Quebra-quilos, Fagunte-PB (Wikipédia)
Matéria obrigatória no estudo acerca dos
movimentos e revoltas, o Quebra-Quilos ainda esconde muitas nuances.
O sistema métrico francês – adotado pelo Brasil em
1862 – há dois anos entrara em vigor, obrigando por decreto imperial às novas
medidas lineares. No entanto, o povo continuava com o tradicional modelo de
pesos e medidas: palmos, braças, polegadas, vara, cuia e arrobas. Some-se a
isto o suposto fato de se aumentar o imposto do chão cobrado nas feiras. Houve
uma insatisfação popular generalizada.
A sedição que teve origem na povoação de Fagundes
e alastrou-se por outras vilas sendo necessária a intervenção governamental
para a sua erradicação. Grupos de cem a duzentos homens, cujo “cabeça” se
desconhecia. Camponeses rústicos, armados de clavinote, foice e facão.
Fala-se de ataques em Campina Grande, Esperança,
Ingá, Cabaceiras, Pilar, Areia, Alagoa Nova, Bananeiras e Guarabira. Em algumas
dessas localidades os revoltosos soltaram presos, queimaram arquivos, rasgaram
processos e destruíram os pesos do comércio.
Assim consta d’A Província, jornal pernambucano,
de 2 de dezembro de 1874:
“Verdade é que assaltaram
Fagundes, Campina Grande, Serra Redonda, Ingá, Alagoa Grande, Cuité em
Guarabira, Arara, Salgado e Bananeiras -; esperava-se que ontem fosse assaltada
Independência e Pirpirituba. Asseguraram-me, não garanto porém, que foi
assaltada também a cidade d’Areia. [...]. Nas Areias as autoridades ou fugiram
ou esconderam-se” (A Província. Ano III, Nº 457).
Os jornais também referenciam Alagoa Nova, como
sendo uma das localidades atingidas. Não obstante se tenha essa notícia, o
certo é que a feira de Esperança era bem frequentada.
O Diário de Pernambuco de 29 de dezembro de 1874 registra
os principais “focos” deste levante, citando a então vila de “Boa Esperança”:
“Diversos e importantes
diligências se tem feito nos focos principais da sedição, bem como na Serra
Redonda, Serra do Pontes, Riachão, Surrão, Cafula, Cajá e Boa Esperança,
realizando nestes lugares cento e tantas prisões, das quais cinquenta e tantos
sediciosos já se acham de praça ao exército, e com destino à corte, para onde
seguem no próximo vapor do norte.
Sendo os novos pesos e
medidas um dos primeiros objetos de agressão dos sediciosos, foi também um dos
primeiros que mereceram a atenção do presidente da província, fazendo-os
restabelecer por toda a parte” (Diário de Pernambuco. Ano L. Nº 297).
E acrescente o Jornal do Recife, de 16 de janeiro
de 1875:
“Acabam de chegar 56
sediciosos de Alagoa Grande, Alagoa Nova, e cidade de Areia, que foram presos
pela força pública em operação no interior desta província [...]” (Jornal de
Recife. Ano XVIII, Nº 12)
As feiras estavam em constante apreensão. A
qualquer momento poderia irromper-se um novo movimento. Nesse contexto, não é
difícil entender que o descontentamento com o sistema de pesos e medidas
chegasse a essas plagas.
Kin Richardson em seu livro “Quebra-quilos and
Peasant Resistance”, publicado pela University Press Of America, nos informa
que o compartimento da Borborema foi alvo dos revoltosos, incluindo não só Esperança,
como também Alagoa Nova, tendo como fonte o Relatório do Comandante, publicado em
27 de novembro de 1874.
Geraldo Irineu Jóffily, reproduz o relatório do
Coronel Severiano da Fonseca:
“[...] ao mesmo tempo que
a cidade de Campina Grande estava a braços com os sediciosos, mais quinze
lugares arcavam com as iras dos faciosos invasores, a saber: Alagoa Grande,
Alagoa Nova, Pilões, Arara, Ingá, Independência, Bananeiras, Espalhada, Esperança,
Guarabira, Fagundes [...]”
Diante desses registros, não é demais supor que o
sistema métrico decima não foi aceita pelos feirantes, os quais preferiam o
modelo tradicional de pesos e medidas.
Corroborando essa nossa tese, da participação de
Esperança na sedição do Quebra-quilos, a edição especial do Jornal “A União”,
de 03 de novembro de 2024, em comemoração aos 150 anos do levante, apresenta o
mapa da Paraíba “com as principais cidades que participaram da Revolta”,
listando dentre elas o Município de Esperança.
Não obstante, consta do Relatório do Coronel
Sevenano da Fonseca que, “enquanto acontecia a segunda invasão do Quebra-Quilos
na cidade de Campina Grande, mais 15 lugares foram tomados”. O militar fala de
invasões simultâneas ocorridas no dia 21 de novembro “ao mesmo tempo que a
cidade de Campina Grande estava a braços com os sediciosos, mais quinze lugares
arcavam com as iras dos faciosos invasores, a saber: Alagoa Nova, Pilões [...],
Esperança, Guarabira, Fagundes, [...]” (Menezes Sá: 2005, p. 117).
Como se vê, a “revolta” não ficou circunscrita à
feira de Campina Grande, e se espalhou pelas vilas próximas, dada a
insatisfação popular com os “novos” pesos e medidas que foram estabelecidos, ao
ponto de chamar a atenção do governador da Província, que tratou de repelir a
insurreição com o seu aparato militar.
Não se tem notícias se esse tumulto em nossa cidade chegou a queimar documentos, como aconteceu em cidades vizinhas, mas é certo que a população não aceitou de bom grado aquela imposição, preferindo os usos e costumes antigos, já arraigados na mercancia.
Rau Ferreira
Referências:
-
A UNIÃO, Jornal. Edição de 03 de novembro. Ano CXXI, Nº 239. João Pessoa/PB:
2024.
-
JÓFFILY, Geraldo Irineu. O Quebra Quilo: a revolta dos matutos contra os
doutores, 1874. Theasaurus: 1977.
-
MANEZES SÁ, Ariane Norma (de). Escravos, livres e insurgentes. Paraíba,
1850-1888. Editora Universitária. UFPB: 2005.
-
RICHARDSON, Kim. Quebra-quilos and Peasant Resistance: Peasants, Religion, and
Politics in Nineteenth-Century Brazil. eISBN: 978-0-7618-5306-0. University
Press of América. USA: 2011.
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