberta, na Paraíba, da “Civilização da Farinha” que, no dizer de Câmara Cascudo, antecedeu a cultura do couro.

A mandioca já era uma antiga conhecida dos índios. Dela os aborígenes faziam a farinha d’água, o pão de guerra, a carimã e o beiju. Na época dos escravos, os trabalhadores eram alimentados com dois punhados de farinha seca, umedecidos na boca com suco de laranja.

Encontramos este produto, no ano 1624, não unicamente como indígena, tendo-se popularizado, ao ponto de ser utilizada nas guerras, por resistir mais ao tempo, após a “poderosa” penetração do colono português no Brasil. Daí dizer-se: “quem tem farinha tem pão”.

Maria Tavares Leitão e seu filho, o alferes José de Abreu tranca, no aldeamento Bultrin, por volta de 1763, utilizava-se de mão de obra escrava para cultivar a mandioca e produzir a farinha, cujo excedente era vendido ou trocado (escambo) para o Sertão.

Surgiu, então, os “engenhos de farinha de pau” ou as chamadas “casas de farinha’ que “levaram o lavrador a fazer da povoação de Campina Grande um ponto de convergência de tropeiros e boiadeiros dos sertões” (Câmara: 1999).

Essa prática foi muito importante para o crescimento de Campina Grande. Wilson Nogueira Seixas escreve sobre a sua importância em nossa região:

Podemos até dizer que antes da ‘civilização do couro’ de que fala Capistrano de Abreu, Campina, e só ela na Capitania, experimentou a influência benéfica da ‘civilização da farinha’. Ela foi a primeira etapa da evolução comercial” (Seixas: 1985).

É o próprio Epaminondas quem nos esclarece:

Graças à procura da farinha fabricada nos sítios campinenses, nasceu o comércio deste artigo, do qual os habitantes do povoado tomaram partido. O produto, tendo saída livre para o interior não tinha concorrentes de importância, apesar de se ter intensificado pouco depois, seu fabrico nas proximidades de Bruxaxá” (Câmara: 1999).

O seu plantio não se limitou às terras de Alagoa Nova, tendo-se expandido para as de Esperança, que à época pertencia aquela comuna. No livro “Memórias de um sertanejo”, Artéfio Bezerra da Cunha relata esta prática comum em nossas terras:

“Você vai comprar um comboio de farinha, para o consumo de casa, no Brejo da Esperança, no Estado da Paraíba” (Cunha: 1971).

O Município chegou a registrar 110 casas de aviamento para o fabrico de farinha de mandioca (1933) que produziam cerca de 70 toneladas de farinha ou 30 mil sacas (1950). Hoje muitas dessas indústrias rudimentares permanecem na ativa, produzindo farinha para ser comercializada nas feiras livres e mercadinhos. No entanto, com acelerado movimento, tem cedido espaço para o processo mecânico da fabricação.

A farinha integra o prato dos paraibanos e de muitos brasileiros como preferência e é utilizada também para compor outros alimentos, como na empanada de carnes. Ela é rica em fibras e ajuda a equilibrar os níveis de glicose.

Epaminondas Câmara faleceu no dia 28 de abril de 1958. Deixou publicados os livros: Alicerces de Campina Grande (1943); Datas Campinenses (1947); Municípios e Freguesias da Paraíba (1997) além de inúmeros textos publicados na revista paraibana “A Imprensa” e no “Almanaque de Campina Grande.

 

Rau Ferreira

 

Referências:

- CÂMARA, Epaminondas. Evolução do catolicismo na Paraíba: - aos 500 anos da descoberta do Brasil. Escritores campinenses. Editora Prefeitura Municipal de Campina Grande, Secretaria de Educação: Academia de Letras de Campina Grande : Núcleo Cultural Português: Edições Caravela: 2000.

- CÂMARA, Epaminondas. Os alicerces de Campina Grande: esboço hitórico-social do povoado e da vida, 1697-1864. Edições Caravela: 1999.

- CASCUDO, Luís da Câmara. Civilização e Cultura. Global Editora e Distribuidora Ltda. 1ª Edição Digital. São Paulo/SP: 2016.

- CUNHA, Artéfio Bezerra (da). Memórias de um Sertanejo. Editora Pongetti. Rio de Janeiro/RJ: 1971.

- SEIXAS, Wilson Nóbrega. Viagem através da Província da Paraíba. A União. Secretaria de Educação Estadual. João Pessoa/PB: 1985.

A UNIÃO, Jornal. Ano CXXVIII, Nº 30. Terras indígenas, revolta do Quebra-Quilos e Civilização da farinha. Edição de 07 de março. João Pessoa/PB: 2021.

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