Pular para o conteúdo principal

A tragédia do Sítio Velho, por José Américo de Almeida

O texto a seguir é de autoria do escritor José Américo de Almeida, cuja obra-prima é “A Bagaceira” (1928), que inaugurou um regionalismo paraibano nunca antes visto, cidadão de Areia que chegou a ocupar a cadeira de governante da Paraíba:

 

“A igreja não se reduzia a um lugar de devoção e de festas. Servia de depósito de defunto. Chegava a rede e era largada no chão com o corpo dentro.

A tragédia do Sítio Velho avermelhou esse ambiente. Foi o seguinte: tornaram-se inimigos membros de uma mesma família que moravam em sítios vizinhos. Sobreveio uma questão de limites, responsável em todo o interior por violentos conflitos.

Como protesto, pelo dano sofrido em sua lavoura, um cortou a cauda de uma ovelha do outro. Foi o bastante. Utilizando as armas e todo o material agrícola, passaram a matar-se e o resultado da luta estava exposto neste lugar sagrado.

Deixaram-me ir ver aquele horror. Era nove, se bem me lembro, entre mortos e feridos. Um quadro que para sempre se gravou na minha memória foi o da mulher grávida que tinha a cabeça partida por uma foiçada e o ventre rasgado à faca. Um companheiro me disse que estava vendo os miolos. Uns sem vida, outros mutilados, por uma terra que acabaria reduzida a sete palmos.

Dona Mentina tinha uma cara tão boa que me dava vontade de pedir-lhe a benção. Chegou-se e aconselhou-me.

— Meu santo, vá para casa. Fiz o que os parentes não faziam: Chorei por essa desgraça. Nessa hora, o vento fazia dos óculos das paredes da igreja um instrumento para tocar um funeral. Assim eu ouvia o canto. 

José Américo de Almeida

(Areia, 10 de janeiro de 1887 — João Pessoa, 10 de março de 1980)”.

 

O texto foi extraído do livro: Memórias, antes que me esqueça. Volume 35 de Coleção Nordestina. José Américo de Almeida – 3ª Edição – Editora Universitária, 2003.


Comentários

  1. Merece um cordel de lamento, triste lamento. Sabia do causo, mas com essa síntese, não! Não sei de devo cordelar a respeito, que acrescentaria? em que diminuiria o impacto ou aumentaria o ruído dessa bagaceira? Sei não!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário! A sua participação é muito importante para a construção de nossa história.

Postagens mais visitadas deste blog

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele

A Pedra do Caboclo Bravo

Há quatro quilômetros do município de Algodão de Jandaira, na extrema da cidade de Esperança, encontra-se uma formação rochosa conhecida como “ Pedra ou Furna do Caboclo ” que guarda resquícios de uma civilização extinta. A afloração de laminas de arenito chega a medir 80 metros. E n o seu alto encontra-se uma gruta em formato retangular que tem sido objeto de pesquisas por anos a fio. Para se chegar ao lugar é preciso escalar um espigão de serra de difícil acesso, caminhar pelas escarpas da pedra quase a prumo até o limiar da entrada. A gruta mede aproximadamente 12 metros de largura por quatro de altura e abaixo do seu nível há um segundo pavimento onde se vê um vasto salão forrado por um areal de pequenos grãos claros. A história narra que alguns índios foram acuados por capitães do mato para o local onde haveriam sucumbido de fome e sede. A s várias camadas de areia fina separada por capas mais grossas cobriam ossadas humanas, revelando que ali fora um antigo cemitério dos pr

Afrescos da Igreja Matriz

J. Santos (http://joseraimundosantos.blogspot.com.br/) A Igreja Matriz de Esperança passou por diversas reformas. Há muito a aparência da antiga capela se apagou no tempo, restando apenas na memória de alguns poucos, e em fotos antigas do município, o templo de duas torres. Não raro encontramos textos que se referiam a essa construção como sendo “a melhor da freguesia” (Notas: Irineo Joffily, 1892), constituindo “um moderno e vasto templo” (A Parahyba, 1909), e considerada uma “bem construída igreja de N. S. do Bom Conselho” (Diccionario Chorográfico: Coriolano de Medeiros, 1950). Através do amigo Emmanuel Souza, do blog Retalhos Históricos de Campina Grande, ficamos sabendo que o pároco à época encomendara ao artista J. Santos, radicado em Campina, a pintura de alguns afrescos. Sobre essa gravura já havia me falado seu Pedro Sacristão, dizendo que, quando de uma das reformas da igreja, executada por Padre Alexandre Moreira, após remover o forro, e remover os resíduos, desco

Versos da feira

Há algum tempo escrevi sobre os “Gritos da feira”, que podem ser acessadas no link a seguir ( https://historiaesperancense.blogspot.com/2017/10/gritos-da-feira.html ) e que diz respeito aqueles sons que frequentemente escutamos aos sábados. Hoje me deparei com os versos produzidos pelos feirantes, que igualmente me chamou a atenção por sua beleza e criatividade. Ávidos por venderem seus produtos, os comerciantes fazem de um tudo para chamar a tenção dos fregueses. Assim, coletei alguns destes versos que fazem o cancioneiro popular, neste sábado pós-carnaval (09/03) e início de Quaresma: Chega, chega... Bolacha “Suíça” é uma delícia! Ela é boa demais, Não engorda e satisfaz. ....................................................... Olha a verdura, freguesa. É só um real... Boa, enxuta e novinha; Na feira não tem igual. ....................................................... Boldo, cravo, sena... Matruz e alfazema!! ........................................

Esperança: Sítios e Fazendas

Pequena relação dos Sítios e Fazendas do nosso Município. Caso o leitor tenha alguma correção a fazer, por favor utilize a nossa caixa de comentários . Sítios, fazendas e propriedades rurais do município Alto dos Pintos Arara Arara Baixa Verde Barra do Camará Benefício Boa Vista Boa Vista Cabeça Cacimba de Baixo Cacimba de baixo Caeira Cajueiro Caldeirão Caldeiro Caldeiro Campo Formoso Campo Santo Capeba Capeba Carrasco Cinzas Coeiro Covão Cruz Queimada Furnas Granja Korivitu Gravatazinho Jacinto José Lopes Junco Lages Lagoa Comprida Lagoa da Marcela Lagoa de Cinza Lagoa de Pedra Lagoa do Sapo Lagoa dos Cavalos Lagoa Verde Lagoa Verde Lagoinha das Pedras Logradouro Malhada da Serra Manguape Maniçoba Massabielle Meia Pataca Monte Santo Mulatinha Pau Ferro Pedra Pintada Pedrinha D'água Pintado Punaré Quebra Pé Quixaba Riachão Riacho Am