Por Epaminondas Câmara
O confrade do Instituto Histórico de Campina
Grande – Jonatas Rodrigues – expert em ferrovias, que além de
memorialista é blogueiro, enviou-me a cópia de um texto do esperancense
Epaminondas Câmara, publicado no jornal “O Rebate”, edição de 03 de outubro de
1930.
Por sua importância histórica, e considerando
se tratar de um autor genuinamente nosso, decidi reproduzir o artigo no qual se
discute a laicidade do Estado e o ensino religioso.
Vamos ao texto:
“A Liga Paraibana Pró-Estado Leigo, dizendo-se fundada pelos
elementos representativos de todas as classes sociais, dirigiu um memorial à
comissão elaboradora do anteprojeto constitucional, no qual expressa o seu
ponto de vista acerca dos princípios que devem nortear a futura Carta Magna.
É de lamentar que a Liga, num documento oficial, pretenda
falar em nome de todas as classes sociais da Paraíba, quando todos sabemos que
ela não possui em seu seio representantes autênticos. Quando muito, elementos
isolados e sem delegação.
Eu pergunto: - A maioria dos comerciantes, dos caixeiros,
dos operários, dos professores, dos agricultores, finalmente, a maioria de
todas as classes sociais do Estado da Paraíba, de todas, sem faltar uma só, concedeu
poderes à Liga para usar de seu nome? Deu lhe autoridade para tanto? Maxime
para representa-la na discussão dum assunto de importância vital para
nacionalidade como o da laicisação do Estado? A consciência paraibana responde
num só grito: - Não! Logo não possui a Liga autoridade para servir-se do nome
das classes que não representa de fato nem de direito.
Vamos ler o que a Liga fez sentir a comissão: reclama
contra “as concessões obtidas nesse período discricionário por certas
influências religiosas, que já conseguiram do Governo a decretação de medidas
de privilégio para o exercício e prática de dados cultos em detrimento de
outros (O grifo é nosso). Medidas de privilégio? Quais? Quando foram decretadas
essas medidas que ninguém leu? Qual o número do decreto? A Liga não deve fazer
tanta injustiça ao Governo.
Mais adiante: “Entre estas medidas sobressai a adoção de
ensino religioso nas escolas, decreto esse... que representa um arriscado
critério preferencial por uma confissão religiosa...”. Pena que não tenha
declinado o nome dessa “feliz” confissão religiosa “que desfruta junto ao poder
público prerrogativas justificáveis”. Talvez a Liga se refira ao espiritismo,
que não conta ainda com a centésima parte dos brasileiros e em vários casos a
prática de sua doutrina é proibida pelo Código Penal, (Art. 157).
O que se conclui é que se há religião que desfruta de
prerrogativas injustificáveis e aufere vantagens ao arriscado critério
preferencial do ensino religioso, deve ser o espiritismo, que hoje pode
ensinar nas escolas uma doutrina cuja prática é proibida em face de nossas leis
penais.
A Liga finaliza o memorial vaticinando ou pretendendo
atirar sobre os ombros da comissão a responsabilidade duma guerra religiosa. É o
cúmulo! Guerra religiosa por causa do ensino religios! Bonita imaginação e
profecia!
Eu não sabia que o estudo produz a guerra! E guerra na
própria ciência que se estuda! (sic). Pensei que gerasse da incompreensão da
lei e dos princípios, do abuso dos poderes ou indisciplina das massas. Nunca pensei
que a guerra fosse filha do ensino! Deve-se logicamente profunda e ao superior
a desculpa da Liga.
O que faltou foi a Liga dar um retoque às suas profecias.
Devia ter instruído o prognóstico belicoso citando fatos idênticos que por sua
natureza justificasse a tão almejada guerra religiosa.
Restam as provas históricas e sociológicas. Vamos! Onde
já se viu o ensino fomentar a guerra!
27.11.32.
Epaminondas Câmara”.
Nascido em 04 de junho de 1900, e falecido em
28 de abril de 1958. Epaminondas era casado com Honorina. O seu pai era um honrado
lavrador, morador do Riacho Amarelo, na divisa de Esperança com Lagoa de Roça.
O seu cunhado traçou lhe o perfil na obra “Mais
um mergulho na história campinense”, publicado pelas Edições Caravela, no ano
de 2001.
Era um homem de moral irretocável – segundo a
narrativa de Cristino Pimentel -, católico fervoroso, autor do célebre livro
“Evolução do Catolicismo”, religião que o empolgava e “disto não fazia alarde,
porque entendia que a fé é um baluarte da alma humana”.
Cristino ainda acrescenta a seguinte
observação sobre o cunhado:
“Um bom filho. Um ótimo esposo, que soube comungar com
a sua companheira, dona Isaura Câmara, a alma que encontrou a sua alma. Só não foi
um excelente pai porque a sua esposa não lhe deu nenhum filho. Mas, por isso, não
foram desventurados. Aos bons nem sempre é permitido gozar de todas as venturas
da terra. Isto pertence ao infinito, ao Senhor das Coisas e das Criaturas.
Justo ele foi”. (PIMENTEL: 2001, p. 38).
Possuidor de uma memória invejável e bastante
meticuloso em suas pesquisas, publicou Câmara em vida as seguintes obras: “Os
Alicerces de Campina Grande” (1943), “Datas Campinenses” (1947). Preparava o
terceiro livro (Pequena Enciclopédia Brasileiro para uso dos católicos) quando
a morte o encontrou.
Não me é dado discutir as razões pelas quais Epaminondas
Câmara escreveu o seu texto, nem ser juiz da Liga ou de quem quer que seja a despeito
do Estado laico. Cumpre-me, tão somente, fazer o registro histórico de um
momento do país, que ficou na memória.
Rau Ferreira
Referências:
- CÂMARA, Epaminondas. Evolução do catolicismo na
Paraíba: Aos 500 anos da descoberta do Brasil. Prefeitura Municipal de Campina
Grande, Secretaria de Educação: 2000.
- O REBATE, Jornal. Ano I, Nº 10. Edição de 03 de
dezembro. Campina Grande/PB: 1932.
- PIMENTEL, Cristiano. Mais um mergulho na história
campinense. Academia de Letras da Campina Grande, Núcleo Cultural Português.
Ed. Caravela: 2001.
- SOARES, Antônio. Autores Parahybanos. Ed. Caravela:
1999.
Comentários
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentário! A sua participação é muito importante para a construção de nossa história.