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A bonina que era Esperança, por Gonzaga Rodrigues


* Por Gonzaga Rodrigues
In: A União (Crônica)

Fui matar saudades de um sitio de São Tomé, não meu (quem me dera!) mas dos descendentes de um amigo velho de meu pai, numa chã de Alagoa Nova com Esperança, e terminei dando uma entradinha na cidade, nos amores de Chico Souto, que neste 2019, a 26 de abril, completaria 100 anos.
Era uma cidade que me chegava à lembrança de um modo muito especial, ela a mais simpática, talvez por se associar à alegria de Maria Célia, Celinha, uma esperancense, com família em Alagoa Nova, de uma simpatia e sorriso que os cromos de festa não imprimiam melhor. Era um cromo de festa a Celinha, uma estampa do antigo sabonete Eucalol, belo recado da beleza natural de sua terra. Uma bonina aos olhos do velho Oscar Veloso, seu anfitrião, pai de duas outras boninas.
E mais valorizei a comparação, bons anos depois, quando li, em “O Turista Aprendiz”, o douto papa do modernismo não encontrar outro mimo para exprimir seu espanto ante a singela beleza da nossa igreja de são Francisco. Foi o deslumbre de Mário de Andrade quando passou aqui e viu nossa riqueza de frente, em 1929.
“Um mimo, uma bonina”, expressão que o sentimento poético foi buscar num brinco de beira de estrada, nele cabendo toda a harmonia do conjunto sacro, desde o adro com as curvas ilusionistas dos degraus em toda a largura da fachada até ascenderem às torres. Mestre de todas as artes, poderia descrever aquele achado na linguagem elevada de Clarival Valadares, autor de um álbum monumental sobre o barroco nordestino. Mas lhe despontou a bonina, plantinha silvestre dos caminhos rurais que o amor do povo muitas vezes poupava, deixando-a onde estava, à disposição do vento, do sol ou dos passarinhos.
Foi o que f iz, saindo da extensa planície de limoeiros, onde caminhões de placas do Recife e de Natal veem se abastecer, as boninas em flor visgando a minha passagem.
Quando menino, dava uma vontade forte de comê-las! E me senti infantil nas planuras de Esperança, só tendo de velho os olhos. Nem me lembrei que o coração já precisava da ajuda de Ricardo Maia.
De outra vez, numa festa de pastoril, lá vem Silvino Olavo, o poeta de Esperança, a recorrer à florinha a que ele acostou um “mirabilis” de botânico sem nenhuma necessidade.
Esperança, cidade que Gemy Cândido retratou com tanta fidelidade, visão sociológica e adesão poética, hoje espalhada na planura agreste como xérox de qualquer cidade grande onde as casinhas ocres de janelas e portas azuis foram encobertas ou suplantadas por blocos e caixões grosseiros de mini ou super-mercados. As platibandas cobertas de letreiros em péssimo inglês num contraste bisonho com a paisagem natural.

Gonzaga Rodrigues

* Crônica extraída do jornal A UNIÃO
- A UNIÃO, Jornal. Ano CXXVI, nº 100. Ed. 1º de junho. João Pessoa: 2019.

Comentários

  1. Subscrevo. Como não faria se, estando dentro, consigo ver com o olhar dos de fora.

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