Magna Celi Meira de Souza (*)
Filho de
Esperança e da esperança que transcende a morte, este poeta genial, Silvino
Olavo, plantou, na seara do coração tão sensível, uma filosofia poética, pautada
nas buscas apolíneas da beleza e no procedimento heidggeriano de ver, na morte,
um assomo de vida feliz, de realização plena, ante a emanação abundante da
criatividade do homem como ser que se descobre por si próprio.
Nas nossas
modestas notas literárias, escolhemos sua obra “CISNES” como tentativa de
mostrar-lhes o caminho literário do poeta que expõe, de forma marcadamente
parnasiana, sua alma dorida diante do modus-vivendi do solar terreno mas
confiante na vida pós-morte, alicerçado nos pilares sólidos da fé em Deus e na
filosofia mística da crença no ser interior capaz de dar ao homem uma
realização plena.
Divide-se o livro “CISNES” em Cisnes
flutuantes, Cisnes amorosos e Cisnes agonizantes.
Em Cisnes flutuantes, o poeta traceja
sua dor, sua amargura, perante a fragilidade do ser humano, ser
heideggerianamente ‘jogado no mundo’.
Lançado nos caminhos desta vida,
A minha rota, por desertos e ermo,
Sem amável pousada nem guarida,
Vou completando sem saber o termo. (Renúncia, p. 37)
Sentimentos,
emoções se desprendem do âmago do poeta sob a forma simbólica de um Cisne: o
Cisne branco, condutor do sonho, da mansidão, da esperança, da paciência; o Cisne
preto, canalizador do medo, da tristeza, da escuridão, da morte.
Vendo o poeta a vida como lâmpada
oscilante, às vezes começa a morrer na própria aurora:
Eis a lâmpada de ouro dos mortais,
Sol, que, às vezes, na aurora se aniquila:
E eu sinto, cada dia mais e mais,
Ir-se apagando a lâmpada que oscila. (Oferenda, p.24)_
Visionário, o
Cisne branco entremeia, em sua pluma, as cores do alto, do transcendente.
Rolando, aos mundos, céleres, infrenes,
Na ampla nave do Espaço me descuido;
E vão meus pensamentos como um fluido,
Subindo aos céus, cantando laus perenes.
[...]
E vai minh’alma, em halos de ventura,
Antecipar, na Dor que a transfigura,
Um momento de luz na eternidade. (Beatitude, p.34)
E a presença de Deus completa a
paisagem poética:
A vida é sonho que se esvai da lousa,
E a morte? A morte é o sono que repousa
O mistério que envolve a Natureza.
E Deus, alto pairando sobre a Terra –
- Todo infinito que o Universo encerra,
É o tesouro do amor e da Beleza. (Credo, p.35)
Perdido em
suas perquirições vivenciais, sufocado pelo vazio da vida, rotulado pelo desamor
e amargurado pela desilusão da própria vida, deixa-se explodir pela confissão
serena da desconfiança que o rodeia, até dos próprios amigos.
Dizem todos: ‘amigos verdadeiros...
Somente os tempos na prosperidade,
Que na hora amarga da necessidade,
Como pássaros voam, bandoleiros. (Amigos, p. 40)
Comunga,
pois, com o grande poeta persa Omar Khayam, autor de “O RUBAYATT” em cuja obra
se expressou: “Contenta-te com poucos amigos, não procures expandir a amizade
que alguém te confiou, antes de apertares a mão de um amigo, considera se ela,
um dia, não se erguerá contra ti.”
A essência do
viver instantes de felicidade reside no sentimento de comunhão com a Natureza
num tempo-infância que se instala como a manhã do poeta, a fase que, iriada
pela esperança do crescer, se firma na leveza dos elementos verdejantes e na
pureza do tempo-aurora. Vejamos:
Manhã clara de prata;
Manhã leve de linho;
Flor que rola da escarpa,
À hora clara do dia,
À hora baça da bruma... (Manhã dos Cisnes,
p. 43)
Oh! Manhã divinal!
Oh! Divina manhã!
De aleluias serenas –
Tão alegre, no sol, tão meiga e tão sã.
És – luminosa irmã –
Dos cisnes, das luas, dos lírios e açucenas. (Idem)
No sentir do
poeta, reveste-se a vida de angústia e melancolia assemelhando-se à roda de
SAMSARA, da mitologia egípcia, que evidencia a vida como um círculo vicioso,
deixando retornarem as etapas vividas pelo ser humano, em outras eras,
mascaradas pelo tempo irônico da felicidade ilusória. A assertiva se esteia na
arquitetura filosófica shoppenhaueriana em que se assenta o sentimento do
poeta.
Por vezes, os
Cisnes flutuantes, mensageiros da esperança futura, se manifestam numa
linguagem de oxímoros, como a ironizar a própria esperança.
Eternizando o efêmero infinito
De bondade, de luz e de beleza,
Que há na vida instantânea do precito...
Numa visão grandiosa de profeta,
Empina o colo, a gama-alto-retesa
E canta a morte este supremo esteta. (Tarde do Cisne, p. 46)
O
questionamento existencial procura, panteisticamente, uma resposta que suavize
o desejo de mansuetude vivencial do poeta:
Por que motivo Deus Oh! Deus celeste,
Em vez do meu destino, não me deste
O bom destino deste cisne branco...? (Cisnes Flutuantes,
p. 47)
Em CISNES
AMOROSOS, veleja o poeta uma nau de sonho alado cuja expansão do sentimento
encontra forma em dispersas quadras, prova cabal dos seus desejos efêmeros,
como se, pelo menos a efemeridade se constituísse um toque de prazer com laivos
de um hedonismo palpitante.
Pluma
Quero o amor que, passageiro,
Venha... mas, não se exacerbe:
- Vão, efêmero, ligeiro
Como as rosas de Malherbe... ( p.69)
Vana
Mas este sonho, por ser breve, é raro...
E, é, sem dúvida, o que me foi mais caro,
Por ter durado apenas um instante.
(p. 72)
Cultivando
lírios, rosas, saudades e angélicas, o poeta, vez por outra, numa atitude
lírico-mística, transforma seu jardim na abóbada celestial e revela lampejos de
outras moradas, como a admitir a possibilidade de reencarnação.
Fui, outrora, zagal do Firmamento
Onde pairam fulgindo as nebulosas;
E foram as estrelas luminosas
Meu rebanho de luz e encantamento...
E desde então minh’alma transmigrada
Do Sideral, no baixo-mundo erra
Atrás dessa ovelhinha tresmalhada... (Ovelhinha Tresmalhada, p.52)
A descrença
do presente se manifesta na saudade de um passado em cujos fatos se insere o
poeta num gesto revelador de sorver um prazer após vê-lo perdido.
Saudade, flor angélica, floresces
Nos jardins encantados da tristeza;
És como a flor do Ganges; tens beleza,
Mas perfume só tens quando emurcheces. (Saudade, p. 57)
Dedilhando
uma escala bemolizada, numa atitude shoppenhaueriana, deixa abrir-se seu
coração dorido, num sentimento prolongado como a mostrar a própria satisfação
da dor.
Compreendo-vos sagradas emoções
Que ardis, agora, a trama dos meus ais;
Oh! Eviterna dor, dos teus grilhões
Não me desejo libertar jamais. (Dor de amar, p.62)
No mesmo
soneto, o último terceto parafraseia o terceto do poeta parnasiano Raimundo
Correia, em MAL SECRETO.
O terceto de Raimundo Correia é
Quanta gente que ri traz consigo
Como atroz recôndito inimigo
Uma invisível chaga cancerosa.
O terceto de Silvino Olavo é
Ide, e dizei-lhe que a minh’alma sofre
Guardando em si, como esconso cofre
O tesouro da Dor que me consome.
A saudade do
que não foi, o gesto que não houve, o desejo que não foi consumado, tudo se
resume no sofrimento de perda do que poderia ter sido ganho.
Amadas não amantes
desfilam na passarela fantástica da mente do poeta que explode a atrofia dos
desejos do passado. Veem-se bem todas estas marcas em “Balada dos sonhos mutilados”:
Mulheres que encontrei no meu caminho,
E fundiram seus rastos nos meus rastos,
Foram taças etruscas onde o vinho
Capitoso bebi de amores castos...
Mas, tu que me fizeste ansiar a vida,
Da taça de santíssimo licor;
Pelos seus lábios não serás servida:
És a felicidade, alheio amor. (p.67)
A expressão dos desejos do poeta
encontra morada no silêncio e na mudez:
A linguagem do amor é transcendente!
Que coisas não nos diz o gesto mudo,
Deste silêncio idílico eloquente! (Cromo, p.68)
A expressão
metafórica está sempre presente nos versos do poeta que faz realçar os
sentimentos do tato, olfato e visão.
Noite é uma carícia de veludo...
Pairam, na alameda, sonolentas,
As primeiras estrelas que aparecem,
Asas de sombras e mágoa, sobre tudo.
E as pálpebras fechando macilentas,
Açucenas e lírios adormecem.
Hora serena de luar macio...
Há esboços de ninfas pela bruma
Entre opulento cintilar de opala;
Esvoaçam no ar, embalsamado e frio,
Flutuações e ondulações de pluma
E um perfume de sândalo trescala.
Nem tudo é silêncio na alameda. ( p,74)
Na última
parte da Antologia Poética “CISNES AGONIZANTES”, o poeta anseia a morte como a
libertação dos sofrimentos e repressões de amores irrealizados.
O espelho do
passado já se faz baço, pois a abertura da vida assoma sob um lampejo de
eternidade após a morte. Porém, as marcas do passado são ainda acentuadas como
a testemunhar uma perda irreparável que o poeta sofreu no terreno sentimental.
Tudo acabou. Os dias se passaram
E aqueles cravos, que me deste, um dia,
Hoje são, no sarcófago onde param...
Pétalas mortas, ressequidas na haste
Como múmia mirrada, magra e fria,
- o cadáver do amor que tu mataste. (Cravos, p.86)
Também se constata o mesmo sentimento
em “Ronda lúgubre”, p. 88:
Lembram as suas pétalas esguias
As tuas mãos... lembro-as, de tal sorte,
Que os meus olhos em lágrimas inunda.
E curvo-me, a beijá-las frias... frias...
Dando-me, assim na lividez da morte,
Um perfume esquisito do Outro Mundo.
Concluindo, o
poeta deixa clara a desilusão da vida, mas mostra a aptidão do voo poético nas
asas do CISNE BRANCO que anuncia um viver melhor de forma transcendente.
Ao clarão da Esperança, em minh’alma noviça,
Minha ilusão brilhou como um soldado do rei;
Corri na asa do Sonho, ardente de cobiça,
Para a conquista ideal de tudo que sonhei. (Ícaro, p.98).
Magna Celi
___________________________
(*) Professora de Literatura da UFPB,
escritora, poetisa e cronista.
Graduada
em letras pela UPFB, Mestra em Literatura Brasileira e com especialização em
língua vernácula inglesa, estreou nas letras em 1982, com “Caminhos e
Descaminhos”, e desde então têm inscrito o seu nome entre os grandes nomes da
poesia paraibana.
Atualmente
escreve artigos e ensaios para revistas literárias, sendo muito solicitada para
conceder palestras sobre literatura, mas ainda encontra tempo para atuar junto
a Ordem Rosacruz e psicografar livros. Seus principais hobbies são: a leitura,
o piano e o bordado.
Entre as
suas publicações de maior destaque estão: “Caminhos e Descaminhos” (João
Pessoa/PB, 1982), “Sangue e Luz” (João Pessoa/PB, 1985), “Passeio no Varal” (Ed.
Funesc, João Pessoa/PB, 1990), “Poemas Místicos” (Ed. Idéia, João Pessoa/PB,
2004).
Rau Ferreira, em nota de rodapé.
Este excelente trabalho de aprofundamento da vida poética de Silvino Olavo, foi apresentado pela minha irmã, Magna Celi Meira de Sousa, se não me engano, num Congresso Literário em Campina Grande/PB, anos 80 ou 90? Não tenho certeza da data. Mas lembro de ela ter me falado a respeito dessa viagem a Campina Grande para a defesa desse conteúdo seleto sobre a obra literária do nosso poeta.
ResponderExcluirRelendo agora a exposição da obra Olaviana, feita pela escritora e poetisa, Magna Celi, percebo a dissecação transbordante do sentido textual e sentimental de cada verso, dos muitos poemas dos "CISNES" a que ela se dedicou com notável perscrutação e afinco.
Apraz-me recomendar a leitura e releitura desses compartilhamentos literários sabiamente escritos por Magna Celi, a tantos quantos queiram adentrar num estudo profundo dos líricos versos de SILVINO OLAVO.
MARIA DAS GRAÇAS DUARTE MEIRA
Honrem-se os esperancenses, mesmo aqueles que desconhecem a existência de uma conterrânea de mente tão fértil e tão versátil como a professora de literatura da UFPB, escritora e poetisa Magna Celi Meira. Orgulhem-se os meus conterraneos da cidade de Esperança por existir, ainda, além do pesquisador e também escritor Hau Ferreira, alguém com uma desenvoltura e força crítico-literário tão profunda, capaz de adentrar com tanta riqueza de detalhes, através dos versos de "CISNES", a trajetória da vida triste e amargurada do nosso eterno vate SILVINO OLAVO.
ResponderExcluirEla discorre através de cada estrofe ou cada verso, o grito de dor e a amargura de uma vida de tristeza, ilusória e que não tinha fim!
Parabéns pelo resgate e pelo excelente trabalho!
Pedro Dias.
Honrem-se os esperancenses, mesmo aqueles que desconhecem a existência de uma conterrânea de mente tão fértil e tão versátil como a professora de literatura da UFPB, escritora e poetisa Magna Celi Meira. Orgulhem-se os meus conterraneos da cidade de Esperança por existir, ainda, além do pesquisador e também escritor Hau Ferreira, alguém com uma desenvoltura e força crítico-literário tão profunda, capaz de adentrar com tanta riqueza de detalhes, através dos versos de "CISNES", a trajetória da vida triste e amargurada do nosso eterno vate SILVINO OLAVO.
ResponderExcluirEla discorre através de cada estrofe ou cada verso, o grito de dor e a amargura de uma vida de tristeza, ilusória e que não tinha fim!
Parabéns pelo resgate e pelo excelente trabalho!
Pedro Dias.
Honrem-se os esperancenses, mesmo aqueles que desconhecem a existência de uma conterrânea de mente tão fértil e tão versátil como a professora de literatura da UFPB, escritora e poetisa Magna Celi Meira. Orgulhem-se os meus conterraneos da cidade de Esperança por existir, ainda, além do pesquisador e também escritor Hau Ferreira, alguém com uma desenvoltura e força crítico-literário tão profunda, capaz de adentrar com tanta riqueza de detalhes, através dos versos de "CISNES", a trajetória da vida triste e amargurada do nosso eterno vate SILVINO OLAVO.
ResponderExcluirEla discorre através de cada estrofe ou cada verso, o grito de dor e a amargura de uma vida de tristeza, ilusória e que não tinha fim!
Parabéns pelo resgate e pelo excelente trabalho!
Pedro Dias.
Honrem-se os esperancenses, mesmo aqueles que desconhecem a existência de uma conterrânea de mente tão fértil e tão versátil como a professora de literatura da UFPB, escritora e poetisa Magna Celi Meira. Orgulhem-se os meus conterraneos da cidade de Esperança por existir, ainda, além do pesquisador e também escritor Hau Ferreira, alguém com uma desenvoltura e força crítico-literário tão profunda, capaz de adentrar com tanta riqueza de detalhes, através dos versos de "CISNES", a trajetória da vida triste e amargurada do nosso eterno vate SILVINO OLAVO.
ResponderExcluirEla discorre através de cada estrofe ou cada verso, o grito de dor e a amargura de uma vida de tristeza, ilusória e que não tinha fim!
Parabéns pelo resgate e pelo excelente trabalho!
Pedro Dias.