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Romaria do Carmo (1952)

 


O Padre Zé Coutinho era devoto de Nª Sª do Carmo e por muitos anos serviu a Ordem Terceira. Desde que assumiu o cargo de Capelão (1926) e, por vinte anos seguintes, em que esteve a frente do comissariado, promoveu inúmeras mudanças em prol dos “carmelitas”:

restabelecendo o antigo esplendor das novenas de Nossa Senhora do Carmo, lembrando os saudosos tempos de Frei Alberto, reorquestrando e compondo novos números - Flor do Carmelo e Nossa Senhora do Carmo - para esta tradicional festa religiosa Novena de Santa Tereza, A Missa dos Carmelitas e o Te Deum de Santa Terezinha” (NOBREGA, 1997, p. 15).

Segundo o seu biógrafo e médico particular – Dr. Humberto Nóbrega – “ele sempre pedia a N. S. do Carmo que, em seus últimos momentos, fosse assistido por um sacerdote”.

Também amava a sua terra natal. Ele mesmo declarou isso, deixando registrado em cartório o local de seu nascimento: “Nasci em Esperança [...], numa quinta-feira, na Primeira Casa da Rua do Sertão, naquela época, hoje Sólon de Lucena, esquina direita para quem entra pela rua Principal, vindo do lado da Igreja” (Livro B-2, Págs. 38/39).

Esses fatos, em conjunto, talvez tenham motivado a peregrinação da Virgem do Carmo para esta cidade de Esperança, ocorrida em 1952. A bênção da imagem havia sido concedida ainda naquele ano, cujo ato litúrgico fora presidido pelo Arcebispo Metropolitano:

Telegrafei aos exmos. Senhores D. Anselmo Pietrulha, Bispo de Campina Grande, Francisco Avelino e Padre Manoel Palmeira, Prefeito e Vigário do ‘Lírio Verde da Borborema”, à venerável Ordem Terceira do Carmo Campinense, convidando-as para assistirem à benção desta imagem, cuja invocação é tão cara a todos nós” (O Norte, Nº 717: 1952).

A meu ver, esse foi o primeiro passo para se organizar a “romaria”, conforme confessa o Padre Zé, em artigo publicado em 25/07/1952, no jornal “O Norte”:

Apesar de ter nascido no ‘Lírio Verde da Borborema’, terra que muito estimo, nunca pude fazer cousa alguma pelo meu torrão natal.

É bem verdade que procuro, na medida do possível, ajudar os esperancenses pobres, que me procuram, na capital de nosso Estado, onde resido [...]” (O Norte, Nº 717: 1952).

Na sequência, o vigário escreve que não tem se afastado de suas funções, passando quase vinte anos sem “arredar o pé da capital” e que o Padre Palmeira já havia marcado a data de 16 de novembro para aquela romaria, com previsão de passar em Areia, onde deixaria uma “gameleira” para se plantar ali, e Remígio, antes de chegar em Esperança.

“[...] Em Esperança, salvo ordem em contrário, esperamos chegar às dez horas, para a missa cantada.

Pelo que soubemos, nesta cidade, serão preparados grandes festas em honra de N. Senhora do Carmo e S. Simão Stock, cabendo a última palavra ao revdmo. Vigário local, Padre Manoel Palmeira, cujos desejos acataremos.

[...]. Pelo exposto acima, os católicos de todo Estado estão vendo que a próxima romaria da Virgem Peregrima, de Esperança igualzinha a que voou pelos céus do Brasil, vai constituir um triunfo enorme para nossa Santa Religião” (O Norte, Nº 717: 1952).

Em escrito posterior, também d’O Norte (Edição nº 793) o Padre Zé nos informa que já estavam sendo feitos os preparativos, onde “Toda cidade ou melhor município, com seus trinta mil habitantes, está inteiramente mobilizado, não só para receber a nossa Mãe do Céu, com as maiores festas, como também que muitas preces, vigílias e penitencias seja feitas, em sua homenagem, ficando em casa apenas os que não podem vir de maneira alguma – crianças, velhos e doentes”.

Padre Palmeira, pelo que se percebe, não media esforços para receber a comitiva, tanto que o Monsenhor Coutinho em carta conferencia:

“[...] em Esperança esta preparação não entra nos meus propósitos. Porque sei que você fará uma verdadeira cruzada de ‘preces e penitências’, durante estes dias. Assim sendo, a nossa Festa será muito vistosa e sobretudo muito piedosa”.

A exceção de algumas notas, como de guardar água fria, bom café e lanches, não transparecia o Padre Zé qualquer preocupação com a recepção esperancense, deixando claro que de fora viriam cerca de mil pessoas, que ficariam hospedadas aqui durante a peregrinação.

Todos aqui sabem que você deseja nos oferecer tudo, em matéria de homenagem, com plena cooperação dos seus paroquianos, sem exceção”, complementa o Padre Zé em sua missiva.

O Monsenhor Coutinho havia providenciado a doação de uma imagem do Carmo, que seria entregue naquela Romaria. Em retribuição, os esperancenses, de igual forma, presentearam o “padre dos pobres” com uma imagem do Bom Conselho, de maneira que haveriam duas procissões: uma de João Pessoa à Esperança, com a Virgem do Carmo; e outra de volta, com N. S. do Bom Conselho.

Pessoas fidedignas me comunicaram, que processa-se, em Esperança, um movimento para que, em retribuição, pela Virgem Peregrina do Carmo, que doei à minha terra natal, seja oferecida, à colônia esperancense, desta capital, por meu intermédio, uma imagem de N. S. do Bom conselho, Padroeira do ‘Lírio Verde da Borborema’, igualzinha a que se venera, em sua belíssima Matriz.

[...]. Se isto se suceder, a romaria de dezesseis de novembro próximo terá uma beleza extraordinária.

Porque, haverá duas procissões, daqui até Banabuié, uma na ida e outra volta dos romeiros” (O Norte Nº 747: 1952).

Falava-se, à época, que se a imagem encomendada pelos esperancenses não chegasse a tempo, os romeiros levariam “com refém” a Virgem do Bom Conselho da própria igreja de Esperança, e só a devolveriam quando a que fosse adquirida chegasse à Capital.

A doação da imagem padroeira de Esperança partira do Prefeito Francisco Avelino para ser ofertada aos esperancenses que residiam em João Pessoa

A romaria em Esperança tinha um costume em especial: as pessoas vestiam-se de branco. “Porque esse costume” – esclarece Padre Zé – “terno alvo e calçado negro – há muitos anos, é traje de rigor das grandes festas religiosas da minha querida Esperança, a terra abençoada onde nasci” (O Norte Nº 773: 1952).

As impressões do Padre Zé com relação a essa peregrinação foram das melhores: “Esperança nunca tinha acolhido e dificilmente acolherá depois tanta gente, talvez mais de quarenta mil pessoas, multidão esta bem documentada, em retratos, de que oportunamente serão publicados clichês” (O Norte nº 828: 1952).

A única contrariedade, confessa Monsenhor Coutinho, é que a imagem doada por Chico Avelino não ficara pronta a tempo, e não se pode fazer a dupla romaria, com a volta da Virgem do Bom Conselho à Capital do Estado:

É bem verdade que vinha, como refém, a antiga substituída, desde 1939, por uma mais perfeita, no altar-mór, a que está exorta, na Sacristia da Matriz local, a primeira que o povo esperancense conheceu [...]. Porque a que ofereceu à Colônia Esperancense, nesta Capital, o Prefeito Francisco Avelino (encomenda feita por meu intermédio) não ficou pronta, em tempo.” (O Norte nº 828: 1952).

A passagem da imagem peregrina em nosso município pode ser lida no link: https://historiaesperancense.blogspot.com/2017/04/passagem-da-imagem-peregrina-do-carmo.html, publicado nesse blog.

 

Rau Ferreira

 

Referências:

- ESPERANÇA, Cartório de Títulos e Documentos. Declaração para Perpétua Memória, do Monsenhor José da Silva Coutinho. Livro B-2, Págs. 38/39. Esperança/PB: 1972.

- MATTOS, Amarilis Rebuá (de). BLANCO, Pablo Sotuyo. A iconografia do Pe. José da Silva Coutinho na construção de uma autoria atribuída. Anais do 3º CBIM - Congresso Brasileiro de Iconografia Musical. PPGMUS-UFBA. ISSN 2318-7026. BA: 2015.

- NÓBREGA, Humberto. Meu depoimento sobre o Padre Zé. Edições UFPB. João Pessoa/PB:1986.

- O NORTE, Jornal. Edições Nºs 717, 718, 747, 773, 786, 793 e 796, publicados em 13 e 25/07, 21/08, 19/09, 07, 15 e 18/10. João Pessoa/PB: 1952.

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