Pular para o conteúdo principal

Gritos da feira

Feira dos anos 30. Arte: Evaldo Brasil

A feira é o ambiente mais cultural que existe, cujo evento se repete a cada semana. Nela encontramos figuras folclóricas, personagens deste teatro ao ar livre que muitas vezes passa despercebida do grande público.
Nas mais variadas apresentações, cada um a seu modo faz o seu show angariando a atenção dos consumidores já tão acostumados com gírias, trejeitos e jargões populares.
São os “gritos da feira” que de tão tradicionais hoje se tornam inaudíveis. Em nossa pesquisa antropológica recolhemos algumas dessas falas, com a cooperação do amigo Janilson Andrade que inclusive fez os versos que ilustram essa postagem.
Mas não basta falar. As palavras soltas ao vento não produzem o alcance desejado. O objetivo do feirante voltar os olhos dos clientes para os seus produtos e isso exige uma entonação de voz característica de um canto orfeônico. Além disso, o seu conteúdo deve possuir um tom de anedota possui o tempero que alegra a freguesia.
Pois bem. Entre os vendedores ambulantes é comum se ouvir os seguintes chamados:
O vendedor de raiz, grita: “Folha de boldo, sena, cravo, canela, erva doce e papaconha”.
Tem o “homem da cobra” que se destaca por esse animal da nossa fauna guardado em uma caixa. Este vende uma pomada que serve pra tudo: de dor de dente até hemorroida. O problema é o cidadão usar num canto e depois querer passar no outro. A sua fala é constante, daí o ditado popular: “Fala mais do que o homem da cobra”.
O carroceiro – pode ser criança ou adulto – chega bem cedo, antes mesmo das cinco horas da madrugada, com a seguinte fala: “Olha o carroceiro. Olha o carroceiro, meu povo. Olha o carroceiro famoso”.
O verdureiro diz: “Coentro, alface, cebolinha é um real”. E complementa: “Moça bonita não paga, mas também não leva”.
Muito conhecido é o vendedor de coxinha numa caixa de isopor, que diz: “Olha a coxinha da minha irmã, quem quer a coxinha da minha irmã”.
O peixeiro segue com sua mercadoria num balaio, circulando pela feira: “Olha o peixe...”, enquanto o povo responde: “Fresco!”.
O canto do pedinte também é conhecido: “Uma esmola pelo amor de Deus... Uma esmola pela caridade” – com uma sonoridade que dispensa qualquer rima.
Seja na porta dos armazéns, nos bancos colocados nas feiras ou mesmo na esteira posta no chão, aqui e acolá a gente escuta, cuja união dos dizeres formulei a seguinte composição:
Armazém de primêra
Tudo a gente tem
Balde, bacia, balaio...
Bucha e bicho de mamadêra
Pro vovô e prá nenê
Vem freguês, vem freguêsa”.

Esses são alguns dos sons da feira, há muitos outros que precisam ser catalogados. E me contou Janilson Andrade que próximo a seu comércio tem um comerciante que vende ovos e vizinho uma banca que vende uva, fazendo-me os versos de repente:
“Já tem um banco vendendo ovo.
O vizinho do lado, vendendo uva;
Pra não perder a piada,
Fica gritando: Ovo e uva boa”.

O cocófato (Oh viúva boa) pode causar muita confusão. Mas a feira tem dessas coisas, do bêbado ao seu final, da mulher-dama atacando os aposentados, o vendedor de santinhos, das panelas de barro, do troca-troca até a venda de passarinho que muitas vezes é interrompida pelo “rapa” do Ibama.

Rau Ferreira

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Zé-Poema

  No último sábado, por volta das 20 horas, folheando um dos livros de José Bezerra Cavalcante (Baú de Lavras: 2009) me veio a inspiração para compor um poema. É simplório como a maioria dos que escrevo, porém cheio de emoção. O sentimento aflora nos meus versos. Peguei a caneta e me pus a compor. De início, seria uma homenagem àquele autor; mas no meio do caminho, foram três os homenageados: Padre Zé Coutinho, o escritor José Bezerra (Geração ’59) e José Américo (Sem me rir, sem chorar). E outros Zés que são uma raridade. Eis o poema que produzi naquela noite. Zé-Poema Há Zé pra todo lado (dizer me convém) Zé de cima, Zé de baixo, Zé do Prado...   Zé de Tica, Zé de Lica Zé de Licinho! Zé, de Pedro e Rita, Zé Coitinho!   Esse foi grande padre Falava mansinho: Uma esmola, esmola Para os meus filhinhos!   Bezerra foi outro Zé Poeta também; Como todo Zé Um entre cem.   Zé da velha geração Dos poetas de 59’ Esse “Zé-Revolução” Ainda me

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele

O antigo altar-mor da Igreja Matriz

  A capela de Banabuyé era “ a melhor da freguesia ” (Notas: Irineo Joffily), considerada “ um moderno e vasto templo ” (A Parahyba, 1909), uma “ bem construída igreja de N. S. do Bom Conselho ” (Diccionario: Coriolano de Medeiros). O Monsenhor João Honório, quando administrou a paróquia (1937-1951), alterou a fachada do templo. Foram retiradas as antigas torres, permanecendo apenas a central, com uma altura aproximada de 14 metros. Na parte interna, foram feitos “ consertos no forro de toda a nave e corredores, limpeza e pintura geral e nova instalação elétrica ” (Livro Tombo I: 03/02/40). O novo formato, como o conhecemos até hoje, o qual abandonou a estética antiga, de uma simples capela, para uma imponente catedral foi inaugurado em 14 de abril de 1940. O Dr. João Batista Bastos, em seu blog “Revivendo Esperança”, nos informa que em “ meados dos anos 60, houve a reforma do Altar principal, talvez para acompanhar as regras da nova liturgia imposta pelo Vaticano II. O Altar s

Gemy, o poeta

  O mundo literário e a intelectualidade conhecem Gemy Cândido: crítico literário, sociólogo e filósofo, expoente da “Geração ‘59”, autor de vários livros, dentre eles, Riachão de Banabuyé (2024), História Crítica da Literatura Paraibana (1983), Fortuna Crítica de Augusto dos Anjos (1981). Poucos sabem, que o brilhante jornalista também era poeta inspirado, desde os tempos d’O Telestar, folhetim da padroeira de sua terra natal (Esperança), onde publicou nos anos 60 do Século passado alguns de seus versos, que quero aqui reproduzir: “À Pedro Santos, Marcos dos Anjos e Políbio Alves, poetas maiores da nova geração paraibana. Á Chico Souto, a quem devo a liberdade de dimensão. Poema N. 1 O homem        O sol               A terra                    O abismo Para que tantos corpos apodrecidos A contaminar purezas prometidas?   Poema N. 2 Ah multidão subterrânea que farei da intimidade dos atos que os homens mancharão na corrução das madrugadas? que farei d

Dom Manuel Palmeira da Rocha

Dom Palmeira. Foto: Esperança de Ouro Dom Manuel Palmeira da Rocha foi o padre que mais tempo permaneceu em nossa paróquia (29 anos). Um homem dinâmico e inquieto, preocupado com as questões sociais. Como grande empreendedor que era, sua administração não se resumiu as questões meramente paroquianas, excedendo em muito as suas tarefas espirituais para atender os mais pobres de nossa terra. Dono de uma personalidade forte e marcante, comenta-se que era uma pessoa bastante fechada. Nesta foto ao lado, uma rara oportunidade de vê-lo sorrindo. “Fiz ciente a paróquia que vim a serviço da obediência” (Padre Palmeira, Livro Tombo I, p. 130), enfatizou ele em seu discurso de posse. Nascido aos 02 de março de 1919, filho de Luiz José da Rocha e Ana Palmeira da Rocha, o padre Manuel Palmeira da Rocha assumiu a Paróquia em 25 de fevereiro de 1951, em substituição ao Monsenhor João Honório de Melo, e permaneceu até julho de 1980. A sua administração paroquial foi marcada por uma intensa at