Toda cidade interiorana tem suas figuras
emblemáticas. O bêbado, o político, a moça velha... com suas histórias contadas
à boca miúda.
Quando Esperança era pequenina – no dizer olaviano –
havia por aqui um policial que era muito frouxo, nunca prendera ou dera um tiro
sequer; por ser amigo das autoridades, ganhou a farda e vivia por ali em
conversas de botequim e visitas à gente graúda.
Certa feita, chegou na comarca um juiz que se pôs a
fazer correição nos mandados de prisão e não conhecia aquele soldado. Vendo-o
pelos corredores do fórum, chamou-o ao gabinete:
- Você conhece este dito cujo? Perguntou o juiz.
- Conheço voss’ência! Respondeu o soldado.
- Pois bem. Observei aqui que ele é procurado da
justiça, aguardando cumprimento de pena. Quero que você prenda ele e traga a
minha presença, pois quero ainda hoje recambiá-lo para Campina Grande. Concluiu
o magistrado.
Estava feito o dilema, pois aquele cabra era o
valentão da cidade, que ninguém ousava por a mão, nem os mais afoitos policiais
que se vangloriavam desta ou daquela prisão, conhecendo a sua fama, faziam “vista
grossa”, de maneira que ele andava à solta afrontando a todos.
- Vá. Chame um de seus colegas e me traga esse
fulano.
No destacamento, ninguém quis lhe acompanhar. Diziam
deixa prá lá, daqui a pouco o juiz esquece e tudo volta ao seu normal.
Porém o soldado, com medo de perder a farda, que
era o seu orgulho, foi ter com o valentão uma conversa fiada, encontrando-o no
calçadão a duas esquinas do fórum que naquela época funcionava no próprio
cartório:
- O juiz quer falar contigo! Disse o soldado.
- E o que tenho eu com aquele homem da lei? Ele por
certo quer cobrar os meus desmandos, n’uma cadeia qualquer... Bafejou o
valentão, e completou: Ele que venha cá pessoalmente, tratar comigo!!
- Não faça isso – disse o frouxo – é só uma
conversinha de nada, um dedo de prosa, uns conselhinhos aqui outro acolá, seria
uma desfeita... ele só quer lhe conhecer, ficou sabendo de seus feitos e está
admirado.
Adulando uma meia hora, o soldado convenceu o
valentão dizendo inclusive que iria lhe acompanhar naquela empreitada.
Mal chegara na porta do cartório, deram de cara com
o juiz que aguardava ansioso a prisão que lhe traria notoriedade. O soldado
vendo a chance única de sucesso, pegou o valentão pelo cangote e deu-lhe um
empurrão chegando ele em dois tempos aos pés da autoridade, com essas palavras:
- Tai doutor... comigo é assim, ordem é pra ser
cumprida custe o que custar!!
O valentão atordoado e incrédulo com aquele
acontecido ficou sem reação; e de pronto foi algemado como se estivesse hipnotizado.
Esta pelo que se sabe foi a única prisão daquele
militar e lhe valeu por muitos anos uma folga pois, sempre que alguém exigia o
cumprimento de um mandado, ele respondia “ora, não fui eu que prendi fulano? Pois
agora é a sua vez de mostrar serviço”, dirigida a algum colega de farda. E
assim se safava.
Anos depois, apesar de reformado, ainda usava a
indumentária, como se a farda lhe fosse uma segunda pele, tal a sua satisfação.
E narrava aquele feito em toda esquina, exibindo-o como um troféu e contabilizava:
polícia 1 x valentão 0.
Rau Ferreira
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