Muitos são os folcloristas que se dedicam ao estudo da
nossa literatura de cordel, seus cantadores e repentistas; desde Câmara Cascudo
a Átila Almeida, passando por pesquisadores da nossa cultura popular, como José
Alves Sobrinho. Uns poucos jornalistas se enveredam por essa trilha, caminho
esse que lhes é desconhecido, considerada as peculiaridades do povo nordestino.
Para nossa surpresa nos deparamos com uma matéria de
um repórter espanhol, que visitando a Paraíba, registrou as suas impressões em
um veículo de comunicação conhecido por “Brecha”.
O autor inicia o seu trabalho descrevendo o cotidiano
da feira de Campina Grande e sua miscigenação. Em frente ao Cassino Eldorado,
depara-se com um cantador. É José (Dedé) Patrício de Souza, quem lhe chama a
atenção:
“Dedê
da Mulatinha. Un vendedor de raíces de unos ochenta años. Raíces para el
corazón. Para el estómago. Para un sexo sin límites. Una española picarona
compra estas últimas. Dedê es poeta. Canta sus versos y los versos de otros Com
prodigiosa memoria. Viste um saco oscuro, pero sus sapatos son coquestamente
blancos. Um hombre grita em médio de la multitud. Su pez elétrico es mágico.
Basta animarse a tocarlo para apartar cualquer enfermedad. Vino del Amazonas. O
de por ahi. A la vuelta de la esquina, um cabaret decadente. Popularíssimo. Uma
orquestita que toca forrô y todo el mundo menea las cadeiras como pude. Um loco
brama al son de la músuca y sale a la ventania a gritar: “i Soy Alceu
Valença!”. Frente a Eldorado, la comisaria. Salida de Roque Santeiro. Y al lado
, el burdel. Un burdel de esos de película, pero real. De repente , un preso es
soltado por la cana. Una multitud aplaude rabiosa” (Brecha. Editora H. Alfaro.
Espanha: 1994).
Dedé era improvisador, embolador de coco, repentista
de primeira linha. Nascido em Esperança-PB, disse ter começado a vida tocando
ganzá. Após viajar o “nordeste brasileiro” – como afirmara – radicou-se em
Campina Grande-PB.
O irmão Antônio (Toinho) seguiu a mesma trilha, por
influência de Dedé, tornando-se um dos grandes cordelistas de Campina e da
Paraíba. Os dois se apresentavam na Rádio Caturité, “encerrando o programa
que costumava levar ao ar emboladores como atração especial”. O programa se
chamava “Crepúsculo ao som da viola”, e foi ao ar em 26 de julho de 1985. Na
oportunidade, os emboladores cantaram “O avião brasileiro”, de autoria de Dedé.
Citemos um trecho dessa poesia:
“De saturno eu
vou a Marte
Percorro a
constelação
Eu ligo a
televisão
P’ra vê-lo de toda
parte
Vou dizer ao Deus
da arte
Sua é a cor da
bandeira
Com uma máquina de
primeira
Focalizando os
cometas
Fotografando os
planetas
Volto a terra
brasileira.
De Mercúrio,
Saturno e Marte
Vênus, Júpiter,
Netuno
Com os amigos que
reúno
Vou revê-los em
outra parte
Para provar minha
arte
De aviador campeão
Com o autor da
aviação
Que de Deus pai
leve o dom
Eu fui com Santos
Dumond
Ao reinado de
Plutão”
O próprio Toinho chegou a lançar um disco de
emboladas, em parceria com Chico Sena. Enquanto Dedé percorria as praças vendendo
os seus folhetos.
O cordel em questão, citado pelo espanhol Alfredo Goldstein,
em sua matéria “Poetas populares. Y um paisaje humano que no es teatro”,
penso que é o folheto: “Descrição da flora medicinal: As plantas que curam”.
Eis um pequeno trecho de uma estrofe:
“Nossa cura
pelas plantas
de longínquas
datas vem
os selvagens vive
um século
não se receitam a ninguém
de uma moléstia que
sente
como se cura o
vivente
e os animais
também.
[...]
Chá de endro cura
dor
pra catarro
amalinado
usem a cebola branca
com juá aerenado
ensino por minha
prática
pra quem tem
bronquite asmática
o alho do mato é sagrado.”
Dedé faleceu aos 84 anos, após mais de 60 anos
dedicados à poesia popular. Sua obra pode ser encontrada na “Bibliotheque
virtuelle Cordel” da Université de Poitiers e na Universidade da Califórnia,
nos Estados Unidos. E segundo se comenta por aqui, a sua arte é estudada na
Universidade de Sorbone, na França.
Rau Ferreira
Referências:
-
Brecha. Poetas populares. Y um paisaje humano que no es teatro.
Artigo de Alfredo Goldstein. Exemplares 423/443. Editora H. Alfaro.
Espanha: 1994.
-
LIMA, Josenildo Maria (de). Literatura de cordel e ensino de física: uma
aproximação para a popularização da ciência. Orientador: Prof. Dr.
Marcelo Gomes Germano. Universidade Estadual da Paraíba. Centro de Ciências e
Tecnologia. Programa de Pós-graduação em ensino de ciências e matemática.
Campina Grande-PB: 2013.
-
MATOS, Cláudia. TRAVASSOS, Elizabeth. MEDEIROS, Fernanda Teixeira (Org.). Ao
encontro da palavra cantada: poesia, música e voz. Editora 7 Letras:
2001.
-
MULATINHA, Dedé. Descrição da flora medicinal – quais as plantas que
curam. Publicação Nº 06. Universidade Federal da Paraíba. Campina
Grande/PB: 1977.
Esquisito, pero no és estraño! Esquisito és fabuloso! Gracias, hermano!
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