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Cego Carminha

 

Começo esse artigo com uma rima de minha autoria:

Dos cantadores cegos

Tenho pouca lembrança

Cantavam em Esperança

Nas esquinas e nas praças

Fazendo rimas, fazendo graça!”.

 

A tradição dos cantadores em Esperança já foi muito revista nesse BlogHE, constituindo o município verdadeiro celeiro de poetas e repentistas. Não poucos eram os que acorriam à feira livre, com suas violas cheias de fitas, para angariar alguns trocados, fazendo rimas alegres.

Porém, o que trago à baila, é a cantoria dos cegos, que tal qual àqueles, deitavam seus versos com maestria. São pessoas que nasceram cegos, mas há outros que perderam a visão.

Deste último grupo, talvez o mais conhecido foi o Cego Aderaldo (Aderaldo Ferreira de Araújo) que, provocado pelo jornalista Rogaciano Leite, respondeu em versos:

Andei procurando um besta

Um besta que fosse capaz

De tanto procurar um besta

Eu achei esse rapaz

Que nem serve pra ser besta

Porque é besta demais”.

 

Segundo se comenta, Aderaldo (1878-1967) perdeu a visão num acidente e a partir deste evento, também se descobriu cantador. Ele ficou conhecido no cenário nacional. Também gostava de trava-línguas, sendo a mais dela conhecida, a que foi citada numa canção de Gonzaga: “Quem a paca cara compra/paca cara pagará”.

Dos cantadores cegos, lembremos os afamados Manoel Pedro Clemente, Cesário José de Ponte, Sinfrônio, Anselmo Vieira de Souza e João Afonso.

No passado, havia duas ceguinhas que cantavam por aqui, ninguém sabia de onde vinha, faziam versos sentadas no chão, numa esquina qualquer, estendendo suas mãos aos transeuntes.

Cesário José Pontes – Cego Cesário -, cantando com José Monteiro, cada qual exaltando suas qualidades, respondeu em estrofe:

 

Meu camarada uma missa

Cantada por mim e tu,

É uma casa-de-farinha

Feita de tijolos cru

Onde o altar é o forno

E a hóstia é o beiju”.

 

Domingos Ribeiro, autor do livro “Cantigas de Cego”, registrou duas estrofes do cego João Carminha, que assim cantou em Esperança:

 

Eu sou cego de esmola

Peço aqui peço aculá

Quem me dê uma esmola

Jesus Cristo agradará.

 

Agradeço a sua esmola

Eu só peço a quem tem

Virge Mãe, Nossa Senhora

Recebi só um vintém”.

 

Esses cegos cantadores influenciaram muito a cultura popular, assim como escritores famosos, como José Lins do Rego que em entrevista, fala de sua formação: “porque tinham o que dizer, tinham o que contar” (Poesia e vida. Editora Universal: 1945, p. 54).

 

Rau Ferreira

 

Referências:

-         ALMEIDA, Átila Augusto e SOBRINHO, José Alves. Dicionário bio-bibliográfico de repentistas e poetas de bancada Volumes 1-2. Ed. Universitária: 1978, p. 250.

-         ANGELO, Assis. A presença dos cordelistas e cantadores repentistas em São Paulo. Ibrasa. São Paulo/SP: 1996.

-         MACHADO, Franklin. O que é literatura de cordel. Codecri: 1980.

-         PER MUSI – Revista Acadêmica de Música - v. 9, 129 p, jan - jun, 2004, disponível em: http://musica.ufmg.br/permusi/permusi/port/numeros/09/num09_cap_04.pdf, acesso em 11/11/2020.

-         RIBEIRO, Domingos de Azevedo. Cantigas de cego. Rigrafi Editora. João Pessoa/PB: 1992.

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