Pular para o conteúdo principal

Esperança: primeiro processo criminal

O primeiro processo criminal da Comarca tramitou em maio de 1926. A denúncia estava ancorada em inquérito policial instaurado pelo Delegado Inácio Rodrigues de Oliveira. Consta da acusação que a vítima estando na casa paterna, no Sítio Corredor de Areial, retornava à sua residência, no Sítio Mucuim daquele mesmo Distrito, quando fora emboscada à traição pelo acusado. O fato aconteceu pelas 08:00 horas do dia 13 de maio de 1926, sendo esta agredida por objeto perfurocortante.
A peça acusatória foi formulada pelo Promotor de Justiça José Bezerra Santos, incurso o réu nas penas do art. 304 do Código Penal de sua época, a seguir reproduzido:
DECRETO N. 847, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890.
Art. 304. Si da lesão corporal resultar mutilação ou amputação, deformidade ou privação permanente do uso de um orgão ou membro, ou qualquer enfermidade incuravel e que prive para sempre o offendido de poder exercer o seu trabalho: Pena de prisão cellular por dous a seis annos.
Paragrapho unico. Si produzir incommodo de saude que inhabilite o paciente do serviço activo por mais de 30 dias: Pena de prisão cellular por um a quatro annos
O exame de corpo de delito fora procedido pelo farmacêutico João Mendes de Andrade Lima, nomeado perito dada a ausência de um profissional habilitado neste termo.
O réu estava armado de faca e cacete. Houve luta corporal e serviram de testemunhas Joca Bento e Bento Torres. Após o entrevero, a vítima fora encontrada no chão oportunidade em que foram prestados os primeiros socorros. O acusado foi preso quando se deslocava para a casa de Bento Torres. No auto de apreensão, constou além da faca de ponta uma pistola calibre 32 de dois canos. Periciaram as armas Sebastião de Christo e Manuel Cavalcante de Melo que em suas observações disseram que a arma ainda estava ensanguentada.
Em primeira fase, o feito tramitou sob os auspícios do Juiz Municipal João Marinho da Silva. Após o que, o Dr. Abdias Bibiano de Sales pronunciou o réu por tentativa de homicídio no dia 31 de maio daquele mesmo ano, enquanto que o promotor ofereceu libelo para que este fosse levado à quarta sessão do Júri, ocorrida no dia 14 de novembro de 1926.
Apresentando a vítima deformidade de um membro e, apesar do exame de insanidade realizado no denunciado, foi este condenado pelo Conselho do Júri a duas semanas de prisão para ser cumprida no Presídio da Cidade da Parahyba, hoje capital do Estado.
Apesar de célere a prestação jurisdicional, podemos verificar que a pena foi relativamente branda em relação ao risco de morte sofrido pela imolada e deformidade permanente que lhe resultou. A ata do julgamento apresenta-se pouco legível em relação a escrita de bico de pena, com grafia itálica e rebuscada por termos e aforismo do seu tempo. Não pudemos compreender destarte se houve desclassificação para o tipo penal do art. 303 do Código Republicano que conduz a lesão simples, por derramamento de sangue – pena de três meses a um ano que, por ser o crime tentado, sofre igualmente uma redução legal.
Em conversa com o escritor Bismarck Martins, autor de vários livros sobre o Cangaço, este confidenciou-me que na época o corpo de jurados era muito influenciado pelos políticos, e por tal motivo para ser condenado em um júri o crime deveria merecer dura repreensão, do contrário resultaria em absolvição ou pena de somenos importância. 
Registro que era comum as pessoas andarem armadas para defesa pessoal, pois naquele tempo o efetivo policial era bem pequeno, a justiça pouco atuava nas causas e na maioria das coisas se resolviam segundo a "Lei de Talião"
A despeito de ter sido o réu preso a caminho da casa de Bento Torres, vigia à época o costume que se alguém conseguisse alcançar a cerca da propriedade de um “coronel” estava na sua proteção. Porém, o acusado não conseguiu alcançar o seu objetivo, pois fora preso quando ainda estava a caminho.

Rau Ferreira


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele...

Capelinha N. S. do Perpétuo Socorro

Capelinha (2012) Um dos lugares mais belos e importantes do nosso município é a “Capelinha” dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro. Este obelisco fica sob um imenso lagedo de pedras, localizado no bairro “Beleza dos Campos”, cuja entrada se dá pela Rua Barão do Rio Branco. A pequena capela está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa “ lugar onde primeiro se avista o sol ”. O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Consta que na década de 20 houve um grande surto de cólera, causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira, teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal.  Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à ...

Centenário da Capelinha do Perpétuo Socorro

  Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira O Município de Esperança, no Estado da Paraíba, abriga a menor capela do mundo sob invocação de N. S. do Perpétuo Socorro, conhecida como “Capelinha das Pedras”, por se encontrar erigida sobre o lajedo do Araçá (lugar onde primeiro se avista o sol), que neste ano (2025) completa o seu centenário. A construção se deu por iniciativa de Dona Esther Fernandes de Oliveira (1875-1937). Esa senhora era esposa de Manoel Rodrigues (1882-1950), o primeiro prefeito da cidade, a qual havia feito uma promessa preconizando o final da “Cholera morbus”. A doença chegou à Província da Paraíba em 1861, alastrando-se por todo o Estado, e alcançando a sua forma epidêmica por volta de 1855, fazendo com que o Presidente deste Estado adotasse algumas medidas drásticas, pois não havia condições de combater aquele mal, tais como limpeza de ruas, remoção de fezes e outros focos de infecção que exalavam vapores capazes de propagar a epidemia. As condições eram pr...

Afrescos da Igreja Matriz

J. Santos (http://joseraimundosantos.blogspot.com.br/) A Igreja Matriz de Esperança passou por diversas reformas. Há muito a aparência da antiga capela se apagou no tempo, restando apenas na memória de alguns poucos, e em fotos antigas do município, o templo de duas torres. Não raro encontramos textos que se referiam a essa construção como sendo “a melhor da freguesia” (Notas: Irineo Joffily, 1892), constituindo “um moderno e vasto templo” (A Parahyba, 1909), e considerada uma “bem construída igreja de N. S. do Bom Conselho” (Diccionario Chorográfico: Coriolano de Medeiros, 1950). Através do amigo Emmanuel Souza, do blog Retalhos Históricos de Campina Grande, ficamos sabendo que o pároco à época encomendara ao artista J. Santos, radicado em Campina, a pintura de alguns afrescos. Sobre essa gravura já havia me falado seu Pedro Sacristão, dizendo que, quando de uma das reformas da igreja, executada por Padre Alexandre Moreira, após remover o forro, e remover os resíduos, desco...

Ruas tradicionais de Esperança-PB

Silvino Olavo escreveu que Esperança tinha um “ beiral de casas brancas e baixinhas ” (Retorno: Cysne, 1924). Naquela época, a cidade se resumia a poucas ruas em torno do “ largo da matriz ”. Algumas delas, por tradição, ainda conservam seus nomes populares que o tempo não consegue apagar , saiba quais. A sabedoria popular batizou algumas ruas da nossa cidade e muitos dos nomes tem uma razão de ser. A título de curiosidade citemos: Rua do Sertão : rua Dr. Solon de Lucena, era o caminho para o Sertão. Rua Nova: rua Presidente João Pessoa, porque era mais nova que a Solon de Lucena. Rua do Boi: rua Senador Epitácio Pessoa, por ela passavam as boiadas para o brejo. Rua de Areia: rua Antenor Navarro, era caminho para a cidade de Areia. Rua Chã da Bala : Avenida Manuel Rodrigues de Oliveira, ali se registrou um grande tiroteio. Rua de Baixo : rua Silvino Olavo da Costa, por ter casas baixas, onde a residência de nº 60 ainda resiste ao tempo. Rua da Lagoa : rua Joaquim Santigao, devido ao...