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O homem da vaca

 


Altimar de Alencar Pimentel (1936-2008) foi professor, jornalista e dramaturgo. Em sua carreira reuniu várias estórias que foram publicadas em livros. O folclorista era muito festejado na Paraíba, onde se radicou em 1952, destacando-se junto ao Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular/NUPPO.

No livro “Paraíba”, da coleção Contos Populares Brasileiros, produzido pela Fundação Joaquim Nabuco, e editado pela Massangana, há um relato bem interessante fornecido pela Sra. Maria José da Silva, residente em Esperança-PB, no dia 27 de novembro de 1979.

Dada a importância deste conto, reproduzirei aqui com minhas palavras essa estória, aproveitando também, em razão da identidade com o texto, o cordel “O homem da vaca e o poder da fortuna” escrito por Francisco de Sales Arêda (1916-2005).

Diz-se que haviam dois compadres, um rico e um pobre cujo único recurso era uma vaquinha. Certa feita, disse para a mulher que iria vender o animal. Dirigindo-se à cidade, não encontrou quem comprasse; e saiu pelo caminho oferecendo o bicho.

Estrada a foram, a vaca “estropiou”; troco-a num burro. O burro empancou, então trocou numa cabra. Adiante a cabrinha se cansou. Trocou-o num galo.

Adiante, deparou-se com um cidadão, que vinha com um pacote. Era um saco de pão francês, no que o homem prontamente trocou no galináceo. “Vou tomar com café”, disse o pobre.

Ao final daquela jornada, com os pães no bisaco, retornava aquele infeliz para sua casinha no sítio, quando passou por dois matutos falando de troca. Ele então contou-lhes a estória, de como saíra de casa com uma vaca, e voltava com os pães. Todos riram.

Disse ele: eu troquei a vaca

num burro mais um freguês

dei o burro numa cabra

depois no galo pedrez

troquei a cabra e o galo

troquei pelo um pão francês.

 

E disseram ao pobre: quem vai achar ruim é tua mulher, pois trocasse a vaquinha dela num pão francês. “Confie em mim”, disse aquele homem, “minha mulher aceita tudo o que eu fizer!”. E fizeram uma aposta de dez mil réis, que se a mulher reclamasse, o pobre ganharia na hora.

Aceito o desafio partiram os três para o seu destino. Quando o homem chegou de mãos vazias, a mulher perguntou logo: “Cadê a vaca, meu velho? Você conseguiu vender?”.

Ele então lhe explicou o troca-troca, e de como a vaca se transformara num pacote de pães. A cada explicação, a mulher respondia conformada. Vejamos nas estrofes de Francisco Arêda:

A troca da vaca no burro:

Muito bem meu maridinho

Um burro serve demais

Carrega carga e também

Toda viagem se faz

Onde você deixou ele?

Quando é que você trás?

A troca da do burro na cabra:

- Ah, meu velho você fez

Um negócio que convém

Quando você trouxer ela

Não vai chorar ninguém

Porque com o leite dela

Os meninos passam bem.

A da cabra no galo:

- Está bem meu velho

Você acertou agora

Que um galo bom no terreiro

Só vem nos trazer melhora

Quando se for madrugar

O galo acorda na hora.

A do galo nos pães:

- Sim meu velho este negócio

Foi o melhor que já fez

Que está tudo com fome

E sendo assim desta vez

Vai já tudo encher o bucho

De café com pão francês.

 

Diante daquela conformação, ganhou o pobre dos dez réis:

- É verdade disse o homem

Ou mulher besta danada

Perdi dez contos por causa

Dessa velha abilolada

Joaquim bem que me disse

Que a infeliz é conformada.

 

Depois disso o homem prosperou, comprou uma fazenda, dando-lhe o nome de “Homem da Vaca”. Essa é a estória da troca afortunada!

Não estou bem certo se a mulher era assim tão conformada. Tenho por duas hipóteses: 1) era uma crente verdadeira, e como toda boa cristã, seria como a mulher de Provérbios 31; 2) teria escutado a aposta, e fingiu não saber de nada, para ajudar o marido.

E você, o que acha dessa estória? E qual final você julgaria adequado? Coloque nos comentários.

 

Rau Ferreira

 

Referências:

- ARÊDA, Francisco Sales (de). O homem da vaca e o poder da fortuna. Literatura de Cordel. 16 pág. s/d: 1963.

- SITE, Meira Trigueiro. Disponível em: https://meiratrigueiro.blogspot.com/2014/05/altimar-um-garimpeiro-de-estoria.html, acesso em 12/05/2023.

- TRIGUEIRO, Oswaldo Meira. PIMENTEL, Altimar de Alencar. Contos Populares Brasileiros – Paraíba. Fundaj/Massangana. Recife/PE: 1996.

Comentários

  1. Eita que bem gostaria de rimar com uma hipótese, mas fico com a primeira. Nossa fé já nos conduz, meu irmão. Além de estar sob efeito medicamentoso contra as viroses da época, estou produzindo pra Cordelaria Esperança. Convite feito!

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