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João Benedito: verso e reverso

 

Escritores e folcloristas colocam o nome de João Benedito aparece entre os maiorais da poesia popular, ao lado de Leandro Gomes de Barros, José Duda e Romano. O “Viana de Esperança”, no dizer de Josué da Cruz em uma cantoria.

O Viana de Esperança

Eu ouço desde menino

Tem memória e peito fino,

Canta e glosa abertamente!

Faz gosto ouvir o repente

Do cantador nordestino!

Assim é o trabalho de Márcia Abreu (História de cordéis e folhetos: histórias de leitura), que cita além do nosso poeta esperancense: Inácio da Catingueira, Manoel Cabeceira, Neco Martins e Preto Limão:

Estes cantadores apresentavam-se nas casas-grandes das fazendas ou em residências urbanas, em festejos privados ou em grandes festas públicas e feiras. Alguns permaneciam nos locais em que residiam – suas “ribeiras” – aguardando a chegada de um oponente; outros percorriam o sertão, cantando versos próprios ou alheios, apresentando-se sozinhos ou em duplas. Quando um cantador encontrava-se desacompanhado, e o público desejava desafios, buscava-se um oponente para que pudesse haver peleja” (ABREU: 2006, p. 75).

Nísia Nóbrega também faz a sua lista dos grandes cantadores, onde se destaca João Benedito:

“Pinto, Romano Teixeira, Inácio da Catingueira, João Martins de Ataíde, Ugolino Batista, Romano Elias da Paz, Josué da Cruz, José Alves Ribeiro, e o célebre negro cantador, que de escravo chegou a professor primário: João Benedito” (NÓBREGA: 1995).

Joseph Maria Luyten afirma que “João Benedito, que morreu aos 83 anos em 1943, assegurava que ainda alcançou o tempo em que não se cantava em sextilha” (LUYTEN: 1981).

A tradição ora - escreve Luyten - situa o desaparecimento da quadra no último decênio do século passado.

Nesse sentir, Coutinho Filho apresenta a sua famosa sextilha de cunho filosófico:

Há entre o homem e o tempo

Contradições bem fatais

O homem não faz mais diz,

O tempo não diz mas faz,

O homem não traz nem leva,

Mas o tempo leva e traz!”

Não se tem muita coisa escrita de sua produção, mesmo porque a maioria dos estudiosos afirmam que ele era cantador, de onde se supõe que os versos eram feitos de improviso ou de “repente”, como se diz no Nordeste.

Mas não poderia deixar de fora a belíssima metáfora atribuída por Vicente Salles (Secult: 2005) ao cantador João Benedito:

“O homem pensa que veio

Pr’aqui gozar regalias

Mas ele está enganado

Veio só pra passar uns dias

Quando chegou, nada trouxe

Volta com as mãos vazias”.

Estes mesmos versos são reproduzidos por Zé Marcolino, ao citar o poeta paraibano João Benedito (Fundarpe: 1990).

Júlia Lopes de Almeida chega a afirmar que “João Benedito é um êmulo de Wagner”, registrando a sua origem em nota de rodapé: “João Benedito Viana (1860-1942) cantador popular e repentista, nascido na Paraíba” (ALMEIA: 2021).

João Viana dos Santos ou “João Benedito”, nasceu em Esperança, na Paraíba, no ano de 1860; e faleceu na cidade de Remígio, nesse mesmo Estado, no ano de 1943.

Naelza Wanderley, autora do livro “Versos, viola, sertão”, que cuida da obra completa do cantador Antônio Américo, em seus “Achados poéticos”, narra um fato inusitado:

João Benedito de Esperança, foi um mestre na cantoria e quem cantou mais bonito até 1930 em toda Paraíba. Rei da voz assim dizia quem o conheceu, depois de velhinho, não podia mais fazer as cantorias, sem força, cansado, a voz fraca, porém no dia de feira de Esperança, ele sozinho afinava a Viola e começava a cantar bem devagarinho aí um senhor que gostava de cantoria ia passando, parou e perguntou a outro, ‘quem é este velhinho?’. Quando João Benedito deixou essa deixa:

Por não ter mais com quem cante me abrigo a cantar sozinho.

Aí Nego velho raspou a Viola e respondeu:

Cidadão este velhinho

Se chama João Benedito

Já fui gordo como uma bola

Estou magro como um palito

Cantando assim como feio

Fui quem cantei mais bonito.

Longevo, em sua velhice, Benedito era acompanhado de um moço, e se apresentava nas feiras livres com a sua viola, que trazia dentro de um saco.

Rau Ferreira

 

Referências:

- ABREU, Márcia. História de Cordéis e Folhetos. 2ª Reimpressão. Mercado das Letras. Campinas-SP: 2006.

- ALMEIDA, Júlia Lopes (de). Eles e Elas. Livro digital: 9786599318559, 659931855X. Janela Amarela Editora: 2021.

- FERREIRA, Rau. João Benedito: o mestre da cantoria (um conto de repente). 2ª Edição. Edições Banabuyé. Esperança/PB: 2017.

- LUYTEN, Joseph Maria. A literatura de cordel em São Paulo: saudosismo e agressividade. Volume 23 de Série Comunicação. Edições Loyola, 1981

- MARCOLINO, Zé. Vida, versos, viola. Governo do Estado de Pernambuco. Secretaria de Educação, Cultura e Esportes. Fundarpe: 1990.

- NÓBREGA, Nísia. Varanda: o cotidiano carioca. Rio Fundo Editora: 1995.

- SALLES, Vicente. Mastro Gama Malcher: a figura humana e artista do compositor paraense. ISBN 9788524702891, 8524702893. Secult: 2005.

- WANDERLEY, Neaelza de Araújo. Versos, viola, sertão: obra completa de Antônio Américo de Medeiros. Edufcg. Campina Grande/PB: 2021.


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