Pular para o conteúdo principal

O Crente Antônio Silvino


Manoel Batista de Morais ficou conhecido pelo epiteto de “Antônio Silvino”, o rifle de ouro. No Pajeú era “Nezinho” filho de “Batistão”. Com a morte de seu pai, motivada por questão de terras, entrou para o cangaço tornando-se célebre bandoleiro.

Para muitos era um “bandido social”, pois defendia o sertanejo e as pessoas menos favorecidas. Casava as moças com os rapazes que a defloravam; dava esmola aos pobres e não consentia que os seus “cabras” fizessem mal desmerecido. Há muitas histórias em torno desta lenda.

Certa feita, na propriedade do Algodão, próximo ao Município de Esperança, que pertencera à Antônio Ferreira de Melo, provocara o padre que celebrou lhe uma missa de corpo presente. Nesse mesmo dia atirou num boi que dizem seguiu-o todo o caminho vaticinando a sua sina. Poucos dias depois era preso, recambiado para a Casa de Detenção na cidade do Recife.

O próprio Antônio Ferreira o visitou na cadeia e, quando indagado sobre o seu arrependimento, apenas disse: “Eu sei o que fiz, Antônio... eu sei o que fiz!”. Não é de admirar que por esse tempo já demonstrava certo arrependimento.

Antes desse episódio, o governo de Pernambuco estipulara um prêmio pela sua captura “vivo ou morto”; também concertara o “Capitão”, matar um pastor, a mando de seu rival religioso, um monge italiano, que apelou para a crueldade e superstição, oferecendo-lhe 250 mil réis para eliminar o reverendo quando chegasse ao vilarejo de Moganga, em S. José do Serigy, no vizinho Estado.

O primeiro encontro foi próximo a Sapé na Paraíba. Antônio Silvino estava a espera do missionário na estrada, quando este se aproximou de cavalo, cumprimentando-o. Gentilmente, perguntara ao cangaceiro se havia saído para caçar, e se tinha pego alguma coisa. Não houve resposta.

Disse o Reverendo Salomão Ginsburg que Silvino se apresentara com um uma espingarda de cano duplo e uma longa baixa de cartuchos no peito. Um de seus homens, pulara na sua frente, enquanto os dois conversavam, saindo de uma árvore, fazendo com que apeasse o cavalo com bastante força. Mas o homem ao pé da estrada dissera qualquer coisa, evitando uma investida violenta.

Seguiu adiante com o irmão Amaro, que já havia esporado o seu cavalo quando vira aquela cena.

Aqueles que o aguardavam, receberam com grande alegria, pois sabiam do combinado e da valentia de Silvino. Narraram-lhe tudo e deram graças à providência divina por nada ter acontecido.

À noite o missionário pregou no vilarejo e foi deitar-se num quartinho por trás da casa onde estava hospedado. Para sua surpresa, bateram forte na porta, exigindo que fosse aberta imediatamente. O pastor caiu de joelhos em oração. Tão logo entrou, mandaram-no chamar. Foi ao seu encontro. O “rifle de ouro” estava sentado na sala com a cabeça baixa enquanto que o dono da casa estava pálido e tremendo e sua esposa e filhas se apertavam nervosas.

A conversa foi ligeira:

– O senhor desejava me ver; o que posso fazer pelo senhor?

– O senhor sabe quem eu sou? – ele perguntou depois de um intervalo.

– Sim, é o capitão Antônio Silvino – respondeu o pastor.

– Sabe porque vim até aqui? – ele perguntou.

– Sei. Pagaram ao senhor para me matar.

– É verdade – retrucou Silvino

– Então – disse o missionário, – porque você não faz de uma vez o que veio fazer?

– Não. Não vou matar o senhor. Eu queria mesmo é matar a pessoa que me pediu isso.

Naquela conversa, Silvino confidenciara que estava na estrada com esta intenção, naquele mesmo dia, perto da vila de Sapé. Mas o reverendo falou consigo, desarmando-o. Tinham lhe dito que era um sujeito “perigoso”, e que sua doutrina e ensinos eram uma “maldição” e que mata-lo seria uma “benção” para o país.

– Mas o senhor falou comigo com tanta bondade – disse o bandoleiro – que decidi descobrir mais sobre o senhor. Eu estava presente enquanto o senhor pregava e ensinava e rezava e cantava e posso lhe dizer que não vou matar de jeito nenhum um homem que está fazendo uma obra tão caridosa.

Silvino contou-lhe a sua vida. Como por querelas políticas, eliminaram seu pai, irmãos tios e primos, tomando-lhe as terras. Decidiu vingar-se, subvertendo não apenas os seus inimigos, mas qualquer um que se colocasse no seu caminho. A essa altura já somava a soma de sessenta e seis almas. Por esse tempo ainda não conhecera a salvação em Cristo Jesus.

Todavia, depois desse encontro, tornou-se um ardente defensor da religião cristã. Não permitia perseguição aos evangélicos.

Foi preso pouco depois de enfrentar o padre no Algodão.

Aprendeu a ler no cárcere.

Alguém lhe trouxe uma bíblia. Debruçando-se ele na sua leitura abraçou a fé cristã. O resultado já sabemos: tornou-se nova criatura.

As palavras do Reverendo Salomão reverberaram em seu coração. O Senhor lhe fez renascer, aceitando Silvino aquela vocação mais que eficaz.

Na cadeia encontrou momentos de reflexão para uma mudança de vida. É certo que ele buscava deixar o cangaço, chegando mesmo a conversar com o Padre Almeida, vigário de Esperança, para angariar um indulto junto ao governo da Paraíba. Este direito lhe foi negado, apesar das rogativas do padre, a pretexto daquela autoridade de que “deveria cumprir os misteres da lei”.

Na Casa de Detenção do Recife, o agora ex-cangaceiro fabricava abotoaduras e enfeites de crina de cavalos, ofício com que educou os filhos. Eram oito ao todo.

Convertido ao protestantismo, preferia falar das graças e do amor de Deus que lhe concedera o perdão dos pecados. Escreve o Rev. Salomão, em sua autobiografia, que costumava contar às pessoas que o visitavam o que o Senhor havia feito por ele; e que certo editor de um jornal vespertino, voltou “enojado” depois de uma entrevista: “Tudo que se consegue arrancar de Antônio Silvino” – escreveu ele – “é sobre os batistas e a Bíblia. É sempre encontrado com a Bíblia na mão, lendo e orando”.

Liberto (João 8:36) e fora da prisão. Veio morar em Campina em casa de sua prima Teodolina Alves Cavalcanti, na esquina da Rua João Pessoa com a Arrojado Lisboa. Naquela residência modesta, de cômodos pequenos viveu ali de 1937 à 1944.

Na cidade Rainha da Borborema adquirira o hábito de frequentar a Igreja Congregacional da Rua 13 de Maio. Trocara o rifle pela bíblia, as bravatas pela pregação e os dias a esmo pelo aconchego do templo.

Faleceu em 30 de julho de 1944 e foi enterrado no Cemitério do Monte Santo, em Campina Grande, Paraíba.

 

Rau Ferreira

 

 

Referências:

- BlogRHCG. Retalhos Históricos de Campina Grande. Disponível em: https://cgretalhos.blogspot.com/search?q=antonio+silvino#.XT3qTOhKi01, acesso em 28/07/2019.

- FERREIRA, Rau. Banaboé Cariá: Recortes historiográficos do Município de Esperança. SEDUC/PME. A União. Esperança/PB: 2016.

- GINSBURG, Salomão L. Um judeu errante no brasil (autobiografia). Trad. Manoel Avelino dos Santos. 2ª ed. Casa Publicadora Batista. Rio de Janeiro/RJ: 1970.

- PIMENTEL, Cristino. Pedaços da História da Paraíba: Campina Grande. O Norte. Edição de 17 de maio. João Pessoa/PB: 1952.

- VAINSENCHER, Semira Adler. Antônio Silvino. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar>. Acesso em 28/07/2019.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sitio Banaboé (1764)

  Um dos manuscritos mais antigos de que disponho é um recibo que data de 1º de abril do ano de 1764. A escrita já gasta pelo tempo foi decifrada pelo historiador Ismaell Bento, que utilizando-se do seu conhecimento em paleografia, concluiu que se trata do de pagamento realizado em uma partilha de inventário. Refere-se a quantia de 92 mil réis, advinda do inventário de Pedro Inácio de Alcantara, sendo inventariante Francisca Maria de Jesus. A devedora, Sra. Rosa Maria da Cunha, quita o débito com o genro João da Rocha Pinto, tendo sido escrito por Francisco Ribeiro de Melo. As razões eram claras: “por eu não poder escrever”. O instrumento tem por testemunhas Alexo Gonçalves da Cunha, Leandro Soares da Conceição e Mathias Cardoso de Melo. Nos autos consta que “A parte de terras no sítio Banabuiê foi herdade do seu avô [...], avaliado em 37$735” é dito ainda que “João da Rocha Pinto assumiu a tutoria dos menores”. Registra-se, ainda, a presença de alguns escravizados que vi...

Renato Rocha: um grande artista

  Foto: União 05/12/2001 “A presença de autoridades, políticos e convidados marcou a abertura da exposição do artista plástico Renato Rocha, ocorrida no último final de semana, na Biblioteca Pública Dr. Silvino Olavo, na cidade de Esperança, Brejo paraibano. A primeira exposição de Renato Ribeiro marca o início da carreira do artista plástico de apenas 15 anos. Foram expostas 14 telas em óleo sobre tela, que também serão mostradas no shopping Iguatemi, CEF e Teatro Municipal de Campina Grande já agendadas para os próximos dias. A exposição individual teve o apoio da Prefeitura Municipal de Esperança através da Secretaria de Educação e Cultura, bem como da escritora Aparecida Pinto que projetou Renato Rocha no cenário artístico do Estado. Durante a abertura da Exposição em Esperança, o artista falou de sua emoção em ver os seus trabalhos sendo divulgados, já que desenha desde os nove anos de idade (...). A partir deste (...) Renato Ribeiro espera dar novos rumos aos seus projeto...

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele...

Dica de Leitura: Badiva, por José Mário da Silva Branco

  Por José Mário da Silva Branco   A nossa dica de leitura de hoje vai para este livro, Badiva, voltado para a poesia deste grande nome, Silvino Olavo. Silvino Olavo, um mais ilustre, representante da intelectualidade, particularmente da poesia da cidade de Esperança, que ele, num rasgo de muita sensibilidade, classificou como o Lírio Verde da Borborema. Silvino Olavo, sendo da cidade de esperança, produziu uma poesia que transcendeu os limites da sua cidade, do seu Estado, da região e se tornou um poeta com ressonância nacional, o mais autêntico representante da poética simbolista entre nós. Forças Eternas, poema de Silvino Olavo. Quando, pelas ruas da cidade, aprendi a flor das águas e a leve, a imponderável canção branca de neve, o teu nome nasceu sem nenhuma maldade, uma imensa montanha de saudade e uma rasgada nuvem muito breve desfez em meus versos que ninguém escreve com a vontade escrava em plena liberdade. Silvino Olavo foi um poeta em cuja travessia textual...

Capelinha N. S. do Perpétuo Socorro

Capelinha (2012) Um dos lugares mais belos e importantes do nosso município é a “Capelinha” dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro. Este obelisco fica sob um imenso lagedo de pedras, localizado no bairro “Beleza dos Campos”, cuja entrada se dá pela Rua Barão do Rio Branco. A pequena capela está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa “ lugar onde primeiro se avista o sol ”. O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Consta que na década de 20 houve um grande surto de cólera, causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira, teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal.  Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à ...