Frei Caneca (1779-1825) em seu “Itinerário do Ceará” descreve com maestria os dias que se seguiram à sua prisão, até bem pouco antes da sua execução. Em seu diário, narra a passagem por Campina Grande-PB e a impressão que ficou daquele 12 de dezembro de 1824.
No seu trajeto, o clérigo antes
de aportar à “Rainha da Borborema”, passou por “Bonaboiú”, onde pernoitou
próximo à cachoeira de João Saraiva, como o próprio frade descreve:
“Despois de passarmos
ao través do rio das Piranhas, tomamos a travessa para o riacho dos Porcos, e
passando pelas fazendas Lagoa Rachaça e Poço do Cruz, viemos dormir à cachoeira
de João Saraiva, morador em Bonaboiú. Pouco antes de aqui chegarmos, um
soldado, desacauteladamente batendo com o coice da granadeira no chão, e esta
disparando-se, feriu um dos camaradas, passando-o de parte a parte e matou o
cavalo de José da Cruz Gouveia, conselheiro do governo temporário da Paraíba. Neste
dia vencemos cinco léguas de caminho. Na manhã do dia 5 saímos do acampamento
pelas dez horas da manhã, por motivo de se haver sumido uma junta de bois, que
puxavam a artilharia” (MELLO: 2001, p. 589).
Conforme podemos perceber,
o líder e mártir da Confederação do Equador – Frei Caneca – quando de passagem
para Campina Grande, registro inédito da nossa história, teria dormido em
Bonaboiú.
Na sequência, dirigiram-se
à Campina, onde o Frei Caneca permaneceria preso, no edifício mais tarde
ocupado pelo telégrafo, no dia 12 de dezembro de 1824.
A dúvida é a seguinte:
Frei Caneca dormiu em propriedade pertencente a um morador de Esperança-PB, ou
chegou mesmo a ficar em nosso território?
O autor cita o “Riacho dos Porcos” que, na lição precisa de
Epaminondas Câmara, confrontava-se com Lagoa do Mato (Distrito de Remígio) e
Banabuyé (CÂMARA: 1999, p. 58).
João de Lyra Tavares assim descreve a Sesmarias nº 930, em seus
apontamentos territoriais da Paraíba:
“Manoel Gonçalves Diniz, José Barboza, Virissimo Freire, e
Francisco Barboza dizem que no sertão das Alagoas até Bonaboié, entre as
ilhas de João de Moraes, no rio do Araçagy, data do Riachão de Bonaboié,
se acham sobras devolutas, pegando na testada do dito João de Moraes, pegando do
nascente para o poente, Lagoa do Genipapo, Lagôa de Freitas, olho d’água das
Cajaseiras, Lagoa do Matto, Riacho dos Porcos, Tanque Grande e riacho do
Boi, e porque necessitam para seos gados de três léguas de comprido e uma de
largo, ou vice-versa, pedem se lhe concedão por sesmaria. Foi feita a
concessão, no governo de Jeronymo José Mello Castro” (Tavares: 1910, p.
446).
Caneca também menciona a Lagoa Rachada, propriedade sediada no
Município de Brejo do Cruz, conforme consta da Revista do Instituto de
Mineração e Metalurgia publicada no Rio de Janeiro-RJ em 1945, por J. de Lima e
Silva.
O historiador e genealogista Ismaell Bento nos informa que há um “riacho
dos Porcos entre Parelhas e Pedra Lavrada” e “um Banabuiú no Ceará”.
Em outras palavras, não há
como se infirmar que o “Bonabuiú” seja ou não o nosso Banabuyé.
Recolhidos na antiga
cadeia e telégrafo de Campina Grande-PB, Frei Caneca e seus companheiros, passaram
o dia 12 e, na manhã seguinte a turba prosseguiu viagem ao Recife-PE.
Na capital pernambucana, o
religioso fora submetido a julgamento pela Comissão Militar e condenado à morte
por enforcamento, embora não houve carrasco que demonstrasse coragem de
proceder a tal ordem.
Professor de retórica,
geometria e filosofia, conhecido pelos seus ideais políticos (não obstante as
obras sociais que empreendeu durante a sua vida religiosa), o frade impunha
certo respeito a seus opositores e temor reverencial ao povo nordestino.
Rau Ferreira
Referências:
- ALMEIDA, Elpídio de.
História de Campina Grande. Edic̜ões da Livraria Pedrosa: 1962.
- CÂMARA, Epaminondas. Os alicerces de Campina Grande:
esboço hitórico-social do povoado e da vida, 1697-186. 3ª Edição. Editora
Oficinas Gráficas da Livraria Moderna. Campina Grande-PB: 1999.
- CANECA, Joaquim do Amor
Divino. Obras políticas e litterarias - Compilado por Antonio Joaquim de Mello.
Reimpressão. Typ. Mercantil: 1875.
- INSTITUTO DE MINERAÇÃO E METALURGIA, Revista (do). J. de Lima e Silva Editor. Rio de Janeiro-RJ: 1945.
- MELLO, Evaldo Cabral de (Org.) Frei Joaquim do Amor
Divino Caneca. Editora 34. São Paulo/SP: 2001.
- RIBEIRO, Hortênsio de
Souza. Vultos e fatos. Secretaria Estadual de Cultura. João Pessoa/PB: 1979.
- SERAFIM, Péricles Vitório. Remígio: Brejos e
Carrascais. Editora Universitária. João Pessoa/PB: 1992
- TAVARES, João de Lyra. Apontamentos para a história
territorial da Parahyba. Edição fac-similar. Coleção Mossoroense. Vol. CCXLV.
Senado Federal: 1982.
Comentário do Prof. Josemir Camilo de Melo: "Parabéns! Só não estou certo se foi na volta; vou ter que reler o seu "itinerário"! Mas você retomou bem o "mote"!", via WhatsApp em 07/05/2023.
ResponderExcluirExcelente texto !
ResponderExcluirComentário do Professor Francelino Soares de Souza: "Sob todos os aspectos, independentemente da conclusão a que se chegar, é louvável a busca da realidade dos fatos, o que não é de admirar, em se tratando de Rau Ferreira, um devotado cultural da Memória esperancense.
ResponderExcluirMerece nossos aplausos!", via WhatsApp em 08/05/2023.
Comentário de Flávio Ramalho de Brito: "Essa dúvida sobre os passos de Frei Caneca antes de chegar a Campina, levantada por Rau Ferreira neste artigo, só pode ser originária de um pesquisador atento e rigoroso como ele o é", via WhatsApp em 08/05/2023.
ResponderExcluirComentário de José Henriques da Rocha: "Na realidade a nossa região nordestina sempre foi alvo de passagens meteorológicas de muitas e muitas figuras que adentraram Brasil adentro em missões seja cristã ou política e, uma das RODOVIAS DE PEDESTRES E ANIMAIS foram sem sombra de dúvidas a Rainha da Borborema e a antiga Banabuie pela localização geográfica que dava acesso aos 04 postos cardeais. Lembro da história de Frei Venâncio q tb pir aqui passou e se aportou dando início a fé católica pelos que aqui habitavam e para outros que pernoitavam ou transitavam" (via WhatsApp em 09/05/2023)
ResponderExcluirSó nos resta parabenizar o amigo por seus esforços e aguardar, na certeza de que novos registros serão lidos, dando conta se a rota e linha de tempo faria o Frei pernoitar no Ceará ou por aqui.
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