Prédica é um discurso ou sermão redigido pelo
religioso, que se diferencia da homilia porque essa é dirigida às celebrações
sacramentais.
A peça que temos em mãos é uma prédica
escrita pelo Monsenhor Manoel Palmeira da Rocha por ocasião de seu curso de Teologia
em Roma, escrita na quaresma de 1976. Esta nos foi doada por Ônio Emmanuel
Lyra, Oficial do Registro Civil, filho de José Lyra de Souza, que foi colega de
seminário do Monsenhor Palmeira.
Devido a sua importância histórica,
resolvemos reproduzir, ipsi litteris este discurso do Monsenhor
Palmeira. Nos reservamos, porém, sobre certos aspectos da doutrina católica, já
que confesso a fé protestante, que considera a salvação como graça de Deus, que
independe das obras, e que é dom de Deus, concedida aos seus eleitos desde o
princípio dos tempos.
Pois bem. Vamos ao texto produzido pelo
Monsenhor Palmeira para a “Università Pontificia Salesiana”, da ordem de S. J.
Dom Bosco, sediada em Roma:
“O Mistério Pascal, a Vitória de JESUS sobre a morte,
é convite para uma reflexão, em torno da vida. A Natureza é um livro aberto.
Desde a expressão mais simples de vida, a planta, podemos entender, que se
trata de movimento, crescimento e realização. E assim acontece nos vegetais e
animais. Em relação ao homem, houve uma predileção da parte do Criador,
concedendo-lhe o poder de pensar, querer e amar. Portanto uma possibilidade
mais fecunda e conscientemente. Rompido este Plano de Deus, pela queda
original, veio Jesus Cristo, seu Filho, Deus e homem para restaurar. Viveu como
nós, morreu realmente, ressuscitou, vive em nosso meio e disse: “Eu sou a
vida”. “Quem crê em mim, ainda que esteja morto viverá”.
Um olhar sobre a realidade da vida dos nossos
irmãos, nos conduz a um horizonte vasto e impressionante. Todo homem nasce para
ser feliz, na transitoriedade do tempo, preparando-se para uma glória plena e
eterna. Durante sua trajetória no mundo, deve crescer sempre. Suas faculdades
de pensar, querer e amar o possibilitam para uma descoberta contínua de novos
elementos, que venham atender ao seu desejo de progresso. Está no coração
humano, uma sede do Infinito. Queremos sempre mais amor, sabedoria, riquezas etc.
Se a inquietude humana ficasse apenas neste plano, ainda se entenderia, em
virtude de nossa condição de peregrinos. Os grandes heróis de todos os tempos
viveram este drama de Procura constante e de insatisfação com os bens
transitórios (GS 41). O Homem sente um impulso para os VALORES TRANSCENDENTAIS,
porque foi criado para a vida em plenitude.
A Problemática de nosso mundo nos interpela.
Os seres inferiores se realizam, e por que não o homem? Fala-se de Paz e
gastam-se fortunas com instrumentos de guerra. As riquezas ficam nas mãos de
poucos, enquanto uma grande maioria morre de fome. Proclama-se a Justiça, a
Libertação, enquanto que o ódio campeia, em todas as classes a começar de
inúmeros Lares, onde o AMOR desapareceu. Os jovens, na pujança de sua nova
idade, percebem as incoerências dos prepotentes. Seu protesto aparece em
variadas formas de contestação. Por vezes, sem condições para uma luta de maior
alcance, tomam atitudes esquisitas entregando-se ao desprezo, às drogas, ao
pan-sexualismo, à promiscuidade, como acontece com os “Hipies” em grande parte.
O Egoísmo de muitos se faz proliferar a prostituição. Quantas pessoas
infelizes, pela escravidão de uma vivência que não querem, mas são obrigadas!
Sente-se a pressão de uma “Sociedade de consumo e Permissiva”, com o predomínio
do dinheiro e do prazer.
A Família é uma das maiores vítimas. Faltando
o AMOR, no sentido de doação, serviço e promoção do bem do outro, de
comunicação interpessoal, as consequências são trágicas – Divórcio, Aborto,
Desquites, Instrumentalização da pessoa, como objeto de prazer e o abuso dos
anticoncepcionais. Enfim Carência de preparação para o Casamento, quase
relegado a um plano esportivo, aventureiro, descendo às experiências
pré-nupciais, com consequências imprevisíveis de “amor”, que se transforma em
ódio, desprezo, e às vezes morte, suicídio ou homicídio. O HOMEM FEITO PARA A
VIDA, e de testa com a morte constantemente, nos planos físico, moral e
espiritual!
NESTA CELEBRAÇÃO LITÚRGICA DA RESSUREIÇÃO DO
SENHOR, temos mais uma oportunidade para tomada de consciência. DEVEMOS
REFELTIR. Um dos mais célebres Profetas, antes de Jesus Cristo, disse – A terra
está desolada, porque não há mais tempo para se pensar”. Como esta ADVERTÊNCIA
é atualíssima! Por que o Plano de Deus, frustrado? Por que a Vocação do Homem
não se realiza?
A VIDA DE JESUS CRISTO é uma síntese
luminosa, nestas interrogações, que nos assaltam. ELE veio ao mundo trazer “LUZ
E VIDA” para todos os homens. A essência da Religião é o nosso RELACIONAMENTO
com a PESSOA DE CRISTO e dos irmãos. Não havendo isto, tudo o mais se ofusca.
Urge conhecer e amar JESUS CRISTO (GS 10). É natural que vibremos diante dos
grandes personagens. Procura-se imitar os Cantores, os Esportistas, os Oradores
etc. SER CRISTÃO é seguir a CRISTO, que veio para amar a todos, servindo. Viveu
a tragédia dos problemas humanos até ser crucificado. Mas uma dominante, em sua
vida, era FAZER A VONTADE DO PAI, sem cruzar os braços, firme em sua jornada de
Profetismo. E pensando nos homens de todos os tempos, em nós de 1976, ELE
assegurou suas permanência, a fim de que possamos ser fieis, caminhando juntos
como irmãos, como Igreja, sem temer as ameaças dos prepotentes, que sempre
haverá. Precisamos estar unidos, como nos adverte o Concílio – IGREJA PEREGRINA
PARA SALVAÇÃO DE TODOS OS HOMENS JUNTOS.
Os Discípulos de EMAÚS (Lc. 24, 13-35)
viveram a intensidade de graves problemas. Tristes caminhavam conversando. Não
se isolaram. Cada um procura apoio no outro. APARECE JESUS, que eles não
reconhecem, por causa de sua angústia. Mas aceitam o novo COMPANHEIRO de
caminhada e de conversas. Experimentam, então uma nova coragem. Chegando à
casa, JESUS demonstra que deseja ir a diante, mas eles sem ainda O
reconhecerem, dizem – FICA CONOSCO, porque é noite e TUA PALAVRA nos faz bem.
JESUS SEMPRE ATENDE A QUEM O PROCURA. Permaneceu com eles, no mesmo ritmo de
conversa cordial até o momento do jantar. Quando JESUS TOMOU O PÃO, ABENÇOOU E
PARTIU, então eles reconheceram JESUS RESSUSCITADO. Mas JESUS desapareceu de
sua presença. Emocionados profundamente disseram – POR ISSO QUE O NOSSO CORAÇÃO
SE ABRASAVA, QUANDO ELE NOS FALAVA. Partiram imediatamente à procura dos
companheiros também aflitos para repartir o PÃO DA ALEGRIA, DA PAZ, E DA
VITÓRIA. – ESTE EVANGELHO ilumina o mundo de hoje. JESUS nos assegura sua
presença através da história, para que os CEGOS VEJAM, os LEPROSOS SEJAM
CURADOS, os AFLITOS ENCONTREM A PAZ E ESPERANÇA, os MARGINALIZADOS, AMOR E
JUSTIÇA, os MORTOS RRESSUSCITEM. Tudo isto considerado em sentido natural e
sobrenatural. JESUS É O LIBERTADOR de todos aqueles que O procuram e não se
isolam, mas juntamente com os irmãos caminham buscando acertar (GS 41). Os
Discípulos de Emaús teriam desesperado se ficassem isolados, cada qual em seu
egoísmo, gemendo sua dor. Se igualmente não tivessem escolhido mais aquele
terceiro desconhecido, que apareceu. E se ainda não o tivessem convidado para
pernoitar e jantar em s/ casa.
Diante da problemática dos tempos atuais, as
nossas atitudes devem ser as mesmas. É notório o fracasso dos adoradores dos
ídolos modernos do EGOÍSMO, Tecnologia e “Promocionismo”. – Enquanto confiamos
no Homem, e o procuramos, como imagem de DEUS para fazer-lhe o bem e comunicar
calor humano, o PRÓPRIO DEUS age sobre nós. – Somos o POVO DE DEUS, isto é, uma
FAMÍLIA, uma COMUNIDADE, então temos que nos ajudar. Não se entende uma família
sem comunicação, cooperação e interação. Somos responsáveis uns pelos outros. Não
se trata de privilégio ou responsabilidade de Hierarquia, mas de IGREJA, que
somos todos nós juntos, POVO DE DEUS E HIERARQUIA. Uma vez que despertemos para
esta realidade, de um POVO, que deve CAMINHAR procurando solução de seus
problemas, teremos sensibilidade para os sofrimentos dos nossos irmãos
injustiçados. Então os amaremos muito mais, e o ESPÍRITO SANTO suscitará as
atitudes concretas, que devemos assumir. JESUS ENSINOU – “QUE TODOS SEJAM UM”.
A sabedoria popular repete “QUE A UNIÃO FAZ A FORÇA”. Precisamos dar atenção a
estas inspirações do ALTO, até que haja “NOVOS CÉUS E NOVA TERRA”.
ALGUMAS EXPERIÊNCIAS CONCRETAS podem servir
para confirmar tudo isto. Na Alemanha, “ADVENIAT” e “MISEROR”. No Brasil, a “CAMPANHA
DA FRATERNIDADE”. E ainda o MOVIMENTO ECUMÊNICO, as COMUNIDADES DE BASE, uma
IGREJA que surge entre os humildes. Às vezes parece sonho utópico, que se
transforma em realidade quase miraculosa, quando somos conscientizados
autenticamente. Conhecemos pequenas Comunidades Rurais, sem condições humanas,
quase nenhuma, que despertando, entraram em atividade, e a maneira de viver
mudou completamente. Isto acontece, porque JESUS ESTÁ PRESENTE, no decurso da
história dos homens, exercendo sua MISSÃO LIBERTADORA, por nosso intermédio. E vale
ressaltar, que quando nós nos unimos assim, em ligação com a Hierarquia, somos
IGREJA, em todo o sentido da palavra, cuja ALMA É O ESPÍRITO SANTO, para
realizarmos o PROFETISMO, pela PALAVRA e pela AÇÃO. E A VIDA SE TORNA LITURGIA
(LG 26).
A RESSUREIÇÃO DE JESUS CRISTO não foi sua
vitória pessoal, mas de todos nós. Podemos vivenciar o MISTÉRIO PASCAL,
crescendo, pela RENOVAÇÃO INTERIOR, CONERSÃO CONSTANTE e tornando os outros
felizes, na proporção de nossa DISPONIBILIDADE E RECONCILIAÇÃO, servindo e
caminhando juntos.
ACREDITEMOS EM JESUS RESSUSCITADO, que nos
acompanha, esperando, que como pessoas humanas livres, espontaneamente o
escutemos. “EU SOU O BOM PASTOR, QUE DÁ A VIDA PELAS OVVELHAS”. “EU VOS DOU UM
MANDAMENTO NOVO, QUE VOS AMEIS UNS AOS OUTROS, COMO EU VOS TENHO AMADO”. Ele
quer que nós assumamos suas atitudes pastorais, e, nos tranquilize afirmando – “EU
VIM PARA QUE TODOS TENHAM VIDA”. Permanecerei perto de cada um e de todos para
que possam CAMINHAR, realizando no AMOR E NA JUSTIÇA, um MUNDO MELHOR até o TRIUNFO
DEFINITIVO” (Roma, Fevv. 1976.
P. Manuel Palmeira).
Há de se distinguir, diante desta prédica, a
doutrina católica da evangélica. A primeira pressupõe a justificação pelas
obras, enquanto que o protestantismo defende a justiça pela fé, por graça de Deus.
Segue-se as passagens deste argumento:
“Mas cremos que seremos salvos pela graça do Senhor
Jesus Cristo, como eles também” (Atos 15:11).
“Por isso nenhuma carne será justificada diante dele
pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado” (Romanos
3:20).
E na Carta aos Gálatas, Paulo retoma o tema:
“E é evidente que pela lei ninguém será justificado
diante de Deus, porque o justo viverá pela fé” (Gálatas 3:11).
Concluindo o pensamento quando escreve aos
Efésios:
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto
não vem de vós, é dom de Deus” (Efésios 2:8)
Dom Manuel Palmeira da Rocha nasceu em 02 de
março de 1919. Era filho de Luiz José da Rocha e Ana Palmeira da Rocha.
Administrou a Paróquia do Bom Conselho por
longos 29 anos. “Fiz ciente a paróquia que vim a serviço da obediência” (Padre
Palmeira, Livro Tombo I, p. 130), enfatizou ele em seu discurso de posse.
A sua administração foi interrompida uma
única vez, entre 1975 e 1976, quando participou de um curso teológico em Roma,
obtendo aprovação máxima.
Agradecemos ao Oficial Ônio Emmanuel Lyra que
sempre nos tem presenteado com joias desta natureza, materiais históricos de
seu rico acervo.
Rau Ferreira
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