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Os irmãos cantadores da Mulatinha

 


Toinhoho e Dedé foram grandes cantadores, ambos começaram com a embolada de coco, um gênero do cancioneiro popular. Têm sua origem no Sítio Mulatinha, propriedade de sua avó Maria. Toinhoho assim declama em versos o nome do lugar, atribuindo-lhe a suposta gênese:

 

Daí vem a sua história

que nos versos se encaminha

sua avó era mulata

chamavam de mulatinha

seu nome cresceu demais [...]”.

(Toinho e sua biografia: 200--).

 

Eram ao todo onze filhos de dona Severina Maria da Conceição e Manoel Patrício de Souza. Ela fazia utensílios de barro para vender nas feiras. Ele era agricultor. O primogênito José “Dedé” Patrício (1914-1994) foi quem iniciou na cantoria, com doze anos de idade; e ensinou Antônio “Toinho” Patrício (1927-2016) na arte do coco, já aos dez anos.

O pai repreendia Dedé, pois considerava aquilo “coisa de preguiçoso”, mas esse justificava que as pessoas admiravam a sua inteligência e lhe pediam para cantar algo:

 

“[...] não papai, é porque quando eu termino o serviço e tal e o pessoal admira minha inteligência, um pede uma coisa, outro pede outra... com teve lá Manuel Farias, e outras gente delicada de Esperança, delgado, prefeito e tudo mais: ‘ô menino vem cantar uma coisa pra nós ouvir!” (AZEVEDO: 1997, apud BlogRHCG).

No entanto, os irmãos seguiram caminhos distintos na poesia. Dedé permaneceu na cantoria, com reduzido número de cordéis. Toinho se esmerou na escrita, publicando inúmeros folhetos. Porém, o destino final foi o mesmo: a feira central de Campina Grande.

Dedé se aventurou pelo mundo, cantando em rádios, publica folhetos e se estabelece na feira com banca de raízes. Ele começou a cantar aos 12 anos na feira livre de Esperança-PB:

Comecei a minha vida,

De rua, casa e avenida

A cantar com meu ganzá.

Em toda terra do norte

Do nordeste brasileiro

Viajei o mundo inteiro

E hoje estou no meu lugar”.

 

Toinho foi morar em Campina em 1948, quando contava 23 anos de idade. Dedé foi quem lhe tirou a timidez e o introduziu na cantoria, ensinando-o a tocar o “ganzá”, instrumento do qual nunca se apartou, como o fez muitos de seus colegas que migraram para o pandeiro.

O cordelista Toinho, não obstante ainda tenha percorrido algumas cidades, lendo e cantando a sua poesia, fixa-se na feira central em Campina, com a sua banca de folhetos, onde comercializa raízes e cachaça, como se registra em livros:

Um dos tesouros que descobri na minha aproximação com cordelistas foi a descoberta de Toinho da Mulatinha. É o mais velho embolador da região e o único que ainda vende cordel, na feira de Campina Grande, em sua barraca de raízes. Vez ou outra ainda agracia um ou outro amigo ou comprador com seu improviso. Quando apanha um ganzá (ele não canta com pandeiro), a voz do velho renasce ao som do coco de embolada, que tanto encantou pesquisadores como Mário de Andrade” (Paiva et alli: 2017).

Toinho da Mulatinha que vende versos, raízes e cachaça na feira de Campina Grande” (Adami et alli: 2003).

Além de cantar com o irmão e se apresentar na Rádio Caturité (Campina Grande-PB), também fez parceria com Aleixo Criança (Santa Luzia-PB) e gravou com Geraldo Mouzinho (Mamanguape-PB) e Chico Sena (Parelhas-RN). Este mais atinado que Dedé, funda na década de 70 a cordelaria “Estrella do Oriente”.

Dedé da Mulatinha faleceu aos 84 anos e sua obra pode ser encontrada na “Bibliotheque virtuelle Cordel” da Université de Poitiers, na Universidade da Califórnia e, segundo se comenta, na Universidade de Sorbone na França.

 

Rau Ferreira

 

Referências:

- ADAMI, Antonio. HELLER, Barbara. CARDOSO, Haydée Dourado de Farias. Mídia, cultura e comunicação. Volume 2. Arte e Ciência Editora. São Paulo/SP: 2003.

- AZEVÊDO, Rômulo. Patrimônio Cultural de Campina Grande. Documentário. BlogRHCG. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=S-2acKRfwY4&t=9s , acesso em 05/01/2024. Campina Grande/PB: 1997.

- CAVALCANTEI, Mariane Braz Barros (Coord). O Patrimônio Cultural de Campina Grande. Documentário. MinC/FNC Nº 110/96. Maria Cristina Gomes Negrão (Idealização/Coordenação). Realização NO AR. Universidade Estadual da Paraíba. Museu de Artes Assis Chateaubriand. Campina Grande/PB: 1997.

- MARINHO, Vanildo Mousinho. Performance musical da embolada na Paraíba. Tese de Doutorado. Pós-Graduação em Música. UFBA – Universidade Federal da Bahia. Bahia/BA: 2016.

- MULATINHA, Toinhoho. Toinhoho da Mulatinha e sua biografia. Acervo Átila Almeida: Obras Raras. UEPB. Campina Grande/PB:20--.

- PAIVA, Aparecida. MARTINS, Aracy Alves. PAULINO, Graça. VERSIANI, Zélia. Democratizando a leitura: pesquisas e práticas. Autêntica Editora. Livro digital. Coleção Literatura e Educação. Belo Horizonte/MG: 2004.

- PIZZIGNACCO, Mila M. P. Emboladas tipográficas em Campina Grande-PB: Permanências e rupturas na edição dos folhetos do poeta Tinho da Mulatinha (1925-2016). Instituto de Estudos Brasileiros. Pós-Graduação em Cultura e Identidades Brasileira. USP – Universidade de São Paulo. São Paulo/SP: 2020.

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