Pular para o conteúdo principal

Solta Martinho, senão perco a patente!

 


A prática do esporte em nossa cidade era muito diferente na década de 40 do Século passado. Não havia educação física e os atletas se preparavam ensaiando grandes correrias pelas ruas da cidade.

Esperança naquele tempo não passava de cinco ou seis vias e a maratona ficava circunscrita ao seguinte roteiro: rua do sertão (Rua Solon de Lucena), passando em frente à Matriz, circulando pela rua de baixo (Rua Silvino Olavo), descendo pela rua do boi (Senador Epitácio), completando a volta na Escola “Irineu Jóffily” para encerrar na casa de Manoel Rodrigues (atual Banco do Brasil).

Foi numa dessas que os amigos desportistas combinaram se encontrar para melhorar o preparo físico. A noite era mais propícia, já que alguns estudavam e trabalhavam, não podendo se dedicar ao esporte no período diurno.

Martinho Soares jogava pelo América e estava entre os que buscavam uma boa condição física. No dia e horário marcado, foi o primeiro a chegar e, ouvindo o som de um apito ao longe, pensou que fossem os colegas, ávidos por iniciar uma disputa e começou a correr.

Acontece que o gestor municipal trouxe para a cidade a figura do “inspetor de quarteirão” que existia nos sítios e garantia a paz e a ordem após certas horas. De fato, havia a proibição de circulação de pessoas após às 23 horas, quando as luzes de querosene se apagavam no município. Esse fato foi tão importante para a época que até foi noticiado na imprensa nacional:

No Município de Esperança, o prefeito, em combinação com a polícia, proibiu o trânsito pelas ruas da cidade depois das 23 horas, mandando dar o “toque de recolher” pelo sino da matriz” (A Manhã/RJ: 07/05/1947).

Os guardas se esforçavam para cumprir a lei, capitaneados por Antônio Rocha Diniz, mais conhecido por “Melão”, que por ser herói da revolução constitucionalista, foi nomeado pelo prefeito para assumir a chefia da guarda.

Desconhecendo aquela ordem, Martinho apenas ouviu ao longe o sibilo de um apito e imaginando serem os atletas, companheiros de corrida, começou a correr de uma rua para outra, a procura de quem estava apitando. Os guardas noturnos, por sua vez, ao verem aquele “vulto” transitando, pensaram que era um ladrão que estava a fugir e cada um defendendo a sua rua, apitava mais e mais.

Estava feita a confusão. Os guardar querendo mostrar serviço, buscavam prender o tal “meliante”, fazendo investidas no meio da escuridão, enquanto Martinho procurava vencer uma corrida imaginária. Depois de muito esforço, os guardas o cercaram na praça da matriz. Não era permitido o uso de armas, de maneira que os homens apenas possuíam cassetetes, e quando muito uma arma branca, que não passava de um pequeno canivete.

Esbaforido de toda aquela maratona o jovem Martinho não conseguia dar explicação. Por outro lado, os guardas externavam medo, pois pensavam se tratar de um fugitivo da cadeia, que na sua ânsia de liberdade, poderia fazer de um tudo. Foi nesse momento que chamaram o Sargento Melão, homem experimentado e que poderia resolver aquele impasse.

Chico de Pitiu, a quem recorremos para contar essa história, além de ouvi-la algumas vezes, nas vozes dos esperancenses, narra em seu livro que Melão conheceu Martinho no escuro, e foi logo dizendo:

- "Pelo amor de Deus solta esse rapaz, ele é criado por eu Manoel Rodrigues o homem mais rico da terra, e, se ele for preso eu perco a minha patente”.

Primeiro prefeito de Esperança, líder do Conselho Municipal (antiga Câmara de Vereadores), Manoel Rodrigues era um coronel temido por ser uma das forças políticas do Município, que mandava e desmandava na cidade, além de grande proprietário da região, que adotara Martinho desde os seis anos de idade, o qual foi criado como filho. Ninguém ousava enfrenta-lo, muito menos a guarda municipal.

O mal entendido terminou em desculpas e serviu ao menos para a preparação do atleta que mostrou bom condicionamento físico ao ser perseguido pela guarda noturna da cidade.

Martinho Soares dos Santos (1921/2007) foi jogador do América e sócio daquela agremiação; presidiu o GREJE– Grêmio Recreativo Estudantil Jovem de Esperança, e administrou o escritório local da CIDAGRO. Era casado com dona Hilda Batista e pai do historiador Martinho Júnior.

As sentinelas de Melão fora responsáveis por algumas prisões, gatunos e namorados desavisados foram os seus principais alvos, sem falar dos seresteiros – um deles até usou um violão como gravata – e dos ébrios que vez por outra dormiam na cadeia improvisada. Eles só não conseguiram prender o “Zorro”, mas essa é uma outra história...


Rau Ferreira

 

Referência:

- A MANHÃ, Jornal. Edição de 07 de maio. Rio de Janeiro/RJ: 1947.

- FERREIRA, Rau. Banaboé Cariá: Recortes da Historiografia do Município de Esperança. Esperança/PB: 2015.

- LIMA, Francisco Cláudio de. 50 Anos de Futebol e Etc. Ed. Rivaisa: 1994.

Comentários

  1. Essas são outras histórias: Um violão como gravata? Zorro por aqui? Agora o leitor desse blogue há de reivindicar, como eu, esses causos! Ou seriam casos!?

    ResponderExcluir
  2. Não conseguiram prender nem o "Zorro" nem a "Porca"!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário! A sua participação é muito importante para a construção de nossa história.

Postagens mais visitadas deste blog

A Pedra do Caboclo Bravo

Há quatro quilômetros do município de Algodão de Jandaira, na extrema da cidade de Esperança, encontra-se uma formação rochosa conhecida como “ Pedra ou Furna do Caboclo ” que guarda resquícios de uma civilização extinta. A afloração de laminas de arenito chega a medir 80 metros. E n o seu alto encontra-se uma gruta em formato retangular que tem sido objeto de pesquisas por anos a fio. Para se chegar ao lugar é preciso escalar um espigão de serra de difícil acesso, caminhar pelas escarpas da pedra quase a prumo até o limiar da entrada. A gruta mede aproximadamente 12 metros de largura por quatro de altura e abaixo do seu nível há um segundo pavimento onde se vê um vasto salão forrado por um areal de pequenos grãos claros. A história narra que alguns índios foram acuados por capitães do mato para o local onde haveriam sucumbido de fome e sede. A s várias camadas de areia fina separada por capas mais grossas cobriam ossadas humanas, revelando que ali fora um antigo cemitério dos pr

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele

Barragem de Vaca Brava

Açude Vaca Brava, Canalização do Guari (Voz da Borborema: 1939) Tratamos deste assunto no tópico sobre a Cagepa, mais especificamente, sobre o problema d’água em Esperança, seus mananciais, os tanques do Governo e do Araçá, e sua importância. Pois bem, quanto ao abastecimento em nosso Município, é preciso igualmente mencionar a barragem de “Vaca Brava”, em Areia, de cujo líquido precioso somos tão dependentes. O regime de seca, em certos períodos do ano, justifica a construção de açudagem, para garantir o volume necessário de água potável. Nesse aspecto, a região do Brejo é favorecida não apenas pela hidrografia, mas também pela topografia que, no município de Areia, apresenta relevos que propiciam a acumulação das chuvas. O riacho “Vaca Brava”, embora torrencial, quase desaparece no verão. Para resolver o problema, o Governador Argemiro de Figueiredo (1935/1940) adquiriu, nos anos 30, dois terrenos de cinco engenhos, e mais alguns de pequenas propriedades, na bacia do açude,

Afrescos da Igreja Matriz

J. Santos (http://joseraimundosantos.blogspot.com.br/) A Igreja Matriz de Esperança passou por diversas reformas. Há muito a aparência da antiga capela se apagou no tempo, restando apenas na memória de alguns poucos, e em fotos antigas do município, o templo de duas torres. Não raro encontramos textos que se referiam a essa construção como sendo “a melhor da freguesia” (Notas: Irineo Joffily, 1892), constituindo “um moderno e vasto templo” (A Parahyba, 1909), e considerada uma “bem construída igreja de N. S. do Bom Conselho” (Diccionario Chorográfico: Coriolano de Medeiros, 1950). Através do amigo Emmanuel Souza, do blog Retalhos Históricos de Campina Grande, ficamos sabendo que o pároco à época encomendara ao artista J. Santos, radicado em Campina, a pintura de alguns afrescos. Sobre essa gravura já havia me falado seu Pedro Sacristão, dizendo que, quando de uma das reformas da igreja, executada por Padre Alexandre Moreira, após remover o forro, e remover os resíduos, desco

Ruas tradicionais de Esperança-PB

Silvino Olavo escreveu que Esperança tinha um “ beiral de casas brancas e baixinhas ” (Retorno: Cysne, 1924). Naquela época, a cidade se resumia a poucas ruas em torno do “ largo da matriz ”. Algumas delas, por tradição, ainda conservam seus nomes populares que o tempo não consegue apagar , saiba quais. A sabedoria popular batizou algumas ruas da nossa cidade e muitos dos nomes tem uma razão de ser. A título de curiosidade citemos: Rua do Sertão : rua Dr. Solon de Lucena, era o caminho para o Sertão. Rua Nova: rua Presidente João Pessoa, porque era mais nova que a Solon de Lucena. Rua do Boi: rua Senador Epitácio Pessoa, por ela passavam as boiadas para o brejo. Rua de Areia: rua Antenor Navarro, era caminho para a cidade de Areia. Rua Chã da Bala : Avenida Manuel Rodrigues de Oliveira, ali se registrou um grande tiroteio. Rua de Baixo : rua Silvino Olavo da Costa, por ter casas baixas, onde a residência de nº 60 ainda resiste ao tempo. Rua da Lagoa : rua Joaquim Santigao, devido ao