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A invasão dos flagelados em '53

 

A seca é um fenômeno que sempre tem castigado o Nordeste brasileiro. A estiagem de 1953 do Século passado foi um dos maiores flagelos já existentes, causando inúmeros danos a população.

O alimento ficou escasso. Homens migraram de sua terra natal em busca de socorro. Muitos deles aportaram em Esperança, causando um alvoroço e deixando o comércio local bastante preocupado como se vê das notas de jornais a seguir.

O prefeito Francisco Bezerra da Silva telegrafou ao governo do Estado explicando a situação:

“ESPERANÇA, 2/3/53 – Comunico vossência cidade invdida 400 flagelados. Comércio fechado temendo saque. Estou providenciando transporte referidos flagelados serviço estrada Lagoa Roça-Campina. Atenciosas saudações – Francisco Bezerra – Prefeito”.

As principais autoridades da cidade também externavam a aflição, por ver o pequeno município ganhar em pouco tempo inúmeros trabalhadores, sem ter condições de ofertar emprego a todos:

“ESPERANÇA, Comunico a Vossência que estacionaram nesta cidade mais de 400 homens pedindo trabalho. O Prefeito avisou que somente no dia quatro iniciará o serviço da rodagem Esperança-Campina. A situação é aflitiva, estando na iminência de acontecer algo de anormal. O Comércio está parcialmente fechado. Saudações – Teotônio Rocha” (A União: 1953).

“ESPERANÇA, 2/3/53 – Comunico Vossência cidade invadida 400 homens. Comércio fechado temendo saque. Flagelados aguardam solução Governo Estado. Respeitosas saudações – José Almeida Filho – Coletor Estadual” (A União: 1953).

ESPERANÇA, 2/3/53 – Cidade invadida trabalhadores sem solução. Apelo V. Excia. providências. Atenciosas saudações – Severino Pereira da Costa – Presidente Câmara Municipal” (A União: 1953).

Em resposta o governo estadual providenciou trabalho para esses homens. Eles eram inscritos para consertar estradas e cavar açudes para o enfrentamento da seca, garantindo-lhes o sustento próprio e de suas famílias.

Os trabalhos foram direcionados a estrada Esperança-Campina, e também para a rodagem que liga o município a Pocinhos. O Bispo Diocesano também apelou ao governo estadual, conforme se vê adiante:

“CAMPINA GRANDE, 28-3-53 – Notícias alarmantes da zona Jóffily e Puxinanã levaram-me a apelar confiantemente para eminente Governador no sentido de determinar a abertura de trabalhos públicos na cidade região, capaz de ocupar uma média de 50 homens. Cordiais saudações – Dom Anselmo Pietrulla” (O Norte: 1953).

A resposta foi publicada naquele mesmo jornal:

“Providências – Em Esperança já estão trabalhando, por conta do Estado, 300 homens. O D.E.R. se prontificou a atacar com a maior urgência, os trabalhos da estrada Esperança-Campina Grande. Atendendo a um apelo pessoal do Prefeito de Lagoa Nova, ficou acertado que seria providenciado a admissão de até 400 homens da concentração de Lagoa de Roça nos serviços da Estrada Esperança-Campina Grande” (O Norte: 1953).

“Providências – Para atender a esse apelo, ficou resolvido que o D.E.R. iniciará a estrada... Esperança-Jóffily” (O Norte: 1953).

A “invasão” dos flagelados naquele ano (1953) foi ainda destaque na imprensa nacional, com o seguinte título: “Leva de flagelados invadiu Esperança”:

“JOÃO PESSOA, 5. (M.). O governador José Américo recebeu uma comunicação urgente do prefeito do município de Esperança informando que uma leva de flagelados invadiu a cidade.

O comércio local fechou as portas, temendo um assalto” (Pacotilha-RJ, 05/03/1953).

“JOÃO PESSOA, 11. (M.) – O prefeito da cidade de Alagoa Nova, informou ao chefe do Executivo a concentração em Lagoa de Roça de 500 flagelados procedentes do Município de Esperança.

Imediatamente o governo autorizou fossem admitidos mais 400 homens nos trabalhos da rodovia Esperança-Campina Grande, amenizando assim, a situação reinante” (Diário da Manhã, 12/03/1953).

José Ribeiro de Araújo, escrevendo para O Norte, enfatiza que Esperança era um “Jardim sem água”, vejamos um trecho de sua publicação:

“Esperança, o ‘lírio verde da Borborema’, na expressão poética de Silvino Olavo, está vivendo esta fase angustiosa com o desaparecimento total deste precioso líquido que a natureza nos dá, e que são dádivas do céu para os homens, e trazendo o despovoamento de proporção crescente” (O Norte: 07/03/1953).

No artigo, menciona o esperancense, que o governo estadual enviara um carro-pipa para atender a população, o que se mostrava insuficiente “em virtude do grande número de pessoas que vão em procura de adquirir um bocado d´água para matar a sede, pois o carro-tanque tem uma capacidade inferior ao necessário”.

Também noticiava um saque ao comércio pelos flagelados em busca de alimentos, concretizando-se assim o que os comerciantes tanto temiam.

Essa não foi a primeira vez que o município enfrentara a estiagem em grandes proporções. Temos registros de seca nos anos de 1918, 1920, 1932 e 1958.

Rau Ferreira

 

Referências:

- A UNIÃO, Jornal. Edições de março. João Pessoa-PB: 1953.

- DIÁRIO DA MANHÃ, Jornal. Edição de 12 de março. Rio de Janeiro-RJ: 1953.

- FERREIRA, Rau. Banaboé Cariá: Recortes Historiográficos do Município de Esperança. A União. Esperança/PB: 2015.

- O NORTE, Jornal. Edição de 07 de março. João Pessoa-PB: 1953.

- PACOTILHA, Jornal. Edição de 05 de março. Rio de Janeiro-RJ:1953.

Comentários

  1. Comentário de Pedro Dias do Nascimento, via WhatsApp, em 07/10/2023:
    "Apesar de ainda ser criança, ter somente 9 anos, tenho alguma lembrança desse invasão.
    Os flagelados além de entrar nas bodegas pedindo auxílio, andavam de porta em porta pedindo comida.
    Mas, aos poucos foram enviado para as frentes de trabalho criadas pelos poderes público do estado e municípios.
    Era uma calamidade.
    Bom Dia!"

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