Pular para o conteúdo principal

Sol: Aprendiz de Turista

Mário de Andrade (1928) - foto: wikipédia.org

O Turista Aprendiz” é um dos mais importantes livros de Mário de Andrade, há muito esgotado e reeditado em 2015, através do Projeto do Iphan. Os relatos de viagens registram manifestações culturais e religiosas coletadas pelo folclorista em todo o Brasil.
Este “diário” escrito com humor elevado e recurso prosaico narra as inusitadas visitas de Mário ao Nordeste brasileiro. O seu iter inclui Estados como Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Paraíba.
Mário adentrou à Parahyba na noite de 27 de janeiro de 1929. Vinha de automóvel da cidade de Natal/RN. Atravessou o Mamanguape para chegar à Capital por volta das três da matina do dia seguinte. No caminho lhe esperavam os amigos José Américo, Ademar Vidal e Silvino Olavo que lhe ofertou um afetuoso abraço.
Além deste gesto de carinho afável de Silvino, o escritor paulista recebeu de suas mãos uma edição de “Sombra Iluminada” com a seguinte dedicatória:
“A Mário de Andrade - o que/ tudo destruiu para que não nos/ destruíssemos a nós mesmos - / admirando-o e estimando-o/ bem, of./ Silvino Olavo./ Paraíba/ 30.1.929”.
Chegue alegre à Paraíba”, disse Mário então.
Após a hospedagem, fez breve passeio à beira mar, na praia de Tambaú. Na sua crônica, guardou a expressão d’o caso da aranha, uma “aranha enorme” que observou quando chegara a seu quarto provocando-lhe inquietude e medo:
“A aranha não me fez mal. Viveu lá na sua tocazinha do forro todos os meus dias paraibanos, dando quanto muito passeios de metro e meio. Mas, principalmente nesses footings, como eu a olhava horrorizado. A cor negra daquela massa pérfida avançando, o mudar lerdo daquelas patas que pareciam ser vinte, me davam calafrios de corpo inteiro” (Diário de São Paulo/SP: 02/07/1933).

Os três amigos se esforçavam para que o autor de “Macunaína” (1928) coletasse melodias. Foram “gentilíssimos”, anotou.
À noite visitou as oficinas do jornal A UNIÃO que noticiou a sua chegada às terras parahybanas:
“Encontra-se desde ante-hontem nesta capital o escriptor Mario de Andrade, nome de intensa projecção nos circulos modernos de arte brasileira. Fiel ao seu programma de idéas o illustre intellectual paulista veio ao Nordéste com o fim de colligir mais documentação para sua obra do folk-lore musical do Brasil. Homem de grande probidade mental, Mario de Andrade é infatigavel no seu trabalho de observação e de collecta escrupulosa de material philologico e musical” (A União: 29/01/1929).

Mário permaneceu dez dias na Parahyba, desfrutando do convívio dos amigos intelectuais ligados à Revista “Era Nova”, cujo encontro teria sido mediado por Câmara Cascudo e Antônio Bento.
Silvino era assíduo naquele magazine, ensaiando uma poesia modernista de que era simpatizante sob o pseudônimo de “João da Retreta”, na coluna Musa Fútil:
“Nove horas... A corneta
Soa longe os sons fatais... Finda a retreta...
Ela passou... Deu com meu vulto esquivo.
Com um olhar rápido e vivo
Iluminou-me todo e... passou...
Nunca soube que a amei, porque nunca me amou”
                                            (Era Nova: 01/05/1925)”.

Na reedição d’O Turista (2015), as autoras assinalam em rodapé:
“Silvino Olavo da Costa (Esperança, 1897 - Campina Grande, 1969). Poeta, político, jornalista e advogado. Iniciando a carreira jurídica no Rio de Janeiro e ligando-se ao simbolismo, ali publica, em 1924, Cisnes e, em 1925, Sombras iluminadas. Em 1928, integra o gabinete de João Pessoa, presidente do estado; vive na capital, então chamada Paraíba, também. Participará ativamente da Revolução de 1930” (O Turista Aprendiz: 2015, pág. 236).

Por essa época, informa Mário que “O Retrato do Brasil está sendo lido e relido por todos. E comentado”. Com efeito, esse foi um dos livros que Silvino se valeu para exaltar nas páginas em branco a sua musa “Badiva” (1997).
Em sua estadia nesse Estado, caminhou pelo litoral e visitou prédios históricos, alguns bairros e cidades. Foi conduzido por José Américo ao Brejo de Areia (03/02) - passando por Alagoinha em dia de feira - permanecendo naquele município brejeiro, em casa do escritor d’A Bagaceira (1928) até a boquinha da noite.
Pelo trajeto percorrido, acreditamos que seguiu a linha Esperança-Remígio aportando em Alagoinha com Alagoa Grande à esquerda – “ao pé da serra, linda e pitoresca” -, segundo registrou em suas anotações de viagem.
Andrade recolheu vasto material que vai de cantigas, cocos e cordéis; reunindo-se com os cantadores populares que tanto admirava.
Esta não foi a primeira vez que Silvino serviu de cicerone para os mestres da literatura. Igual deferência concedeu a Leonardo Mota, realizando inclusive uma conferência para o autor de “Sertão Alegre” (1928).
Certamente a visita à Paraíba lhe deixou boas impressões e dos amigos que aqui fizera levou algo “novo” para a sua produção literária.
Silvino Olavo é autor de Cysnes (1924), Estética do Direito (1925), Sombra Iluminada (1927) e Badiva (1997), objeto de minha biografia homônima em 2010.
O poeta e o folclorista ainda trocaram correspondências. Em 07 de setembro de 1928, o esperancense declara ter recebido a sua obra “Macunaína”, proferindo alguns elogios. Já em 10 de maio de 1930, Olavo lhe envia alguns poemas desejando publicar.

Rau Ferreira

Fontes:
- ALMEIDA, Cecília Fernandes de. Viajante, Cronista e Aprendiz de Turista: Olhares sobre a cidade da Parahyba  na década de 1920. XI Encontro Nacional da ANPUR, disponível em: http://www.xienanpur.ufba.br/643.pdf, acesso em 09/07/2016.
- Andrade, Mário de.  O turista aprendiz / Mário de Andrade ; edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo ; Leandro Raniero Fernandes, colaborador. – Brasília, DF : Iphan, 2015.
- ILB – Instituto de Estudos Brasileiro. Acervo: Mário de Andrade. MA-C-CPL5504 e MA-C-CPL5503. Cartas/Manuscritas. São Paulo/SP. Consulta: www.ieb.usp.br.

- TRAJANO FILHO, Francisco Sales. Cartografias difusas, geografias superpostas: cidade e cultura na viagem de Mário de Andrade à Parahyba (1929). In: IV Simpósio Nacional de História Cultural, Goiânia, 2008

Comentários

  1. Interessantissima essa estoria que eu não conhecia nem nunca tinha ouvido falar !

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário! A sua participação é muito importante para a construção de nossa história.

Postagens mais visitadas deste blog

Algumas histórias de Esperança, por Odaildo Taveira

“Existia em Esperança – uma coisa muito interessante, pra juventude tomar conhecimento – aqui em frente, onde havia uma loja, morava seu Joaquim Soldado; ele tem um filho que é seu Zé Soldado, ele tá com 95 anos. E seu Joaquim tinha um jumento, e ele ia sempre aqui para o Cabeço, no nosso município, vizinho a Pocinhos, e seu Joaquim vendia pão, vendia aliado, que eram uns biscoitos grandes assim, que as padarias não vendem mais, e seu Joaquim vendia um bocado de coias. Ele chegava nos trabalhadores do sítio e aí encostava a jumenta e os cabras só comendo, os trabalhadores, comendo, comendo e daí a pouco um pedaço, na hora de pagar, aí seu Joaquim, calado perguntou: - Tu comeu, quanto? E o cabra respondeu: - Eu comi dois. - E você? Dizendo com outro. - Eu só comi um, respondeu. Aí seu Joaquim escutava tudinho e puxava um crucifico assim de uns 40 cm e dizia: tu jura? Tu jura? Eu sei que eles tinham que dizer a verdade. São algumas figuras folclóricas da cidade de Esperan...

Magna Celi, escritora e poetisa

Esperança pode não ser uma cidade de leitores, mas certamente é um município de grandes escritores. Na velha guarda, encontra-se o poeta Silvino Olavo, e mais recente, a escritora e poetisa Magna Celi. Filha do casal Maria Duarte e José Meira Barbosa; irmã do Dr. João Bosco, Benigna, Graça Meira e Paula Francinete. Casada com o eminente Professor Francelino Soares de Souza, que assina uma coluna nesse jornal aos domingos; ela tem se destacado com inúmeras publicações. Graduada em letras pela UPFB, Mestra em Literatura Brasileira e com especialização em língua vernácula inglesa. Estreou nas letras em 1982, com “Caminhos e Descaminhos”. Desde então têm inscrito o seu nome entre os grandes nomes da poesia paraibana. É ela mesma quem nos fala sobre as suas origens: “Nasci na cidade de Esperança, brejo paraibano, de clima frio, chamada, no princípio de sua fundação, de Banabuié. Aconteceu na rua da Areia, nº 70. Fui batizada pelo Padre João Honório, na Igreja Nossa Senhora do Bom ...

Esperança: fatos da política em 1933

1933 : 04 de janeiro, o juiz preparador das eleições envia ao TRE telegrama informando o recebimento da circular sobre a consulta se deveria aceitar títulos eleitorais do antigo alistamento como prova de idade.   1933 : 31 de maio, O desembargador Souto Maior, com a palavra, declara que lhe fora distribuído um recurso referente à secção de Esperança e, como a lista dos eleitores está omissa, pede para que seja requisitado o livro de inscrição dos eleitores daquele termo, a fim de relatar o processo. O Tribunal resolve, por unanimidade, requisitar, ao respectivo cartório, o aludido livro. 1933 : 03 de junho, o sr. Presidente comunica aos seus pares que o livro de inscrição dos eleitores do município de Esperança, requisitado, por solicitação do desembargador Souto Maior, ainda não foi remetido, pelo respectivo cartório. 1933 : 07 de junho, o sr. Presidente comunica aos seus pares haver a Secretaria recebido o livro de inscrição de eleitores do município de Esperança, há dias r...

A Energia no Município de Esperança

A energia elétrica gerada pela CHESF chegou na Paraíba em 1956, sendo beneficiadas, inicialmente, João Pessoa, Campina Grande e Itabaiana. As linhas e subestações de 69 KV eram construídas e operadas pela companhia. No município de Esperança, este benefício chegou em 1959. Nessa mesma época, também foram contempladas Alagoa Nova, Alagoinha, Areia, Guarabira, Mamanguape e Remígio. Não podemos nos esquecer que, antes da chegada das linhas elétrica existia motores que produziam energia, estes porém eram de propriedade particular. Uma dessas estações funcionava em um galpão-garagem por trás do Banco do Brasil. O sistema consistia em um motor a óleo que fornecia luz para as principais ruas. As empresas de “força e luz” recebiam contrapartida do município para funcionar até às 22 horas e só veio atender o horário integral a partir de setembro de 1949. Um novo motor elétrico com potência de 200 HP foi instalado em 1952, por iniciativa do prefeito Francisco Bezerra, destinado a melhorar o ...

Severino Costa e sua harpa "pianeira"

Severino Cândido Costa era “carapina”, e exercia esse ofício na pequena cidade de Esperança, porém sua grande paixão era a música. Conta-se que nas horas de folga dedilhava a sua viola com o pensamento distante, pensando em inventar um instrumento que, nem ele mesmo, sabia que existia. Certo dia, deparou-se com a gravura de uma harpa e, a partir de então, tudo passou a fazer sentido, pois era este instrumento que imaginara. Porém, o moço tinha um espírito inventivo e decidiu reinventá-la. Passou a procurar no comércio local as peças para a sua construção, porém não as encontrando fez uso do que encontrava. Com os “cobrinhos do minguado salário” foi adquirindo peças velhas de carro, de bicicleta e tudo o mais que poderia ser aproveitado. Juntou tudo e criou a sua “harpa pianeira”, como fora batizada. A coisa ficou meia esquisita, mas era funcional, como registrou a Revista do Globo: “Era um instrumento híbrido, meio veículo, meio arco de índio: uma chapa de ferro em forma de arc...