Deparei-me hoje com “Tristeza Americana”, poema de autoria de Silvino Olavo. A princípio, já conhecida de seu livro “Sombra Iluminada” (1927). Porém, ao analisar detidamente a estrofe inicial, percebi que tinha em mãos um exemplar insólito do poeta.
Fui em busca de fontes e descobri que era um misto das produções “A
Minha Sombra” e de seu homônimo “Tristeza Americana” publicadas naquela obra, mas
com algumas nuances: o autor mescla ambos os poemas em um único texto compondo
novas rimas, sem contudo alterar lhe o sentido contido no original outrora
publicado.
São versos novos em uma nova estética que em seu contexto dever ser considerada
uma poesia “inédita” como ele mesmo a definiu nas páginas da “Era Nova”. Confira
o que digo, a partir de sua leitura:
“Que mãos de sombra, ocultas e
fatais,
teceram meu destino, assim,
tristonho?
- Que eunao hei sido em minha
vida mais
do que um cordeiro de holocausto
Sonho.
Para tornar um pouco pitoresco
o sentido da vida que me
ensombra,
eis que as sombras de um sonho
romanesco
ando a estender na minha própria
sombra.
Minha tristeza americana é filha
da floresta bravia donde emana
o saudável perfume da baunilha;
do oceano sem fim que se engana
de alvos farrapos frágeis de
escumilha
e das noites de luar de panorama,
dessas noites de luar de
baunilha,
desse luar que tanto bem derrama
na minh’alma sonâmbula e
andarilha.
Ela é mansa, é discreta, é
soberana,
não se irrita, não chora, não se
humilha –
é uma tristeza aristocrata e
ufana,
- flor de neve perdida na savana,
Lua polar que entre icebergs
brilha...
Sou como as angras de afastada
ilha
onde as ondas, à noite, monologam
o gemido final dos que se afogam
na maré-cheia da maldade humana.
No silencio augural das noites
calmas,
À hora procissional dos
sofrimentos –
Tudo chora nos meus visionamentos
A dor humilde e anônima das
almas.
Guarda minh’alma o desolado
outono
das flores que ao crepúsculo
murcharam,
e a música das folhas que
tombaram,
bailando no ar a valsa do
abandono...
Sou apenas o eco de uma queixa,
Grande de mais, que se perdeu no
Espaço,
e hoje, cantando esta suave
endeixa,
quasi inaudível entre humanos
passo...
Minha tristeza americana é filha
Da Dor onipotente e soberana:
- é como as angras de afastada
ilha
Minha nobre tristeza americana!”.
Na publicação que precede o livro em dois anos, observa-se ainda uma
ilustração de um cantante medieval, andarilho e solitário na mata virgem. O desenho
expressa o sentimento do poeta em noites enluaradas. Nessa postagem, cotejei a
figura que ilustra o poema, concentrando-lhe os principais caracteres.
Esse novo modelo de “Tristeza Americana” é dedicada à João da Mata C.
Lima. O homenageado era advogado com auspícios políticos e pertencia a uma família
ligada à Heráclito Cavalcanti.
Pessoa de apreço junto ao governo do Estado, faleceu em um acidente
automobilístico, na estrada do Recife, em 21 de outubro de 1929. Silvino compareceu a missa de sétimo dia,
celebrada em sufrágio de sua alma, preenchendo a nave da catedral metropolitana
da Parahyba.
Talvez quisesse o
poeta expressar a sua dor e angustia pelo passamento de seu colega bacharel ou
simplesmente era um desabafo diante das agruras vividas naquela época, com
tantas notícias de revoluções, de bandoleiros e mortes traduzida na sua própria
voz “A morte (...) dona de todos os meus sonhos vãos” (Dó: Sombra Iluminada,
1927).
Rau Ferreira
Referências:
- A UNIÃO, Jornal. Órgão oficial do Estado: Domingo, 27 de outubro de
1929.
- ERA NOVA, Revista. Ano V, Nº 78.
Parahyba do Norte: 1925.
- MELO, Fernando. João
Pessoa: uma biografia. 3ª ed. Idéia: 2003.
- RAPOSO, Eduardo. 1930
- Seis versões e uma revolução: história oral da política paraibana (1889-1940).
Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana: 2006.
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