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Coisas do passado: S. João do Irineu

Por: P. S. de Dória
S. João do Irineu, década de 50/60.

  Há, nesta efêmera existência, episódios que a gente nunca esquece! Como se fôssemos anjos do tempo, voamos em busca do passado e quando lá aportamos, nos deparamos com uma gama de lembranças com as quais nos alimentamos, fortalecendo-nos para podermos suportar o trajeto de volta rumo ao presente. Refiro-me a um período entre a minha infância e adolescência, num intervalo de tempo mediando o término da década de 50 e o limiar dos anos 60.
 Berço esplêndido de festejos mil, privilegiada pela via de fácil acesso, preferida pelos visitantes de cidades circunvizinhas e pela sua descrição hospitaleira, Esperança-PB, sempre realizou com sucesso inquestionável os seus eventos festivos.
Uma das memórias mais redundantes que carrego pela vida afora, foi numa das noites de São João, não me recordo precisamente se no dia 23 ou 24 de junho do ano de 1957.
  Os festejos juninos eram a grande atração e as quadrilhas da sociedade naquela época aconteciam naquelas datas e, como era de praxe, sempre no recinto do pavilhão de recreio do “Irineu Jófilly”, onde iniciei e concluí o meu curso primário.
 A título de informação para quem não viveu aquela época, o Grupo Escolar “Irineu Jófilly” limitava-se tendo como obstáculo uma muralha de alvenaria de mais ou menos dois metros de altura e de formato retangular, ao longo do seu entorno. Esta muralha na parte da frente, que se plantava sobre uma calçada não muito larga, distendia-se desde o muro do Sr. Jaime Rocha, no aclive, onde havia um frondoso oitizeiro próximo ao ângulo interno desses muros, a quem chamávamos de “Pé de Figo”, até o limite contíguo à casa do Sr. Clóves Brandão, na parte de baixo, onde hoje funciona uma clínica médica. 
 Numa alusão à estética e ao estilo arquitetônico daqueles idos, essa muralha era vazada por pilaretes cônicos pré-fabricados de cimento, equidistantemente assentados ao longo da sua linha frontal e ali dispostos. E nxergávamos os acontecimentos de dentro ou de fora do ambiente, onde quer que estivéssemos. Centralizava-se ali, também, um portão em grades de ferro de mais ou menos dois metros de largura pintado de uma cor verde já esmaecida, articulando-se com duas bandeiras em grades metálicas, fixas em pilares retangulares laterais, por onde era permitido o acesso e que, uma vez fechado após o toque da campainha, aluno nenhum ousava pular por sobre ele, ou por sobre aquela muralha porque o vigia estava ali, atento, e incorria no risco, caso transgredisse a ordem, de ser levado à Diretoria da Escola e de lá, notificado e reconduzido pela inspetora Dona Ilda Batista, ou Dona Izabel Cavalcante de volta para casa e, muitas das vezes, já suspenso.
As muralhas laterais que se angulavam com a linha de fechamento dos fundos, área interna onde também se plantavam milho ou outra monocultura naqueles meses de chuvas, se estendia, aos meus olhos de adolescente, por mais ou menos noventa ou cem metros de comprimento e limitava-se com o sítio do Sr. Lecínio Curvelo, nas proximidades da Rua da Floresta.
 A quadrilha estava para acontecer e os participantes, trajando a caráter, já ultrapassavam aquele portão em direção ao local do evento. Como sempre, naquele anotambém fazia parte daquela quadrilha junina pessoas ilustres e renomados da cidade. Lembro-me bem dos senhores comerciantes Chico Cândido, Chico Pedão, Pedro Batista, Zé Caetano, Adauto de Ramalho, o Dr. João de Deus e outros, deixando em destaques os noivos do casamento matuto que eram o Advogado Nicácio Pereira e a senhorita Cleonice filha do também comerciante, senhor Laudemiro.
Passava das vinte horas ejá se ouvia dali, frente ao portão, a algazarra daqueles casais que se aglomeravam no interior do pavilhão ao som de algumas notas musicais dos instrumentos da banda junina. Era véspera ou dia de São João e, é claro, naquela noite já havia a ordem do Prefeito da Cidade o senhor Joaquim Virgolino da Silva, se não me falha a mente, para que a usina de luz que encerrava as suas atividades sempre por volta das vinte e três horas, permanecesse em ação até ao raiar do dia.
A fumaça das fogueiras ali daquela artéria já havia amainado. O eco dos foguetões, beijos de moça, bombinhas e rojões faziam-se ainda ouvir no espaço. Algumas pessoas aproveitando amontoados de brasas ainda incandescentes assavam milho ou, de mãos dadas, cruzando-se sobre aqueles braseiros postulavam-se, num compromisso eterno, de “compadres” ou “comadres”; algumas mocinhasde posse de uma bacia com água faziam as suas promessas tentando ver as imagens das faces dos seus pretendidos espelhados na água, num propósito de futuros e desejados acontecimentos.
Alguns colegas mais chegados já tinham tido acesso ao pavilhão porque eram filhos de pais sócios cativos do Esperança-clube; não era o meu caso que permanecia ali, na minha teimosia de  criança/adolescente junto ao portão, esperando por uma oportunidade de ingresso.
Apesar de já ter tido o conhecimento de que após às 22 horas a entrada por aquele portão estaria liberada livremente, como aqueles meus colegas, eu também gostaria de ter tido acesso ao pavilhão apenas para assistir desde o início e, bem de perto, àquele memorável espetáculo junino e não ter que ficar do lado de fora disputando com os adultos um lugar de melhor visibilidade.
 Naquela noite, parece-me, se não me falha a memória, a quadrilha estava sob o comando de marcação do Prof. José Coelho ou do Sr. Matias Virgulino.
Àquela hora, ainda defronte ao portão, após ouvir inúmeras vezes as ordens de “Alavantus e Anarriès” imaginando, também, o “balancê” das saias de chitas rendadas daquelas damas com os seus respectivos cavaleiros, escorei-me com as mãos para trás encostadas à muralha junto àquela entrada e senti, naquele momento, uma sensação de angustia, de amargura, de solidão! Decepcionado e não tendo mais motivos para permanecer naquele local, sai cabisbaixo em direção à minha casa não muito distante, à procura de alento.
Dali, após algumas passadas ainda cambaleantes, involuntariamente levantei a cabeça e vislumbrei um novo acontecimento: Dezenas de pessoas apreciavam outro cenário, o que me chamou a atenção. Aproximei-me. Havia um senhor no meio da rua, bem de frente à sua casa, soltando tipos diversos de fogos juninos, principalmente ao que conhecíamos por “mijão”ou rojão.
Era um espetáculo maravilhoso o que acontecia ali naquele momento, e de forma divertida. Vi, também, que uma quantidade considerável de vizinhos e transeuntes observava a sua diversificada maneira de lidar com aqueles fogos de artifícios; o anfitrião que encenava aquele evento escrevia, com o rojão aceso em punho, palavras monossilábicas, ziguezagueava no ar ou desenhava espirais, ora sobre o calçamento de paralelepípedos da rua, ora sobre a calçada do “Irineu Jófilly” até que soltando o projétil, este se disparava em direção aleatória, indo quase sempre rumo às pessoas ali existentes que saltitavam, divertiam-se e vibravam de alegria. Naquele instante, comecei a sentir que estava me distanciando da minha recente decepção e do que acontecera havia trinta minutos, encontrando naquele belo e lúdico espetáculo, lenitivo à minha dor.
Sob a temperatura de um frio não muito agradável para alguns e em meio a vários meninos na fase de pré-adolescência que acabara por conhecer naquela inesquecível noite, um deles por coincidência era o filho do mentor de todo aquele acontecimento (que perdurou por vários anos) e que se transformou ao longo do tempo, em um amigo quase irmão. Elzo Dias Costa, nosso saudoso “Beinha”, com quem junto com outros convivi etapas diversas da vida de criança e de adolescente era o filho mais novo do responsável por aquele brilhante cenário, o senhor Dogival Belarmino Costa, Patriarca daquela unida família e da qual guardo, até hoje, imorredoura saudade. Ao longo do tempo, em meio a tantas outras façanhas, quantas vezes, durante a semana entre nove e dez horas do dia agente se reunia de frente à sua casa e saia para tomar banho nos tanques de pedra do sítio do seu pai, o seu Dogival, e que se localizava na saída da Rua para Remígio, do lado esquerdo! Isto juntamente com Fernando, seu irmão, mais um ou dois colegas que não recordo no momento! E que voltávamos comendo goiaba e manga verdes! Quantas vezes nos encontramos pela manhã ou à tarde, sentados nas requintadas poltronas na sala de sua casa, para ouvirmos numa vitrola moderna na época e em discos de vinil, músicas de Nat King Cole, Orlando Dias, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Aguinaldo Timóteo, Ray Conniffy e outros! E que, sem esperarmos,às vezes éramos surpreendidos pela simpática e carinhosa dona Nevinha ou “mãe Nevinha” como todos os quatro filhos, inclusive Elza a chamavam, com algumas fatias de bolo para merendarmos! Rememoro aqui as palavras cantadas pelo nosso vate maior, Silvino Olavo, em “RETORNO”: Ó vida boa de ócio ingênuo e lindo...!
Por fim, naquela mesma noite, ao término de tudo e após totalmente envolvido com aquele apoteótico cenário, agradecido, reavivei os meus ânimos, reacendi no coração de criança/adolescente, a chama aquecedora da alegria de continuar feliz; de ir para casa, acordar no dia seguinte, reencontrar e comentar sobre a noitada com os novos amigos, reanimado e convencido de que não vale à pena tomar por conta um ínfimo momento de infelicidade passageira para vê-lo capaz de gerar ou transformar-se em infelizes e duradouras decepções.


P. S. de Dória/Esperança-PB

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