Este caso passou-se na Bahia de todos os santos.
O Pichaco de balandrau e sacola na mão batia às portas das casas. Trazia
a feição desfigurada, como se pagasse alguma penitência:
- Uma esmola para S. Benedito, dizia ele. E agradecia o sonoro “não” com
votos de felicidade que doía n’alma do cristão.
Pedro sabia muito bem do seu ofício. Há muito aprendera a arte da
malandragem, já que não era dado ao trabalho como seus irmãos. Quando muito,
comparecia na fábrica de sordas de Zé Luiz, mas nunca pôs a mão no balaio de
entregas.
Ladeira acima, ladeira abaixo e o saco foi ficando cheio: feijão, arroz,
pão... faltava-lhe a carne.
- Uma esmola para S. Benedito, que não lhe falte carne – sugestionou.
- Tome seu moço essas laranjas.
- Obrigado senhora, que não falte carne na sua mesa.
- Ora, o que tu quer dizer com isso?!
- Nada, senhora. É só uma penitência.
- E essa promessa é pra mode comer carne? E santo come carne?
- Olha, estou bem desconfiado... Eu peço em nome dele, ajunto tudo e vou
naquela igrejinha deixar as esmolas, mas o santo é muito caridoso e não quer
receber. Prá não estragar a mercadoria faço uma caridade a mim mesmo que estou
a precisar. Sei que ele não faz questão, pelo menos nunca reclamou.
A senhora botou o mandrião pra correr com aquele impropério. Ele arregaçou
o cós da roupa e saiu às gargalhadas.
O propósito talvez nem fosse a arrecadação, pois ele podia muito bem
conseguir bem mais com os golpes que aplicava. Ao que parece, afiava suas
habilidades de lidar com as pessoas e as situações do cotidiano.
Na farsa inspiradora deste conto, uma jovem ouvia a soma das esmolas
pela janela de rótula quando percebeu o malandro a falta da carne; voltando-se
para aquela fresta rogou à moça pela esmola que aos desaforos desvendou o
ardil.
Rau Ferreira
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