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O povoamento do Lyrio Verde nos registros paroquiais

 Por Ismaeel Filipe da Silva Bento*

       Milena de Farias Dôso** 

A primeira vez que o nome Banaboé aparece nos registros paroquias de Alagoa Nova, se dá no ano de 1851, em um assento de casamento, realizado “no lugar Banabue”. Apesar da região aparecer pela primeira vez nos documentos de Alagoa Nova, o nome da região já era o mesmo pelo menos desde 1757, numa carta do Capitão-mor Clemente do Amorim e Souza (FERREIRA, 2015), e posteriormente em 1778, quando aparece na sesmaria concedida a Luís Barbosa da Silva. (TAVARES, 1910).

No assento abaixo, é possível identificar o padre que realizou o primeiro matrimônio que se tem notícia na região onde hoje é Esperança, além do pároco, também sabemos quem são os noivos, seus respectivos pais e testemunhas:

Aos treze de novembro de mil oitocentos e cincoenta e um, no lugar de Banabue em casa particular de Severino de Medeiros Lima; ao depois de feitas as denunciações do estillo sem impedimento algum e perante as testemunhas José de Barros Cavalcante, e Thomaz Dinis da Penha, brancos, e casados, moradores nesta freguesia ajuntei no vinculo de matrimonio a João Ferreira da Silva, com Alexandrina Maria ao depois de confessados e examinados em Doutrina Christã, digo receberão as Benções Nupciais conforme Ritual Rumano, e para constar mandei fazer o presente assento em que me assigno. O Vigarº José Ambrosio da Costa Ramos” (Livro 01 de casamentos da Paróquia de Santana, Alagoa Nova – PB, p. 65v).

No lugar onde hoje é a cidade de Esperança, foi fundada uma fazenda que levava o nome de Banaboé, que teria durado até 1860 (JOFFILY, 1892) ou 1862 (CAMARA, 1947). A partir dessas datas, o pátio da fazenda já contava com um bom número de casas, o que mostraria o desenvolvimento de um povoado no lugar. Em nossas buscas nos livros de casamento, pelo menos até o ano de 1865 o padre não fazia menção ao povoado, apenas ao “lugar” e ao “sítio” Banaboé.

É exatamente nos registros de 1867 que começam a aparecer a menção ao povoado de Banaboé, durante a década de 1860 é de se supor que as famílias foram se assentando próximo ao açude que existia no lugar, também chamado de Banaboé, onde se desenvolveram ao ponto de chamar a atenção do padre de Alagoa Nova, que passou a considerar o que antes era um “lugar” ou “sítio”, como povoado:

Aos três de outubro de mil oitocentos e sescenta e sete, no Povoado de Banabuié d’esta Freguesia de Alagôa Nova, depois de confessados e examinados em Doutrina Christã na forma do Cont. Trid. assisti ao sacramento de matrimonio de meos parochianos Ribeiro de Sousa Maria, e Maria Thereza de Jesus, e logo receberão as benções nupciais na forma de Rit. Rom. Perante as testemunhas Manoel Francisco de Andrada e Francisco da Costa de que para constar mandei fazer este assento em que me assigno. O Vigarº José Antunes Brandão” (Livro 01 de casamentos da Paróquia de Santana, Alagoa Nova – PB, p.185).

As datas do documento não desmentem os historiadores citados acima, mas corrobora com suas falas, trazendo dados aproximados do período que se desenvolveu o povoado de Banaboé. Como em seus livros não é citado os registros paroquiais, apenas relatos orais, as fontes trazidas por nós ajudam a fortalecer a narrativa a respeito dos primeiros anos de povoamento da região.

Em boa parte dos casamentos realizados na freguesia de Alagoa Nova, os padres que faziam os registros mencionavam onde foram realizadas as cerimônias, sendo nos sítios, em oratórios privados, nas capelas ou na Matriz de Santana. Nos primeiros anos que a povoação de Banaboé é mencionada nos documentos, não há citação alguma de casamentos realizados na Capela local, apenas cita-se a região ou que foi realizado em oratório.

Segundo a tradição oral da cidade “Frei Venâncio foi o primeiro missionário a celebrar missa na antiga Banabuyé. Ele teria iniciado no ano de 1860 a construção de uma capela sob a invocação de Nossa Senhora do Bom Concelho, concluída em dois anos.” (FERREIRA, 2015, p. 55). Apesar de que em momento algum é mencionado o nome de Frei Venâncio nos registros de Alagoa Nova, também não há sinal de uma capela durante a década de 1860.

A capela aparece pela primeira vez na documentação no ano de 1873, o que nos leva a pensar nas seguintes hipóteses. A igreja poderia ter sido construída nas primeiras décadas de 1860, porém ainda não havia sido abençoada pelo Bispo, e como na época a Paraíba estava vinculada a diocese de Olinda e Recife, pode ter demorado até que as autoridades eclesiais tomassem conhecimento da construção, e enviassem algum sacerdote para oficializar a construção.

Uma segunda hipótese é a de que a construções foi iniciada tardiamente, uma década depois a que a tradição oral menciona. De toda forma, abaixo trazemos a transcrição do documento, que foi escrito da seguinte maneira:

Aos cinco de janeiro de mil oitocentos e setenta e três na Capella da Esperança de licença minha o Rº Frei Joaquim da Santíssima Trindade Cordeiro assistio ao sacramento de matrimonio de meus parochianos Renovato Barboza dos Santos, com Getrudes d’Athaide Cavalcante, perante as testemunhas Bento Francisco da Cunha e Francisco da Cunha Beserra, e logo lhes dei as benções nupciais na forma de Rit. Rom. de que para constar fis este assento em que me assino. Vigarº José Antunes Brandão” (Livro 02 de casamentos da Paróquia de Santana, Alagoa Nova – PB, p. 40v).

De acordo com a tradição oral da cidade, o povoado teria mudado de nome 2 vezes, sendo suas denominações “Banabuié (até 1870); Boa Esperança (1872), e finalmente Esperança (1908)” (FERREIRA, 2015, p.39). O nome teria sido mudado pelo padre Ibiapina, após sua passagem pela região, todavia, o único padre que traz consigo o sobrenome Ibiapina que aparece nos registros de Alagoa Nova é o padre Ignácio Ibiapina Sobral, não o famoso pe. José Antônio de Maria Ibiapina, sendo que o primeiro surge nos registros no ano de 1881.

Abaixo transcrevemos um dos assentos de casamento celebrado pelo pe. Ignácio Ibiapina Sobral:

Aos deseceis dias do mês de novembro de mil oitocentos e oitenta e um nesta Povoação da Esperança da Freguesia de Alagoa Nova, ao depois de feitas as denunciações do estillo na forma do Cont. Trid. sendo confessados e examinados em Doutrina Christã, o Reverendíssimo Coadjuntor Padre Igancio Ibiapina Sobral Fiel assistio ao sacramento de matrimonio de meos parochianos Antonio Pereira dos Santos, e Maria Avelina da Conceição, presente as testemunhas Casemiro Pereira e Manoel Pedro do Nascimento, moradores desta Freguesia de Alagoa Nova, logo lhes dei as benções nupciais na forma de Rit. Rom. do que para constar fis este assento em que me assino. Conego Vigarº José Antunes Brandão” (Livro 03 de casamentos da Paróquia de Santana, Alagoa Nova – PB, p. 17v).

Já nesse outro assento da paroquia alagoa-novense é possível perceber que o nome Esperança já se configurava no ano de 1877, como mostra o documento a seguir:

Aos doze de fevereiro de mil oitocentos e setenta e sete o Rº Pe Santino Maciel de Athayde de licença minha assistio o sacramento de matrimonio de meus parochianos José Alves Pereira e Rozalina Maria da Conceição na Capella de Esperança desta Freguesia, e logo lhes dei as benções nupciais na forma de Rit. Rom. perante as testemunhas Avelino Raimundo de Maria e [...] Alves Pereira, de que para constar fis este assento em que me assino. Conego Viarº José Antunes Brandão” (Livro 02 de casamentos da Paróquia de Santana, Alagoa Nova – PB, p. 91v).

Sendo que o nome Boa Esperança só apareça nos assentos de 1891, praticamente 20 anos depois da data mencionada por FERREIRA, ou seja, 1872. A transcrevemos da seguinte forma:

Aos cete de janeiro de mil oitocentos e noventa e hum na Capella da Bôa Esperança de Nossa Senhora do Bom Conçelho depois de feita as denunciações do estillo na forma do Cont. Trind. sendo confessados e examinados em Doutrina Christã os meus parochianos José de Lemos de Vasconcellos e Anna Maria da Conceição presente as testemunhas José Pereira Brandão e José Ferreira do Carmo, e logo receberão as benções nupciais do Rit. Rom. Feito este sacramento pello Pe Alipio Emiliano Cordeiro da Cunha. E para constar mandei fazer este acento em que eu mi assigno. Conego Vigarº José Antunes Brandão” (Livro 05 de casamentos da Paróquia de Santana, Alagoa Nova – PB, p. 1v).

Para finalizar, gostaríamos de trazer uma reparação histórica as pessoas escravizadas na nossa região. O escritor Coriolano de Medeiros, em seu “Dicionário Corográfico do Estado da Paraíba”, afirma a frase seguinte “O elemento negro deu fraca contribuição” (2016, p. 91), referindo-se à participação de pessoas negras na formação da sociedade esperancenses.

O que ao nosso ver é um equívoco de Coriolano, mesmo entendo seu lugar social e tempo histórico ao qual viveu, não poderíamos deixar de apontar tal fato. Pois o primeiro prefeito da cidade de Esperança era um homem negro, durante o povoamento da região houveram sim pessoas negras, como é possível ver na documentação.

Muitos esperancenses são descendentes de homens e mulheres negros, escravizados ou libertos, mas foram. O número de pessoas negras é bastante relevante nos assentos, e abaixo trazemos a transcrição de um casamento duma pessoa escravizada realizado na paróquia de Esperança, e em seguida um batismo de uma criança negra, filha de uma mulher em condição de escravidão.

O primeiro documento é o de casamento:

Aos seis de novembro de mil oitocentos e sescenta e sete no Povoado de Banabuié d’esta Freguesia, depois de confessados e examinados em Doutrina Christã na forma do Cont. Trid. assisti ao sacramento de matrimonio de meos parochianos Justino escravo de Dioniciano Gomes [...], com Francisca Maria de Jesus e logo receberam as benções nupciais na forma de Rit. Rom. Na presença das testemunhas Antonio de Lima Souza e Antonio Luis de Lima, e para constar fiz este assento em que me assigno. O Vigarº José Antunes Brandão” (Livro 01 de casamentos da Paróquia de Alagoa Nova – PB, p. 185v).

Agora o segundo documento:

Aos trinta e um de janeiro de mil oitocentos e sescenta e quatro, no lugar Banaboe desta freguesia de Alagoa Nova de minha licença o Reverendíssimo José Apolinario Gomes da Silva batizou solenemente a parvula Maria, pardo com idade de quinse dias filha natural de Thereza, escrava de Joaquim José Gonçalves, padrinhos Eloy de Sá Gurjão, e Maria Joaquina do Espirito Santo moradores nesta fregª. E pª constar mandei fazer este assento em q me assignei. O Vigarº José Antunes Brandão” (Livro S/N de batismos da Paróquia de Alagoa Nova – PB, p. S/N).

Graças a essa documentação, podemos provar a existência de pessoas escravizadas na região, mesmo que em um número menor que em outras freguesias. E por volta da metade do século XIX, momento em que foram feitos esses assentos, o número de escravizados na Paraíba já era bem menor do que em outros momentos da história da escravidão.

 

Ismaell Bento/ Milena Dôso

 

* Mestrando em História pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB.

** Graduanda em História pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB

 

Referências:

- ADILSON FILHO, José. A história local em tempos de globalização. In: ____, SANTANA, Flávio Carreiro de (Org.) História: tramas do tempo, impressões do vivido. João Pessoa: Ideia, 2019, p. 177-189.

- CÂMARA, Epaminondas. Datas Campinenses. Ed. Departamento de Publicidade: 1947.

- FERREIRA, Rau. Pseud. Hasenclever Ferreira Costa. Banaboé Cariá – Recortes da historiografia do município de Esperança. A União Editora: João Pessoa, 2015.

- JOFFILY, Irineu. Notas sobre a Parahyba: fac-símile da primeira edição publicada no Rio de Janeiro, em 1892, com prefácio de Capistrano de Abreu. Volumes 1-2. Thesaurus Editora: 1977.

- MEDEIROS, Coriolano de. Diccionario chorographico do Estado da Parahyba. Editora IFPB: João Pessoa, 2016.

- PESSOA, Ângelo Emílio da Silva. As ruínas da tradição: A casa da Torre de Garcia d’Ávila – família e propriedade no Nordeste colonial. João Pessoa: Editora UFPB, 2017.

- TAVARES, João de Lyra. Apontamentos para a História Territorial da Paraíba, Vol. I, Imp. Of., Pb., 1910.

- TOMBO, Livro (de). Paróquia de Santana. Livros 01 à 05 (1850-1890). Digitalização do Nupehl. Alagoa Nova-PB: 2019.

- TOMBO, Livro (de). Paróquia do Bom Conselho. Livro 01. Esperança-PB: 2019.

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