“O Turista Aprendiz” é um dos mais importantes livros de Mário de Andrade, há muito esgotado e reeditado em 2015, através do Projeto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan. Os relatos de viagens registram manifestações culturais e religiosas coletadas pelo folclorista em todo o Brasil.
Este “diário” escrito com humor elevado e
recurso prosaico narra as inusitadas visitas de Mário ao Nordeste brasileiro. O
seu iter inclui Estados como Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e
Paraíba.
Mário havia deixado o Rio em 3 dezembro de
1928. Embarcou no vapor “Manaus”, com destino ao Recife, onde permaneceu dois
dias; e dali seguiu de trem para o Rio Grande do Norte, chegando dia 14 ao
Tirol, bairro onde residia Câmara Cascudo (1898-1986), que foi um de seus companheiros
de viagem nesse Estado, junto com o jornalista, poeta e crítico de arte Antônio
Bento de Araújo Lima (1902-1988).
O Álbum de Fotografias (Viagem ao Nordeste
Brasileiro 1928-29), pertencente ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros
– IEB, faz o seguinte registro:
“O roteiro de viagem, iniciada em Natal, incluiu São
José de Mipibu, Parari (depois nomeada Nísia Floresta), Arês, seguiu para
Goianinha até chegar ao Engenho Bom Jardim. Os amigos percorreram estradas de
chão o dia inteiro; o carro dançando na arreia dos caminhos. No final da tarde,
em Goianinha, Mário fotografou o frontispício do cemitério. O poeta, jornalista
e advogado Silvino Olavo é quem aparece na foto” (Trecho do manuscrito:
Notas de viagem ao Nordeste, diário 1928-1929).
Silvino serviu de “escala humana” para que
pudéssemos ter uma ideia da monumental construção. Pelo visto, o poeta foi ao
encontro de Mário, antes mesmo de sua chegada ao nosso Estado, pois a imagem
foi registrada em Goianinha, no vizinho estado norteriograndense.
Adentrou finalmente à Parahyba na noite de 27
de janeiro de 1929. Atravessou de automóvel o Mamanguape para chegar à Capital
por volta das três da matina do dia seguinte. No caminho lhe esperavam Zé Américo,
Ademar Vidal e Silvino Olavo. O encontro foi nas imediações da cidade fabril de
Rio Tinto, domínio dos irmãos Lundgren.
“Ao passar das 14 entramos na Paraíba...
[...] e às 14 e 40 entramos em Mamanguape. [...]. Paramos no largo
para examinar a matriz, simpática por fora. [...]. a estrada agora pode
se chamar estrada e é boa. Uma ponta de verdade nos leva pra muitas larguezas”,
narra Andrade n’O Turista Aprendiz (Diário Nacional-SP: 13/03/1929).
Cheguei alegre na Paraíba com os amigos José
Américo de Almeida, Ademar Vidal, Silvino Olavo me abraçando”, escreve Mário então. Fincou os pés na
Capital às 18:30 horas, depois de 255 quilômetros de estrada.
“De estrada ruim. A milhora ao sair de
Mamanguape não passou de blefe”, acrescentou em sua crônica de 13 de março.
Além deste gesto de carinho afável de
Silvino, o escritor paulista recebeu de suas mãos uma edição de “Sombra
Iluminada” com a seguinte dedicatória:
“À Mário de Andrade - o que/ tudo destruiu para que
não nos/ destruíssemos a nós mesmos - / admirando-o e estimando-o/ bem, of./
Silvino Olavo./ Paraíba/ 30.1.929”.
Na capital hospedou-se no Hotel
Luso-Brasileiro do Varadouro. Após, fez breve passeio à beira mar, na praia de
Tambaú: “Banho no Hotel e janta. Passeio, lua cheia, a praia de Tambaú
maravilhosa, onde surpreendo crianças bailando coco. Estupendo”, anotou em
seu diário.
Admirou-se com uma menina de oito anos que
era “virtuose no ganzá” e, estranhando escreveu: “Palavra que inda não vi”. Os
três amigos se esforçavam para que o autor de “Macunaína” (1928) coletasse
melodias. Foram “gentilíssimos”, anotou.
Não passou muitos dias naquela hospedaria,
pois foi abrigar-se na casa de Ademar Vidal, na rua das Trincheiras, para fugir
das muriçocas.
Na sua crônica para o Diário Nacional, jornal
paulista, guardou a expressão d’o caso da aranha, uma “aranha enorme” que
observou quando chegara a seu quarto provocando-lhe inquietude e medo:
“A aranha não me fez mal. Viveu lá na sua tocazinha do
forro todos os meus dias paraibanos, dando quanto muito passeios de metro e
meio. Mas, principalmente nesses footings, como eu a olhava horrorizado. A cor
negra daquela massa pérfida avançando, o mudar lerdo daquelas patas que
pareciam ser vinte, me davam calafrios de corpo inteiro” (Diário de São
Paulo/SP: 02/07/1933).
À noite ainda visitou as oficinas do jornal “A
UNIÃO” que noticiou a sua chegada às terras parahybanas:
“Encontra-se desde ante-hontem nesta capital o
escriptor Mario de Andrade, nome de intensa projecção nos circulos modernos de
arte brasileira. Fiel ao seu programma de idéas o illustre intellectual
paulista veio ao Nordéste com o fim de colligir mais documentação para sua obra
do folk-lore musical do Brasil. Homem de grande probidade mental, Mario de
Andrade é infatigavel no seu trabalho de observação e de collecta escrupulosa
de material philologico e musical” (A União: 29/01/1929).
Em sue diário escreve: “29 [de
janeiro]. [...]. A União que deu notícia gentil de minha chegada”.
Mário permaneceu dez dias na Parahyba,
desfrutando do convívio dos amigos intelectuais ligados à Revista “Era Nova”,
cujo encontro teria sido mediado por Câmara Cascudo e Antônio Bento.
Na reedição d’O Turista (2015), as autoras
assinalam em seu rodapé:
“Silvino Olavo da Costa (Esperança, 1897 - Campina
Grande, 1969). Poeta, político, jornalista e advogado. Iniciando a carreira
jurídica no Rio de Janeiro e ligando-se ao simbolismo, ali publica, em 1924,
Cisnes e, em 1925, Sombras iluminadas. Em 1928, integra o gabinete de João
Pessoa, presidente do estado; vive na capital, então chamada Paraíba, também.
Participará ativamente da Revolução de 1930” (O Turista Aprendiz: 2015,
pág. 236).
Por essa época, informa Mário que “O
Retrato do Brasil está sendo lido e relido por todos. E comentado”. Com
efeito, esse foi um dos livros que Silvino se valeu para exaltar nas páginas em
branco a sua musa “Badiva” (1997).
Em sua estadia nesse Estado, caminhou pelo
litoral e visitou prédios históricos, alguns bairros e cidades. Foi conduzido
por José Américo ao Brejo de Areia (03 de fevereiro de 1929) - passando por
Alagoinha em dia de feira - permanecendo naquele município brejeiro, em casa do
escritor d’A Bagaceira (1928) até a boquinha da noite.
Pelo trajeto percorrido, acreditamos que
seguiu a linha Esperança-Remígio aportando em Alagoinha com Alagoa Grande à
esquerda – “ao pé da serra, linda e pitoresca” -, segundo registrou em
suas anotações de viagem.
Andrade recolheu vasto material que vai de
cantigas, cocos e cordéis; reunindo-se com os cantadores populares que tanto
admirava.
Eis uma delas:
“Meu
galinho-de-campina
Que cantô
na Paraíba!...
- Olê,
rosêra,
Murchasse
a rosa!”.
É o próprio Mário que confessa: “inda não
posso falar da Paraíba que não vi. Passo meus dias trabalhando, trabalhando,
estou colhendo uma coleção bonita mesmo de cantigas e danças” (Diário
Nacional: 14/03/1929).
Silvino Olavo, Ademar Vidal, Antônio Bento e
o General Frederico Cavalcanti estavam no “bota-fora” do dia 08 de fevereiro. O
poeta Mário se despedia da Paraíba por volta de 10 para às oito da manhã, após
o desjejum no “Café Odilon”, na praia do Jacaré. Cruzou o limite
Paraíba-Pernambuco por volta das 09:15 horas, “na povoação de Pedras de Fogo”.
Esta não foi a primeira vez que Silvino
serviu de cicerone para os mestres da literatura. Igual deferência concedeu a
Leonardo Mota, realizando inclusive uma conferência para o autor de “Sertão
Alegre” (1928).
Certamente a visita à Paraíba lhe deixou boas
impressões e dos amigos que aqui fizera levou algo “novo” para a sua produção
literária.
Na despedida para o Recife (08 de fevereiro),
Mário toma café no “Odilon do Jacaré” na companhia de alguns populares que
encenavam o “Boi Valeroso”, representação essa que lhe rogou “praga” de que
havia de voltar à Parahyba e se casar.
No “bota fora” estavam o poeta Silvino Olavo,
Antônio Bento, Ademar Vidal e o Gal. Cavalcanti.
Ao final de tudo, escreveu:
“Paraíba tem antiguidades arquitetônicas
esplêndidas. Algumas como boniteza, outras só como antiguidade. E já falei que
o convento de S. Francisco é a coisa mais graciosa da arquitetura brasileira.
Dantes possuiu um subterrâneo enorme, no tempo do holandês, comunicando com a
fortaleza de Cabedelo. No subterrâneo vivia um dragão que comia as crianças de
medo” (O Turista Aprendiz. Livraria Duas Cidades: 1983, p. 315).
Silvino Olavo é autor de Cysnes (1924),
Estética do Direito (1925), Sombra Iluminada (1927) e Badiva (1997), objeto de
minha biografia homônima em 2010.
O poeta e o folclorista ainda trocaram
correspondências. Em 07 de setembro de 1928, o esperancense declara ter
recebido a sua obra “Macunaína”, proferindo alguns elogios. Já em 10 de maio de
1930, Olavo lhe envia alguns poemas desejando publicar.
Rau Ferreira
Referências:
- A UNIÃO, Jornal. A Festa Inquieta (Silvino
Olavo). Suplemento de Arte e Literatura. Edição de 06 de maio. Parahyba do
Norte: 1928.
- ANDRADE MURICY, Arquivo. Carta de Silvino Olavo.
Cortesia de Rosângela Florido Rangel. Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de
Janeiro/RJ: 2014.
- BARGMANN, Luiz (org). Viagem ao Nordeste Brasileiro
1928-29: Álbum de fotografias de Mário de Andrade. IEB-USP/PROAC. São
Paulo/SP: 2022.
- DIÁRIO NACIONAL, Jornal. Edições de 13 e 14 de março.
Ano II, Nºs 519 e 520. São Paulo/SP: 1929.
- MURICY, Andrade. A Festa Inquieta. Lux. Rio de
Janeiro/RJ: 1928.
- VIDA CARIOCA, Revista. Andrade Muricy. Ano IV,
Nº 48. Edição de 06 de janeiro. Rio de Janeiro/RJ: 1924.
- VÍTOR, Nestor. Obra crítica de Nestor Vítor.
Vol. 5. Parte 2. Ed. Fundação Casa de Rui Barbosa: 1973.
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