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O Benedito de Esperança


João Viana dos Santos (João Benedito), cantador afamado, natural de Esperança (PB), glosava abertamente as diferenças de seu tempo. Foi um dos precursores do gênero, temido pelos seus adversários. Era seu companheiro, nessa estrada do repente, Antonio Lamparina do Brejo de Areia (1910).
Em seus desafios, cantou com diversos poetas, entre eles José Alves Sobrinho (1921/2011), que a seu respeito disse ter recebido grandes lições, a exemplo desta resposta a um verso do rascunhador de “Cantadores, Repentistas e Poetas Populares” (2003):
O senhor pensa que veio
Aqui gozar as regalias
Mas se engana, você veio
Só passar uns dias
Chegou aqui e nada trouxe
E volta com as mãos vazias.

João cantando com o bem apresentável Manoel Regino Serrador (1906/1996), o contraste com as suas vestes, que lhe denunciava a origem negra e humilde, versejou:
Você anda bem vestido
De gravata, meia e liga,
Não pense que eu tenho inveja,
E é até bom que eu lhe diga,
O hábito não faz o monge
Nem paletó é cantiga.

Com efeito, o Viana era descendente de escravo, dos primeiros negros que acorreram à nossa cidade. Conta-se que ao chegarem aqui receberam injusta indiferença, pois a maioria dos citadinos era de origem branca e portuguesa; essa resistência se diluiu com o tempo, pois os “Pichacos” – comom ficaram conhecido os negros da família Santos – eram muito trabalhadores e honestos.
Com o companheiro Josué da Cruz, que também residiu em Esperança, o Benedito travou forte peleja. Disse assim Josué:
Vejo o mundo dividido
Entre o plebeu e o pobre,
Um é preto e o outro é branco,
Um rico e outro pobre,
Deus é o Senhor de tudo:
E o céu a todos cobre.

De pronto, lhe respondeu João Benedito:
Isso de haver rico e pobre
A culpa é de Adão e Eva
Porque devido ao pecado
O homem pouco se eleva
Chega ao mundo e nada traz,
Sai do mundo e nada leva.

João Benedito Viana faleceu em Remígio.
Em nossas pesquisas, encontramos o registro de seu óbito, que guardado os equívocos e ressalvas de seu declarante, assim constou naquele assento: filho de Benedito e Cosma, casado com Maria Benedita, de cujo consórcio nasceram as filhas Eulália e Maria das Neves.

Rau Ferreira

Referências:
- REMÍGIO, Cartório de Registro Civil. Livro de Registros de Óbitos. Remígio/PB: 1940.
- SOBRINHO, José Alves. Cantadores, Repentistas e Poetas Populares. Bagagem. Campina Grande/PB: 2003.

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