Durante dois anos e meio um grupo de Oficiais do Exército, da Força Pública de São Paulo e alguns civis percorreram o país motivado pelo sonho de transformar a nação. Esses dignos e honrados revolucionários engrossaram as fileiras da chamada “Coluna Prestes” numa das mais extraordinárias marchas armadas do país.
Havia certa
expectação de sua chegada à Paraíba, assim como já se manifestava de forma
contrária, a propaganda governamental, convocando a população das vilas e
cidades a aderirem ao combate contra os “revoltosos”. Tratava-se de um embate de
resistência não apenas aos ideais daquele levante, mas a própria política que
estava envolvida naquelas questões.
A Paraíba
sob a batuta do Presidente João Suassuna (1924/1928) preparava os ânimos contra
o “banditismo”, e reforçando o destacamento da Força Policial, convocava o
Coronel Elysio Sobreira para juntos elaborarem o plano de defesa:
“Prevendo
de muito esse desfecho, o governo do Estado deixara de mandar forças para o
Maranhão, preferindo manda-las aos contingentes para a região claramente
visitada pelos revoltosos. Era a região do Rio do Peixe, rica, populosa e
accessível, nucleada de cidades como Cajazeiras e Sousa. Para alli, há mezes,
seguira o capitão Manuel Viegas, a título de centralizar a acção dos
destacamentos contra o banditismo, e logo que o perigo se fez iminente,
reforçados todos os destacamentos assumiu-lhes a direção o bravo coronel Elysio
Sobreira sem perda de dia nem hora, tudo se fez em bem da defeza e da
integridade da nossa Parayba” (A UNIÃO: 05/02/1926).
A
estratégia defensiva consistia no deslocamento de grande efetivo à área de
fronteira, preparação de emboscadas nos boqueirões afastados da área urbana e
reforço aos destacamentos das principais cidades às quais a Coluna avançaria,
contando com o apoio de civis agrupados e armados pelos coronéis que exerciam a
chefia política local.
No dia
03 de fevereiro de 1926, chegam as primeiras notícias da turba revolucionária
em nosso Estado, que se opôs com veemência, nos episódios da Vila de Piancó e em
Cruz das Armas (bairro da capital paraibana). Transcrevemos a seguir um pouco
da história na visão governamentista da Paraíba, segundo um relatório
apresentado pelo Tenente-coronel Elísio Sobreira, Comandante da Polícia, dirigido
ao Governo do Estado:
“Ser-me-ia
dispensado dizer a V. Ex.* que a tropa do coronel Pedro Silvino (chefe político
local) não conduzia dinheiro nem para comprar um cigarro, se assim me posso
expressar.
Daí a
minha preocupação em acautelar os haveres dos nossos sertanejos. Era que os ‘patriotas’ extorquiam aqueles que lhe
não davam por vontade, conforme documento em meu poder. Eles, os ‘patriotas’, satirizavam as famílias e
arrombavam as portas, como o fizeram no município de Souza, em a casa do
coronel Apromano, a quem deram prejuízos incalculáveis.
Ameaçaram
de morte o Coronel Emídio Sarmento, se este não lhes entregasse o que exigiam.
Estabeleceram o regime das requisições, prática essa que nos deu prejuízos
talvez superiores aos que nos deram os rebeldes, a menos que o coronel Pedro
Silvino ainda os venha a pagar. Foram vítimas desse ciclone patriótico as
cidades de Souza, Pombal e a vila de Piancó, os povoados de São José da Lagoa
Tapada, Curema e Santa Ana de Garrotes. Alguns quilômetros antes deste último,
os prefalados patriotas simularam um tiroteio, motivando a retirada dos
negociantes moradores do povoado, onde eles chegaram somente para expandir o
saque e a desonra, atentada pelo estupro de uma mocinha. Não foram menos
infelizes Misericórdia, Princesa e Patos”.
O órgão
do governo ainda declarava, naquele mesmo dia:
“Nessa
insana e desastrosa aventura, num evidente desespero de causa, eles já não simulam,
sequer, o ideal de reivindicação política, com que, antes, procuravam mascarar
sua atividade revolucionária. Já não tentam granjear simpatias e a
solidariedade dos brasileiros, como apoio de seus propósitos mal disfarçados,
do contrário ameaçam, por toda parte, em repetidos assaltos, a honra, a vida e
propriedade das populações indefesas” (A União: 05/02/1926).
A
notícia daquele embate circulou no jornal “A
União”, edição de 27 de fevereiro de 1926. O telégrafo era o meio de
comunicação viável da época, e funcionava dia e noite. Dele valia-se o Coronel
Elísio Sobreira para informar a situação ao Chefe do Estado, conforme vemos
adiante:
“São
João do Rio do Peixe (5/2) – Capitão Viegas comunica de Belém que rebeldes se
acham acampados duas léguas daquele povoado. O Dr. Sobreira oferece 150 homens
armados conforme aviso em poder auxiliar João Coelho estrada ferro aqui.
Saudações. Elísio Sobreira”.
O
Governador João Suassuna empreendeu esforços na tentativa de conter a luta
armada. Em mensagem à Assembléia Legislativa (10/10/26), externava o governante
a sua preocupação, enaltecendo, entretanto, a imagem do militar esperancense:
“Dessas
medidas pertencem algumas à minha iniciativa, sendo outras lembradas pelo
Tenente-coronel Elysio Sobreira, a cujas mãos firmes e claro conhecimento da
vida da corporação entreguei, em boa hora, o comando da mesma” (Mensagem à
Assembléia Legislativa: 1926, p. 16).
Após recrutar
efetivo de vários pontos do Estado, no dia 29 de fevereiro daquele ano, o
Coronel Sobreira chega à Cajazeiras, deslocando parte do efetivo para a cidade
de Belém, “com a finalidade de impedir a entrada da Coluna na Paraíba”,
instalando o seu quartel general em São João do Rio do Peixe, de onde comandava
a operação.
O movimento
das forças armadas no território era intenso, demonstrando a bravura com que o
Coronel Sobreira enfrentou os “revoltosos”, conforme podemos observar em nota
de jornal, publicada n’A Imprensa:
“Até
última hora o presidente Suassuna, mantendo-se em communicação com o bravo coronel
Elysio Sobreira, orientava nossa defesa, conforme os movimentos da Columna
revolucionariam que hontem acampava as duas léguas de Belém, ocupado pelo
capitão Manuel Viégas. O inimigo atacava as fazendas, munindo-se de montadas;
era evidente que se ia dividir para atacar ao mesmo tempo as localidades
visadas e implantar a confusão. O ponto principal, porém, era para elles atacar
Sousa, com fraca defesa, pela necessidade em que se viu o coronel Sobreira de
cobrir ante-postos como São João e Belém. Pronunciada, porém, a investida dos
rebeldes, que o coronel Sobreira acompanhava pelas comunicações com o capitão
Viégas, de São João foram mandados os socorros possíveis. Mas S. João, por sua
vez, ficava um tanto exposto, apesar de alli se achar para duplicar a resistência
e a decisão, a coragem do commandante Sobreira. Nesse ínterim chegava ao
theatro da luta um contingente de 30 praças, do comando o tenente Maurício, que
partira de Pombal com 60 homens. Tínhamos feito o possível com os nossos
elementos; mas o presidente Suassuna, em constante pedidos, recorrera ao
general João Gomes, expondo a marcha da Columna rebelde, prevendo as flechas da
sua invasão no largo Valle do Rio do Peixe. Ao mesmo tempo, certo da discrição com
que são tomadas medidas dessa ordem, aconselhava o coronel Sobreira a insistir
também com as forças estacionadas pela linha férrea cearense. O resultado dessa
orientação está no telegrama abaixo. A uma hora da manhã de hoje tinha o
coronel Sobreira a communicação de chegarem os primeiros socorros por uma
columna de 180 homens e o aviso de que espera a cooperação de mais de 200,
partidos de Orós e Cariris (poço dos Paus). Como ninguém ignora, estes dois
pontos são ramaes da via-férrea para as duas grandes barragens. Tudo assim
indica que a resistência à Columna de Ary Dutra e João Alberto vae ser na
altura dos brios parahybanos. Temos elementos e munição para prolongar a luta,
de modo a recebermos mais contingentes. Resta ao governo preparar igual defesa
a Pombal e Catolé, se forem visados pelos grupos rebeldes acaso repulsados de Sousa,
S. João e Cajazeiras. Seguem hoje pelo trem armas e munições destinadas a essa
medida consequente. Prevendo a sua necessidade e natural desfecho, foi que o
presidente do Estado fez seguir hontem para Pombal o Coronel José Pereira, que ali
secundará a obra patriótica de José Queiroga. Não queremos adiantar mais.
Aguardamos os factos, que só estes irão orientando a acção do governo. Temos, porém,
um orgulho: a Parahyba, pequena e pobre, numa phase se aperturas econômicas
(sic) e supressas do banditismo, mostrará que as suas cidades não são presas
imbelles de aventureiros os seus campos, arena desimpedidas para escaramuças de
loucos e malfeitores (A IMPRENSA, 1926, p. 02).
Em resposta,
o Coronel Sobreira envia os seguintes telegramas, que enumera o contingente
policial e material bélico utilizado na época, publicados n’A Imprensa:
“TELEGRAMA:
Rio do Peixe, 5 – Respondendo official vossencia sob n.340. Acabado de ter
aviso certo do capitão Viégas ter uma parte dos rebeldes se dirigido destino
Sousa. Tomei providencia remettendo força pela estrada de ferro fim socorrer
aquella cidade que tem apenas 35 homens. Com o pessoal que faço seguir fico
dispondo apenas nesta villa de 30 praças e alguns civis perfazendo talvez número
de cincoenta mais ou menos. Saudações. Elysio Sobreira Te. Cel”.
“TELEGRAMA:
Rio do Peixe - S. João Rio do Peixe, 6 Respondendo offcial vossencia sob
n... 172. Fiz seguir 24 homens Sousa. De Pombal já partiram 30. Em Sousa havia
deixado quarenta. Providenciei seguir mais um caminhão
do Estado que aqui se achava Dr. José Lopes encarregado. Estrada de Ferro
mostrou-me seguinte aviso: segue um trem 180 homens comandados Manuel Calixto pouco
depois seguirão 200 que estou esperando de Orós e Cariris. Ao me ver Sousa não
cahirá poder rebeldes. Aqui tenho entre civis e forças 60 armas e conto
augmentar antes que o dia amanheça. Fique tranquillo que saberei cumprir meu
dever pelo que estou animado e confiante. Abraços – Elysio Sobreira,
Tenente-coronel” (A IMPRENSA, 1926, p. 02).
A tropa
do Capitão Viegas, tomando posição em Belém, desviou a rota da Coluna para
Souza, para onde Sobreira enviou vinte de seus homens, deslocando ainda José
Pereira trinta de seus comandados que defendiam Pombal, para fazer frente
àquela incursão.
No dia
08 daquele mês e ano, apresentou-se ao Comandante Sobreira cerca de 200 homens,
voluntários civis vindos do Ceará, que foram enviados à Souza, o qual prosseguiu
fazendo emboscada à retaguarda da Coluna nas cidades de Lastro e Coremas.
Com
isso, o Coronel Sobreira seguiu para Piancó, acompanhado de uma tropa da polícia
militar de São Paulo, que chegara à Cajazeiras no dia 09, dirigindo-se depois
para Patos, onde desativou o esquema defensivo da Coluna, retornando à capital
paraibana para reassumir o seu posto de comando.
Inácio
Gonçalves de Souza, em sua obra: “Coronel
Elísio Sobreira: do heroísmo ao patronato”, nos informa que “A Coluna
foi perseguida e combatida na Região de Patos, onde houve confronto sangrento,
com grandes baixas e perdas em ambos os lados. O ponto crucial e inesquecível
da passagem desta Coluna pela Paraíba, foi a denominada ‘Chacina de Piancó’,
onde aconteceu um elevado número de mortes de civis, de militares e do
martirizado Padre Aristides” (SOUZA: 2010, p. 41).
Após alguns
embates, decorrido cerca de um ano da marcha colunista, estes decidiram depor
armas, oficializando o fim da revolta, e exilando-se na Bolívia.
O
Elísio Sobreira foi peça fundamental nesses embates. Esta é a tese defendida
por Inácio Gonçalves:
“Neste
árduo e sangrento combate, a presença do nosso patrono Elísio Sobreira foi
brilhante e marcante, o mesmo esteve presente no teatro de operações, em todos
os momentos, traçando as suas estratégias e no encalço da coluna, por toda a
região mapeada, e alvo dos temidos e sanguinários comunistas” (SOUZA: 2010, p.
41).
De fato,
o Coronel Elysio Sobreira foi figura importante nessa luta armada, tomando a
frente da defesa dos limites territoriais, exercendo com competência o comando
da Força Policial.
Para
conhecer mais um pouco sobre os fatos aqui descritos leia-se a biografia que
apresentamos neste artigo.
Rau
Ferreira
Referências:
- A UNIÃO, Jornal.
Órgão oficial do
Governo do Estado. Edição de 27 de fevereiro. Parahyba: 1926.
- AMADO, Jorge. Cavaleiro
de esperança. Volume 11 de Works. 3ª Ed. Livraria Martins Editora: 1945,
p. 142/143.
- CARNEIRO, Glauco.
Lusardo, o último caudilho. Volume
1 da Coleção Brasil Século 20. 2ª Ed. Nova Fronteira: 1977, p. 341/342.
- LIMA, Lourenço
Moreira. A Coluna Prestes: marchas e
combates. Volume 8 de Biblioteca Alfa-Omega de ciências sociais:
Coleção Política. 3ª Ed, reimpressão. Alfa-Omega: 1979, p. 245/246.
- LUSARDO, João
Batista. CARNEIRO, Glauco. Discursos
parlamentares. Volume 22 de Perfis parlamentares. Editora Câmara dos
Deputados; 1983, p. 199/200.
- MEIRELLES, Domingos.
A noite das grandes fogueiras. Uma história da Coluna Prestes. Ed. Record: 1996, p. 475 e 733.
- PMPB, Site: http://abriosa.com.br/, acesso em 02 de junho
de 2021.
- SANTOS, Juvandi
de Souza; SÁTIRO, Jardiel da Silva. A Coluna Prestes: a Paraíba armada.
Edições Nativa. 2ª. Ed. Campina Grande/PB: 2021.
- SOUZA, Inácio
Gonçalves (de). Coronel Elísio Sobreira: do heroísmo ao patronato.
Idealgraf: 2010.
Excelente narrativa e resgate da historia de um dos brilhantes paraibanos,
ResponderExcluirque a juventude de hoje precisa tomar conhecimento.