Pular para o conteúdo principal

Carta do Padre Almeida


Escrevemos em artigo anterior sobre a presença de Antônio Silvino neste Município de Esperança, Estado da Paraíba.
Demos conta de como um paroquiano, durante uma missa celebrada pelo Padre Francisco Gonçalves de Almeida, lhe avisou da iminente investida do cangaceiro a esta cidade, intervindo o religioso que não o fizesse, mediante a promessa de buscar, junto às autoridades constituídas, o indulto para os seus crimes.
A entrevista do vigário foi veiculada no jornal “O Norte”, deste Estado, repercutindo em todo o país.
Após a publicação desses fatos, julgou o Padre Almeida escrever uma carta explicando o ocorrido, “de modo a que fique perfeitamente conhecido o justo motivo do meu aparecimento em tão melindroso assunto”.
Achamos por bem transcrever a missiva, pela sua relevância e para que se compreenda melhor esta passagem histórica:

Vigário encomendado da Freguesia de Esperança, neste Estado, tive ciência de que o referido Antônio Silvino se propunha a afetuar uma temerosa investida àquela localidade, onde tinha vinganças a tomar, e diante da iminência de tamanho perigo, senti-me urgido, por efeito do meu próprio ministério a agir no sentido de defender e amparar meus paroquianos contra quaisquer consequências funestas decorrentes dos intuitos do referido criminoso, relativamente ao qual eu sabia, e como sei, que tem sido infrutíferas todas as diligências determinadas pelos governos deste e do Estado de Pernambuco.
Como fazê-lo, porém? Não havia tempo a perder, diante da tradicional violência dos ataques do mesmo Silvino e senti a necessidade de agir com a máxima prontidão, visto o assombro produzido na povoação sede da freguesia.
Tomei pois a resolução de me ir entender com aquele criminoso e assim prestando serviço do meu ministério montei a cavalo e orientei-me para o ponto onde mais ou menos me constara que ele deveria ser encontrado. Efetivamente, a 3 leguas mais ou menos distante do povoado, tive o encontro com um companheiro de Silvino e foi por ele guiado até o local escuso a que o encontrei na companhia de outros muitos companheiros.
Certo, pela própria afirmativa de Silvino, do seu propalado ataque a Esperança, concitei-o, com boas razões a que mudasse de intuito, ao que acendeu e dizendo-lhe eu que era pena vê-lo tão moço e robosto, e, mais ainda tão simpático, atirado a carreira do crime e posto fora da sociedade e da lei, viu-se ele por essa minha admoestação, como que moralmente obrigado a entrar em detalhes de sua vida tormentosa, dando-me sinceras mostras de voltar a uma vida remansada; pediu-me mesmo com mesma sinceridade que o auxiliasse nesse desideratum, afirmando que já tentara, em pura perda, divorciar diligenciei no mesmo sentido; que queria por definitivamente torne a sua acidentada existência, voltando a ser um homem útil ao trabalho, mas que tal só poderia efetuar conseguindo um como perdão ou esquecimento da sociedade e de suas autoridades, de cujas perseguições aliás não se arreceiava, habituado, pelo seu instinto, a burla-las em toda a linha. Só há esse meio, disse-me, ou então eu atirar-me-ei, com a maior violência, ao meu maléfico tirocínio... Que obtido o perdão, assegurava ausentar-se do atual cenário de suas criminosas atividades, recolhendo-se a local longícuo, onde acabasse os seus dias em paz.
Consultando a minha consciência de sacerdote diante de uma tal manifestação do propósito manifestado por Silvino de regenerar-se, indo expiar no trabalho honesto e proveitoso na depredações de sua agitadíssima vida de eterno perseguido da lei, achei que era um dever propugnar a conquista para o bem daquele espírito tão profundamente desviado da senda do dever, e nessa disposição foi que, julgando prestar um serviço a ordem pública, apareci na propugnação do fim colimado.
Aqui chegando entendi-me com muitos cidadãos pratantes, encontrando da parte de todos eles solícita aquiescência ao desejo de Silvino e então tive que levar o fato ao Exmo. sr. dr. João Machado, digno Presidente do Estado, que mui naturalmente me exprimiu a invencível dificuldade de resolver o caso, não descobrindo na lei nenhum remédio para a situação de Silvino, a quem ao lhe cumprir desejar que se regenerasse através da mesma lei.
Eis aí explicado o que aconteceu a respeito convidno que se fique sabendo que a minha diligência de modo algum exprime o desejo de pactuar com homem tenazmente alvejado por perseguições, embora logais, senão o de libertar a sociedade, por meio extralegal, da ação de Silvino, na certeza e na convicção de que não contra ele impotentes todos os processos até hoje experimentados para captá-lo.
Cumpri o meu dever de consciência; possam os governos lograr defender a sociedade dos males que sobre ela pezam decorrentes da falta geral de segurança de vida e propriedade de seus administrados.
Parahyba, 7 de outubro de 1909.

Pe. Francisco Almeida.”

O Padre Francisco Gonçalves de Almeida foi o primeiro a assumir a Paróquia do Bom Conselho, deste Município. Nomeado por Dom Adauto, tomou posse em 08 de junho de 1908. Gozava de grande prestígio. Foi deputado estadual pelo Rio Grande do Norte e exerceu a presidência da Intendência da Penha, seguindo a política do Dr. Pedro Velho.
Ele permaneceu na paróquia até julho de 1912, tendo contribuído com o seu trabalho para o fortalecimento da fé católica em Esperança.

Rau Ferreira


Referências:
- FERREIRA, Rau. Banaboé Cariá: Recortes historiográficos do Município de Esperança. SEDUC/PME. A União. Esperança/PB: 2016.
- PIMENTEL, Cristino. Pedaços da História da Paraíba: Campina Grande. O Norte. Edição de 17 de maio. João Pessoa/PB: 1952.
- O NORTE, Jornal. Edições de outubro. Parahyba do Norte: 1909.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A minha infância, por Glória Ferreira

Nasci numa fazenda (Cabeço), casa boa, curral ao lado; lembro-me de ao levantar - eu e minha irmã Marizé -, ficávamos no paredão do curral olhando o meu pai e o vaqueiro Zacarias tirar o leite das vacas. Depois de beber o leite tomávamos banho na Lagoa de Nana. Ao lado tinham treze tanques, lembro de alguns: tanque da chave, do café etc. E uma cachoeira formada pelo rio do Cabeço, sempre bonito, que nas cheias tomava-se banho. A caieira onde brincávamos, perto de casa, também tinha um tanque onde eu, Chico e Marizé costumávamos tomar banho, perto de uma baraúna. O roçado quando o inverno era bom garantia a fartura. Tudo era a vontade, muito leite, queijo, milho, tudo em quantidade. Minha mãe criava muito peru, galinha, porco, cabra, ovelha. Quanto fazia uma festa matava um boi, bode para os moradores. Havia muitos umbuzeiros. Subia no galho mais alto, fazia apostas com os meninos. Andava de cabalo, de burro. Marizé andava numa vaca (Negrinha) que era muito mansinha. Quando ...

Zé-Poema

  No último sábado, por volta das 20 horas, folheando um dos livros de José Bezerra Cavalcante (Baú de Lavras: 2009) me veio a inspiração para compor um poema. É simplório como a maioria dos que escrevo, porém cheio de emoção. O sentimento aflora nos meus versos. Peguei a caneta e me pus a compor. De início, seria uma homenagem àquele autor; mas no meio do caminho, foram três os homenageados: Padre Zé Coutinho, o escritor José Bezerra (Geração ’59) e José Américo (Sem me rir, sem chorar). E outros Zés que são uma raridade. Eis o poema que produzi naquela noite. Zé-Poema Há Zé pra todo lado (dizer me convém) Zé de cima, Zé de baixo, Zé do Prado...   Zé de Tica, Zé de Lica Zé de Licinho! Zé, de Pedro e Rita, Zé Coitinho!   Esse foi grande padre Falava mansinho: Uma esmola, esmola Para os meus filhinhos!   Bezerra foi outro Zé Poeta também; Como todo Zé Um entre cem.   Zé da velha geração Dos poetas de 59’ Esse “Z...

Esperança, por Maria Violeta Silva Pessoa

  Por Maria Violeta da Silva Pessoa O texto a seguir me foi encaminhado pelo Professor Ângelo Emílio da Silva Pessoa, que guarda com muito carinho a publicação, escrita pela Sra. Maria Violeta. É o próprio neto – Ângelo Emílio – quem escreve uns poucos dados biográfico sobre a esperancense: “ Maria Violeta da Silva Pessoa (Professora), nascida em Esperança, em 18/07/1930 e falecida em João Pessoa, em 25/10/2019. Era filha de Joaquim Virgolino da Silva (Comerciante e político) e Maria Emília Christo da Silva (Professora). Casou com o comerciante Jayme Pessoa (1924-2014), se radicando em João Pessoa, onde teve 5 filhos (Maria de Fátima, Joaquim Neto, Jayme Filho, Ângelo Emílio e Salvina Helena). Após à aposentadoria, tornou-se Comerciante e Artesã. Nos anos 90 publicou uma série de artigos e crônicas na imprensa paraibana, parte das quais abordando a sua memória dos tempos de infância e juventude em e Esperança ” (via WhatsApp em 17/01/2025). Devido a importância histór...

Luiz Pichaco

Por esses dias publiquei um texto de Maria Violeta Pessoa que me foi enviado por seu neto Ângelo Emílio. A cronista se esmerou por escrever as suas memórias, de um tempo em que o nosso município “ onde o amanhecer era uma festa e o anoitecer uma esperança ”. Lembrou de muitas figuras do passado, de Pichaco e seu tabuleiro: “vendia guloseimas” – escreve – “tinha uma voz bonita e cantava nas festas da igreja, outro era proprietário de um carro de aluguel. Família numerosa, voz de ébano.”. Pedro Dias fez o seguinte comentário: imagino que o Pichaco em referência era o pai dos “Pichacos” que conheci. Honório, Adauto (o doido), Zé Luís da sorda e Pedro Pichaco (o mandrião). Lembrei-me do livro de João Thomas Pereira (Memórias de uma infância) onde há um capítulo inteiro dedicado aos “Pichacos”. Vamos aos fatos! Luiz era um retirante. Veio do Sertão carregado de filhos, rapazes e garotinhas de tenra idade. Aportou em Esperança, como muitos que fugiam das agruras da seca. Tratou de co...

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele...