Havia muita ingenuidade no Município de Esperança nos tempos de outrora. A cidade era uma calmaria e seguia vigiada pelos guardas de quarteirão que faziam suas rondas noturnas. Os rapazes costumavam fazer serenatas de forma clandestina, pois não se permitia qualquer espécie de barulho à noite. O rigor daquele tempo o exigia.
O
fornecimento de energia se dava por um motor a combustão que iluminava as
principais ruas, mas por ordem do prefeito apagavam-se as luzes às 23 horas. O
“toque de recolher” era marcado pelo sino da Matriz. O que não era empecilho
para uma trupe de amigos: Beinha, Fernando e Eleusio, que se aventuravam para
galantear as suas pretendidas com muito charme e elegância.
Segundo
dizem, eles não cantavam nada. No entanto, carregavam uma “vitrolinha” a pilha e
punham para tocar músicas de Nelson Gonçalves, Orlando Silva ou Roberto Carlos
para as suas namoradas.
Chegavam
por volta da meia noite ou uma hora da manhã. Como eram em trio, dois ficavam
nas esquinas “pastorando” a polícia, pois se fossem pegos poderiam receber
algumas bordoadas e até mesmo serem presos por perturbação ao sossego alheio.
As
jovens ficavam “espiando” pelas brechas, já que naquele horário era indecente abrir
a janela, enquanto as suas mães ignoravam aquele gesto de carinho mostrando-se
ainda preocupadas caso o pai de família viesse a acordar, pois tudo acabaria em
uma baita confusão.
Quando
se ouvia o silvo dos guardas, os moços imediatamente desligavam o som e corriam
para a casa de uma outra namorada, assim conseguiam escapar da ação policial e
fazer a alegria das “meninas”.
Eles
se revezavam na vigília e nas apresentações. “Tudo no escuro, mas a gente
via que as meninas acordavam, porque ficávamos ouvindo as vozes delas com as
mães pelas brechas das janelas. Nós fazíamos uma serenata a cada mês e
normalmente eram serenatas nas casas das três namoradas com três corridas da polícia",
contou-me Eleusio, um dos seresteiros.
Os
guardas municipais faziam suas prisões. Gatunos e seresteiros desavisados foram
os principais alvos dessa época, mas os rapazes dessa história não chegaram a
dormir na cadeia um dia sequer, porque sempre escapavam da ação dos vigilantes
noturnos.
Passados
alguns anos, aqueles jovens se casaram e se tornaram donos de casa. Agora eram
eles que se preocupavam com os namorados! Vida que segue.
Beinha
era o “queridinho” da cidade, pois era um moço bonito e todas queriam namorar
com ele. Filho mais novo de seu Dogival, foi criado pela madrasta, dona
Nevinha, com muito carinho, já que ela não pudera ter filhos. Era muito
protegido pelos irmãos Nirzo, Everaldo e Fernando, e pela irmã Elza. Ninguém
ousasse fazer-lhe mal!
O
jovem trabalhava nas feiras livres, o que lhe garantia muitas amizades. Dele
nos dá conta o primo Eleusio:
“Não
cantava, não tocava instrumentos e não praticava esportes, mas gostava de
festas incluindo o carnaval quando formávamos um bloco motorizado para visitar
residências, fazer barulho e confraternizarmos”.
Essa
história é do meu pai (Beinha), que conto com muito orgulho. Ele veio a falecer
em 1988. Era uma pessoa simples e humilde, mas o seu enterro foi acompanhado
por uma multidão.
No
trajeto, os vereadores fizeram questão que o seu féretro entrasse na Câmara
para uma última homenagem. Fiz minhas ressalvas à época, porque ele havia sido
perseguido naquela casa por questões políticas; mas cedi aos apelos dos
legisladores, porque afinal considerei um ato justo e merecido. Águas passadas!
Rau Ferreira
"Primo o da direita é teu pai Beinha e o do meio o teu tio Fernando Costa. O artigo está fiel aos fatos", Eleusio Freire via WhatsApp, em 08/01/2025.
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