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Trovas e cantadores


O cancioneiro popular é muito rico e esta riqueza se torna mais evidente na voz do Nordestino. É ele o trovador das praças que reúne em seu repertório o que há de mais belo na vida campeira.
O poeta Silvino Olavo, introduzindo Leonardo Mota na Parahyba, chegou a comentar que “Cantadores e Violeiros do Norte valem por todo um ciclo literário”. De fato, não há como negar a valentia de homens que se digladiam em versos de improviso, hoje tão escasso devido a personificação do homem moderno.
Esperança – celeiro de cantadores – reuniu em sua epícore os mais renomados deles, homens bravos que até chegaram a residir nessas paragens, a exemplo de Josué da Cruz; e os poetas natos deste torrão: João Benedito, Campo Alegre e Mergulhão.
A saga contagiou o seu povo, que vez em quando se arrisca a versejar, fazendo a alegria de ouvintes e admiradores do repente.
Assim é que vemos José Coêlho da Nóbrega, brindando aos convivas, num bar da cidade, pelos idos de 1962 com a seguinte trova:

Nesta inconstante lida,
Só o saber prevalece.
O resto desaparece
Tudo se acaba na vida
Só uma coisa tem guarida
É da ciência a verdade.
Pois na sua castidade,
revela sempre o saber
tudo mais tem que morrer,
menos a dor e a saudade”.

João Benedito, o célebre cantador negro, que não chegou a ser escravo, pois já nasceu livre, fazia das suas modulando o tempo, com estrofes filosóficas.
Saro Amâncio me disse em entrevista que viu muitas vezes João Benedito nesta cidade; disse que ele costumava andar pelos sítios de Alagoa Nova onde havia muita plantação de café e conhecia bem as propriedades daqui, e lembrou-me desses versos inéditos do velho cantador:

Tapioca é do Pintado
Bolo é de Joaquim Mané
Laranja é do Ribeiro
Farinha do São Tomé
Abacaxi verdadeiro é do Sapé”.

Para que o leitor entenda, nestes versos foram citados os sítios Pintado, Ribeiro e São Tomé e a cidade de Sapé.
Josué da Cruz numa peleja com Zé Limeira denuncia uma morte acontecida em Esperança, fruto da sanha gratuita do homem, e fecha uma sextilha dizendo:

“Faz pena morrer assim
Tão delicada pessoa”
....................................

E Limeira comentou:

Isso de morrer à toa
Já vem do tempo passado
São José morreu de velho

São João morreu degolado
Jesus morreu numa cruz
Judas morreu enforcado

De Josué ainda trazemos a história narrada por Maria Barbosa de que no Areal – antigo distrito de Esperança – havia uma senhora muito religiosa chamada de Ercília.
Por ser mui bela, os rapazes viviam “infernizando com essa história de namoro”, até que um dia alguém marcou data para “roubá-la”, porém sabendo das intenções de um terceiro rapaz, o seu primo pediu ao irmão dela para se trajar como se fora ela, e, passando ele num lamaçal, levantou o vestido foi quando o desavisado viu as pernas cabeludas e desenganou-se.
Josué que era amigo da família e sempre comparecia com suas cantorias, escreveu um folheto de cordel com esta narrativa, cujos versos Maria apenas lembra da seguinte quadra:

“João Pistola Perereca
Por arte de satanás
Foi roubar dona Ercila
Mas roubou Silvino Brás”.

E pra mode encerrar esta cantiga, dou-lhes notícia duns versos de repente no Banabuyé:

Zé Briba cantador
Jogador de biriba
Certa feita encomendô
Dous litros de batida
Uma o velho estocou
Outra guardou na barriga
U’a noite mal dormida
C’o a mulher de intriga
As trochas arromou
Foi s’imbora desta vida
Não deixou nem guarida
Quanto mais o coberto”.

Estes últimos, ao contrário daqueles dos afamados cantadores, são versos mal-acabados, que o cancioneiro da cidade nos traz, pra lembrar que aqui se faz (e a paga não sei), com ou sem violão, a cantoria popular.

Rau Ferreira

Comentários

  1. Muito legal,interessante na cultura comportamental esses atos de " roubar" no sentido de fugir com as mulheres e a idéia do primo de vestir irmão como se fosse Ela.Os versos de José Coelho, muito alegres.Um resgate muito necessário para nossa cultura local.

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