Não nos consta que até meados de
1929 tivesse Silvino Olavo qualquer inclinação à loucura. Essa também foi a
conclusão da pesquisadora Helmara Gicceli em sua tese de Doutorado em História
apresentada à Universidade Federal de Pernambuco:
“Não consta na documentação compulsada
que, naquele momento, Silvino sofresse de qualquer tipo de doença mental” (UFPE: 2016, p. 385).
Em julho daquele mesmo ano convalescera,
permanecendo uma semana no Pilar onde residia sua noiva Carmélia Veloso Borges
(A Vida Dramática. Unigraf: 1992, p. 125), conforme notícias publicadas na
imprensa nacional:
“DR. SILVINO OLAVO - Acha-se enfermo o
conhecido homem de letras dr. Silvino Olavo, oficial de gabinete do sr. Presidente
do Estado” (Diário
de Pernambuco: 07/07/1929).
“Atacado de ligeiro incômodo
esteve acamado, na cidade do Pilar, o Sr. Silvino Olavo, oficial de gabinete da
Presidência do Estado” (O Jornal-RJ: 14/07/1929).
João Pessoa em carta à Epitacinho
datada de 1º de julho de 1929, comenta:
“Silvino Olavo está bem doente
no Pilar, para onde foi em véspera de São João Passar este dia com a noiva”.
Raul de Góes, assim também descreve
esses fatos, demonstrando surpresa, pois nada no amigo antevia qualquer distúrbio
mental:
“[...] revelando
no sorriso franco uma índole forte, generosa e cavalheiresca, nada em Silvino
Olavo, nenhuma alteração em seus hábitos e maneiras deixava entrever ou
perceber que irremediável insanidade estava minando as suas faculdades mentais.
Foi, portanto, com verdadeira estupefação e doloroso pesar que os seus íntimos
e a sociedade paraibana tomaram conhecimento de que aquele cérebro privilegiado
dera sinais de profundo desequilíbrio” (Diário de Notícias: 02/02/1969).
O poeta participava ativamente
da vida política da Paraíba, engajando-se em eleger João Pessoa Cavalcanti,
fazendo comícios da “Aliança Liberal” em diversas cidades paraibanas, a exemplo
das cidades de Mamanguape, na companhia de Manoel Paiva, Osias Gomes e Mário Campello
(O Jornal-RJ: 11/09/1929).
Também representou o Sr. João
Pessoa junto ao governo de Pernambuco (Jornal do Recife: 22/10/1929), como o
próprio Silvino nos revela em carta: “Atendendo ao apelo dos dignos amigos
representantes dos partidos democrático e democrata de Pernambuco” (Diário
da Manhã-PE: 16/10/1929)
Noticiado pela imprensa, conforme
adiante se observa:
“Esteve ontem no Palácio do Governo, o
sr. Silvino Olavo, oficial de gabinete do presidente João Pessoa, que foi em
nome deste agradecer ao sr. Governador do Estado os cumprimentos que s. exc. Lhe
mandou apresentar pelo seu secretário por ocasião de sua chegada a esta capital” (A Província: 22/07/1929).
Na mesma época, recepcionara a caravana
de universitários da Escola Normal, onde “pronunciou brilhante discurso,
sendo calorosamente aplaudido”, e fazendo conferência no Teatro Santa Rosa,
apresentando as propostas do governo liberal (A Manhã-RJ: 30/10/1929), recebendo
“aclamações do povo ali aglomerado” (A Província-PE: 06/11/1929).
Assim consta de uma publicação do
“Diário da Manhã”, jornal do Estado de Pernambuco:
“Terminada a conferência, aclamados
pela multidão, em frente ao Teatro, falaram os srs. Adherbal Pyragibe, José
Américo de Almeida, Silvino Olavo e Severino Ayres” (Edição de 08/09/1929, p. 385).
Naquele mesmo dia os caravenistas
se reuniram no Clube dos Diários, onde os membros sentaram-se à mesa,
juntamente com o diretor e redatores d’A União, para um “ágape que decorreu
na mais ampla cordialidade”, do qual participaram (além do poeta Silvino
Olavo), o Deputado Cândido Pessoa, o Dr. João da Mata, então presidente do
Partido Democrático, além de Adherbal Piragybe e José Américo.
Na oportunidade, disse Zé Américo
que era a hora do “ser ou do não ser”, referindo-se à “finalidade
histórica sem ao mesmo obter uma justa compensação política” (Diário da
Manhã-PE: 08/10/1929).
Poucos dias depois, Olavo participa
do comício de Santa Rita (PB) com o Deputado Irineu Jóffily e os Srs. Osias
Gomes e Manuel de Paiva (Diário da Manhã-PE: 17/09/1929), demonstrando assim
sua sanidade, ou pelo menos uma certa centralidade de pensamento.
As incursões literárias lhe valeram
o título de renomado “Poeta dos Cysnes”. Porém com a liderança política lhe
sobreveio ferrenha crítica, sendo agora nominado de “impenitente poeta gongórico
que é o Jacarandá branco da Parahyba” (A Crítica-PR: 31/12/1929).
A esses eventos seguiram-se as atividades
no “Cravo Vermelho”, órgão responsável pela propaganda liberal, do qual faziam
parte o major reformado Antônio Aragão, o ex-Procurador da República Adhemar
Vidal, Oswaldo e Cícero Caldas (A Crítica-RJ: 08/10/1929). E o casamento
ocorrido em 28 de novembro do mesmo ano, na Fazenda Recreio do Pilar (PB), três
meses após Severina Lima, “menina – a que mais bem me quis”, contrair matrimônio
com um importante empresário de Campina Grande-PB (Diário de Pernambuco:
04/07/1929).
Como vemos, Silvino estava envolto
no turbilhão de emoções, incontrolável para o jovem moço que cedo abraçara o
mundo: “Corri, na asa do Sonho, ardente de cobiça,/ Para a conquista ideal
de tudo que sonhei” (Ícaro!), “Sonhei demais...” (Lâmpada Triste).
O seu biógrafo João de Deus
Maurício narra que os primeiros sintomas lhe apareceram por ocasião de uma
viagem ao Rio de Janeiro (RJ), por ocasião da candidatura de João Pessoa
Cavalcanti à vice-presidência da República, na chapa encabeçada por Getúlio
Dorneles Vargas. Assim lemos em sua obra “A Vida Dramática de Silvino Olavo”:
“Quando o navio atracou no porto e foi
lançada a escada para o desembarque dos passageiros, o Presidente João Pessoa
foi o primeiro a descer, e ficou à beira do cais, esperando pelo seu auxiliar.
De repente, apareceu Silvino, conduzindo a maleta na cabeça. Este seu comportamento
causou certa estranheza ao Presidente e observada por vários amigos que se
encontravam no local” (Unigraf: 1992, p. 40).
A viagem se deu no “Flândia”, um
navio holandês que partira do Recife (PB), com destino à Capital republicana da
época, em 26 de dezembro de 1929 (Diário Carioca: 27/12/1929).
Sobre esses fatos, novamente
recorremos ao texto de Raul de Góes, que rótula o poeta de “Mestre de uma
geração”:
“[...]
num dos momentos culminantes da campanha da Aliança Liberal,
na viagem de navio em que acompanhava o presidente paraibano quando este ia
encontrar, no Rio de Janeiro, pela primeira vez, o seu companheiro de chapa, o presidente
gaúcho Getúlio Vargas. [...] Nem eu nem
os demais admiradores do seu talento poderíamos imaginar naquele tempo que um
destino cruel e sinistro iria marcá-lo para sempre com a mais triste das
desventuras que podem atingir um ser humano.” (Diário de Notícias: 02/02/1969).
E complementa Helmara Gicceli: “revelando
‘distúrbios do pensamento’ e ‘com percas da consciência e fantasias em relação
ao mundo real’, o que causou estranheza a quem assistiu à cena” (UFPE: 2015,
p. 385).
Como que antevendo o seu mal,
Olavo assim descreve em “Solilóquio de um suicida”:
“Que tenebroso mal, é o da existência!
e os pobres homens
estão sós no mundo!!! Oh! O império da Loucura em que me
afundo, sem força que domine a consciência.
[...]
Que vê minha retina alucinada?
Que me impressiona estas pupulas pasmas?
- Uma ronda noturna de fantasmas
que vêm do nada e volta para o nada!”
(Sombra
Iluminada. Rio de Janeiro-RJ: 1927, Ex-libris do
autor).
Após as apresentações seguiu de carro
para o hotel e no dia seguinte amanheceu “muito nervoso, com visíveis sinais
de deficiência mental” (A Vida Dramática. Unigarf: 1992, p. 40). Foi então “Conduzido
a clinicas especializadas, logo veio o ‘fatal’ diagnóstico de esquizofrenia” (UFPE:
2015, p. 385).
Dias depois, apresentou sensível
melhora, regressando à Paraíba por ordens médicas, reassumiu a chefia de
gabinete após um breve repouso no Pilar. Essa “cura” foi momentânea, resultando
em consecutivos internamentos de dias ou menos de dias, mas a doença perene não
lhe tirou a genialidade.
José Américo no livro “O Ano do Négo” (Gráfica Recordo: 1968), relata um episódio ocorrido no Palácio do Governo. Na ocasião em que lhe ditara um artigo, Silvino parou de escrever... “olhou-me espantado e saiu-se com esta: ‘Vamos acertar os relógios’”.
Esse rompante se justifica na publicação de mesmo nome, alguns dias depois, que Silvino veiculara nas
páginas d’A União sobre um Habeas Corpus impetrado por alguns “chaufffeurs”
em virtude de Lei que lhe cobrara impostos, aproveitando-se de uma “brecha” na
lei da taxa de viação da Paraíba. Ao que parece, Zé Américo não chegou a ler a edição do jornal daquele dia.
Assim comentou Silvino, no acerto de seus relógios:
“Ó manes do vieux temps,
façamos as pazes com o vir-a-ser.
Mais lógico é que os nossos
relógios atrasados se ponham em acordo com o relógio que está adiantado, mas
está certo, do que atrazar-se este para se por em acordo com aqueles.
Vamos acertar os nossos relógios...”.
Em novembro de 1929 veio nova crise.
Internou-se no Hospital do Recife, no famoso “Tamarineira”. Criava-se uma
ruptura familiar, pois o interno nessas condições era como um preso, custodiado
aos cuidados da direção do hospício de onde só poderia sair com autorização de
quem o internou. O estigma de “louco” naqueles primeiros anos do Século XIX,
pesava forte sobre as famílias burguesas, na qual imperava a “lei do silêncio”.
Eis a razão de terem preferido
buscar tratamento no Estado vizinho, quando a Parahyba já sediava a Colônia “Juliano
Moreira”, inaugurada por João Suassuna. A sua boa condição financeira pesou igualmente
na escolha pelo hospital recifense, que contava com o renomado
médico-psiquiatra Dr. Ulisses Pernambucano.
Sobre o Hospital da Tamarineira escreve
Maurício (Unigraf: 1992, p. 16): “Simples depósito de doentes cerebrais, nas
suas celas se amontoava uma enorme população de insanos. Faltava de tudo que um
doente precisava para minorar os seus sofrimentos”.
Em 04 de maio de 1934, após ter
sido interditado judicialmente, por sentença do Dr. Belino Souto, é que Silvino
veio a ser transferido do “Tamarineira”, no Recife-PE, para o Hospital “Juliano
Moreira”, na capital paraibana, mantendo-se internado até a morte de sua esposa
em 1º de maio de 1944.
Valho-me, mais uma vez, das
considerações de Helmara Giccelli, em sua tese de doutorado: “quando
esteve impedido, por força de sentença judicial, Silvino foi internado no
Juliano Moreira, vindo transferido do Hospital de Doenças Nervosas e Mentais,
de Recife [Tamarineira], onde, contrariando as prescrições de Bleuler” (UFPE:
2015, p. 387).
Nesse nosocômio, tornou-se
célebre a sua frase: “As substâncias químicas só têm efeito sobre o corpo e
não atuam nas emoções” (UFPE: 2015, p. 396). Com efeito, a medicação não atuava
na razão, exigindo uma intervenção que não fosse medicamentosa, que pelo visto,
não era considerada à época pela medicina.
Rau Ferreira
Referências:
- JUNQUEIRA, Helmara Giccelli Formiga Wanderley. Doidos(as)
e doutores: a medicalização da loucura na Província/Estado da Parahyba do Norte
– 1830-1930. Programa de Pós-Graduação em História. Centro de Filosofia
e Ciências Humanas. UFPE. Recife/PE: 2016.
- MAURÍCIO, João de Deus. A vida dramática de Silvino
Olavo. Unigraf. João Pessoa/PB: 1992.
Muito bom. Parabéns, mais uma vez!
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