Silvino Olavo concluiu com mérito
o seu bacharelado (1924) publicando a sua tese em plaquete “Socialização
e Estética do Direito” com as oportunidades que se descortinavam diante dos
graduandos: “a hora que passa é de inquietude e de ânsias vivazes pela
entronização da Ideia Nova” – afirmava ele em sua oração à turma concluinte –
lembrando à nova geração “o dever de não trair a confiança dos que esperam dela
a conquista de novos horizontes para o progresso do mundo”, conquanto era mister
que “a alma de ‘homem novo’ tenha acordes novos que traduzam a estranha e policrômica
psicologia do momento”.
O “Automóvel Club do Brasil”
ficou repleto de autoridades que prestigiaram a colação de grau, divulgando-se
na imprensa carioca o efusivo discurso:
“Interessou muito o discurso do
orador, pela novidade de ideias e pela crítica severa à burguesia, das severas
normas do direito romano, demonstrando o absurdo do jus Abutendi,
convidando os seus colegas a acompanharem o esplendor da nossa idade americana,
que há de fundir os povos numa mesma vida substantiva e a criar na utopia da
paz universal, preconizando, ainda, a educação do sentimento estético como
condição para a formação do delicado extinto de justiça” (Jornal “A Província”:
1925)
Intelectuais do Rio com projeção
nacional ofertaram-lhe um chá no “Restaurante Sylvestre”, estando a Paraíba
representada pelo Deputado Tavares Cavalcanti, usando da palavra os poetas
Pereira da Silva e Murilo Araújo, além dos Srs. Oswaldo Rego Monteiro e Mário
Guedes Neylor.
O enxerto que apresento a seguir
é parte da fala de Silvino em agradecimento à homenagem que lhe fora prestada
pelos amigos, e discorre de seus primeiros anos e da arte poética, leia-se:
“Quando os meus olhos acordaram
para o mundo e a vida se desdobrou diante dos meus olhos, imensa, resplandecente,
quase desconhecida, com o prestígio fascinante de seus mistérios, a dor
irredutível das decepções começou a fazer luz sobre o meu espírito e a refletir
no espelho sensível das minhas ânsias que se estilizavam dentro dos meus sonhos
como fórmulas imprecisas e nebulosas. Na trama ativa da vida empolgou-me logo
uma grande luta interior e a primeira dor nasceu, dominadora e tenaz.
De um lado, o homem, cativo da
realidade implacável; de outro lado, o sonhador, o sofredor idealista em cujo
espírito esculpira-se-lhe a estátua de ouro da Arte como uma coisa fatal,
deliciosa e torturante, inseparável para sempre do doloroso e do quimérico. É isto
uma condição mesma da poesia! Jamais desaparecerá este espírito de prevenção
que existe entre os homens de ação e os homens de pensamento. É um preconceito
desses que se perpetuam mercê da lei de inércia espiritual.
É um preconceito porque a Arte jamais
perecerá.
A Arte, na sua expressão mais
perfeita que é a Poesia, não é um resíduo de um sentimento decadente, condenado
a morrer por inútil. Mente o vaticínio de Renan: A Beleza não morrerá com o
progresso da Ciência. Tem razão Guyan: “Há na vida uma sugestão eterna e, por
conseguinte, uma poesia eterna”.
Só a aridez do coração pode
justificar o desamor à poesia por parte dos que julgam representar a ação com
seu famoso sentido prático.
O gestor rude dos que clamam
contra a superfluidade do poder criador do Poeta, reproduz, como recorda Rodó,
o gesto dos ávido iscariote, quando, as mãos brancas cariciosas como os dois
cysnes, as mãos prestigiosas de Magdalena, verteram sobre os pés fatigados e a
cabeça pendida do Rabbi, o vazo que continha o nardo precioso.
Como para o pérfido discípulo,
sempre será um para o vulgo um trabalho insensato derramar sobre as multidões,
sequiosas de consolo, o aroma esquisito do sentimento.
Mas que culpa tem o poeta – se ele
pode ver uma flor o símbolo de um mundo, como diria Victor Hugo, que culta tem
o poeta que o grotesco burguês não possa nunca enxergar em todo o mundo a
lâmpada acessa de uma flor?
E de que vale chamar? Porventura
seria melhor o homem, mais felizes as sociedades e menos inquieta a existência se
despovoasse a face árida da terra esta raça de predestinados?
Não. Nunca deixarão de habitá-la
essas duas categorias de homens, simbolizados, numa síntese genial, em Ariel e
Caliban: os que padecem o tormento de uma sede insaciável, advogando a sutil
delicadeza da emoção ou iluminados a tristeza dos sentidos e os que se afundam
no Mar-Morto do Egoísmo, cuja travessia há de custar sempre aos que ousem o
prêmio espetaculoso de Ícaro.
E que seria das almas dilaceradas
pela dúvida?”.
A forma com que Olavo se expressa
– diante da vida, “Naquela encruzilhada – entre menino/ E moço – em que se é
presa do desejo,/ Da ambição de sonhar melhor destino –/” (Lâmpada Triste, in
Sombra Iluminada: 1927), o intelectual lembrou-me o seu poema, por ele
mesmo citado nesse texto (Ícaro! dedicado ao Dr. João Suassuna, in Cysnes:
1924), a dualidade entre estes dois homens (o poeta e o burguês):
ÍCARO!
AO clarão da Esperança, em
minh’alma noviça,
Minha ilusão brilho como um
soldar de rei;
Corri, na asa do Sonho, ardente
de cobiça,
Para a conquista ideal de tudo
que sonhei.
Que troféu de vitória, ao fim,
traço da liça
Onde – de cruz ao peito e espada
a m ao – lutei?
- Apenas abroquelo o guante da
injustiça
que entre os homens colhi pelo
bem que esbanjei.
Ah! Ícaro rolado ao vale dos
tormentos –
Se a tua asa de sonho será assim
quebradiça,
Por que te arremessaste em vôo
aos firmamentos?
Antes um cisne fosse! Um cisne de
olhos magos;
Nadando, ao lado de outro, em
lânguida preguiça,
Na serena quietude estática dos
lagos!
Silvino
Olavo
Silvino considerava a poesia a expressão
mais perfeita que àqueles de coração árido não conseguiam captar por possuírem da
vida um sentido prático, percebendo no gesto de Maria Madalena um ato poético
que poucos o podem enxergar.
Rau Ferreira
Referências:
- A PROVÍNCIA, Jornal. A formatura dos bacharéis de
1924. Ano LIV, nº 02. Recife/PE: 1925.
- O IMPARCIAL, Jornal. Os novos sacerdotes de
Themis. Ano XIV, nº 4.384. Rio de Janeiro/RJ: 1924.
- OLAVO, Silvino. Obra poética. 1ª Ed.
Org. Eduardo Martins. Mídia Gráfica e Editora Ltda. João Pessoa/PB: 2018.
- OLAVO, Silvino. Socialização e Estética do
Direito. Monografia apresentada em cumprimento à exigência para
obtenção do grau de Bacharel. Faculdade do Rio de Janeiro/RJ: 1925.
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