*Reportagem Especial
Foi durante uma
missa do Padre Almeida, vigário de Esperança, na Paraíba, que um morador do
lugar lhe procurou para dizer que Antônio Silvino estava acampado nas
imediações da vila, com a intenção de assaltar o povoado, tão logo o vigário se
ausentasse para uma viagem, marcada para o dia seguinte.
Tomando pé
daquela conversa, o vigário resolveu procurar o cangaceiro, que estava n’uma
mata da redondeza, aguardando o momento certo. Mas a notícia não ficara apenas
nos ouvidos do padre, pois toda a vila já se fazia conhecer, ficando em
povorosa a sua população.
O Padre
Francisco Gonçalves de Almeida gozava de grande prestígio. Foi deputado
estadual pelo Rio Grande do Norte e exerceu a presidência da Intendência da
Penha, seguindo a política do Dr. Pedro Velho.
Mata à adentro,
encontrou um de seus capangas, que guardava a entrada, disse o padre que queria
ter com seu chefe, e foi escoltado ao interior do bosque, onde encontrou-o
cercado de mais nove homens: “gente nova,
robusta, muito diferente da criançada de que andava acompanhado nos últimos
tempos”.
Eram caboclos
valentes recrutados do sertão do Ceará, quando por ali andou há cerca de dois
meses.
Assentando-se o
vigário, conversou com Antônio das cinco da tarde até às dez da noite. Silvino
lhe confessou que aguardara uma oportunidade para invadir a vila, justificando
que assim procedia devido aos muitos inimigos que colecionava em Esperança,
como o delegado que sempre lhe armava emboscadas.
Antônio Silvino
estava convicto de seus intentos, sabedor do comércio forte e de quanto poderia
amealhar naquela incursão. A muito custo dissuadiu o vigário, que evitasse o
cangaceiro aquela empreitada.
Fez-lhe então
uma promessa, de buscar junto ao governo o indulto há tanto desejado pelo forasteiro.
Durante esta
conversa, confidenciou ao Padre Almeida:
“Se
o governo não atender, tornar-me ei um verdadeiro bandido, pois até agora nunca
o fui. Se eu fosse bandido, roubaria nas estradas a quem encontrasse. Encontro
caixeiros viajantes, recheados de dinheiro e me contento com o que dão. Sei que
os trens levam bastante dinheiro e se eu fosse perverso fazia-os descarrilar
para roubar os passageiros. Não, não fiz nada disso.
Cometem-se
aí os maiores assassinatos e dizem que fui eu. Querem uma prova das calúnias
que levantam contra mim, está aí o fato de pretender eu cobrar da companhia
inglesa 80 contos de reis por haverem passado os trilhos sobre os meus terrenos
no Surrão.
Em
conversa, por simples pilheria, havia eu dito a Chico Sá que estava com vontade
de cobrar uma indenização à companhia inglesa. Pois bem!
A
cousa passou como verdadeiro e lá vieram batalhões de tropa de linha para
fuzilamentos e praticar horrores. Uma simples pilheria! Aliás eu tenho direitos
sobre o Surrão que era o meu lugar predileto para me esconder, não queria
trilhos perto, mas ainda assim os trilhos não passavam pelos meus terrenos. É
para o senhor ver”, disse
o cangaceiro.
E suplico ao
vigário pelo indulto, renovando a paga de se tornar um bandido, caso não fosse
atendido:
“Não
serei mais o Silvino pacífico de outros tempos que aceitava o que lhe dessem.
Não. Vou fazer guerra ao comercio que tenha ligações com deputados estaduais.
Mandarei queimar todas as mercadorias que remeterem para o sertão, não deixarei
passar uma caixa de fosforo. Passarão somente as mercadorias que não forem de
casas onde haja sócios deputados e senadores”.
Os nove homens
que trazia consigo estavam dispostos a morrerem, pois eram os mais valentes que
já tinham acompanhado o “Rifle de Ouro”. Entendia que o governador nada podia
sem a Assembleia, voltando-se contra os políticos para coagir-lhes a aprovar o
seu perdão:
“Eu
sei, que na Parahyba há um tal Murillo, da casa Paiva Valente, e que é
deputado; um outro chamado Antonio Lyra, da casa A.B. Lyra & C., também
deputado.
Pois
bem, as mercadorias destes e também de outras casas nas mesmas condições não
passarão pela estrada”, acrescentou.
Discorrendo
sobre os delitos praticados, disse que era processado apenas no Ingá, onde o
crime prescrevia se passados dez anos naquele Município não fosse pronunciado:
“Estou há mais de 10 anos dentro do
Município do Ingá, logo o meu crime está legalmente prescrito”.
O Padre Almeida
advertiu-o que podia ser preso a qualquer momento, pois a polícia estava no seu
encalço em toda o Estado, mas Silvino conhecia bem as nuances e ao que parecia
mantinha-se bem informado acerca da volante:
“Sei
de todos os pontos onde estão os oficiais da polícia parahybana que me
perseguem. O tenente Maurício está em Campina, fiz toda a viagem com ele, eu
pela estrada e ele por dentro do mato, sem saber que eu ia pertinho; Joaquim
Henrique está em Alagoa Grande, Elysio em tal parte... A Parahyba tem 700
soldados de polícia. Pernambuco 1.200 e na cavalaria somente isto tudo e botem
mais cem por cima, formando dois mil e eu darei o pescoço para cortarem se toda
essa gente solta no mato for capaz de me prender”, dizia convicto ao religioso.
Elysio Sobreira
que era esperancense, ingressara como música na polícia militar, assumira um
Batalhão, mostrando valentia no combate ao cangaço.
Por aquele tempo
haviam sido presos três “cabras” nas bandas de Areia pelo Coronel Cunha Lima
que andavam roubando em nome de Antônio Silvino, o que muito lhe agradara, pois
estava no encalço dos meliantes para “cortar-lhe
as pernas caso os pegasse”.
O vigário então
intercalou se, não fosse possível o indulto, lhe bataria a palavra do governo
de não mais o perseguir, não demonstrando o capitão confiança: “Na palavra do governo não me fio eu. Quero o
indulto votado pela Assembleia num decreto, com força de lei”. Retrucou.
“Consultando
a minha consciência de sacerdote diante de uma tal manifestação do propósito
manifestado por Silvino de regenerar-se, indo expiar no trabalho honesto e
proveito às depravações da sua agitadíssima vida de eterno perseguido da lei,
achei que era um dever propugnar a conquista para o bem daquele espírito tão
profundamente desviado da senda do dever, e nessa disposição foi que, julgando
prestar um serviço à ordem pública, apareci na propugnação do fim colimado”.
Para cumprir a
sua promessa, esforçou-se o vigário buscando as autoridades constituídas do
Estado. Telegrafou ao Monsenhor Walfredo Leal, à época Senador pela Parahyba:
“Silvino
quer arrasar Esperança. Dissuadi-o intuitos sinistros. Silvino jurou-me
abandonar Estado e circunvizinhança adquirindo perdão. Prometi advogar sua
causa. Rogo telegrafardes João Machado, apresentando-me”
Silvino
propósito duplicar façanhas, caso não seja perdoado, preferindo atacar comércio
e perseguir deputados estaduais.
Seu
grupo melhor organizado bandido sertão. Silvino até decisão governo nada fará”.
Queria a sua
intervenção junto ao governo do Estado e para tanto viajou à Capital. Naquela
cidade muitos estavam concordes com a proposta, mas o governante explicou-lhe a
“invencível dificuldade de resolver o
caso, não descobrindo na lei nenhum remédio para a situação de Silvino, a quem
cumpria que se regenerasse através da mesma lei”. Trocando em miúdos,
pretendia a sua rendição.
Nomeado vigário
da recém criada Paróquia do Bom Conselho, do Município de Esperança, o Padre
Almeida assim que chegou alugou uma casa onde iria residir com o seu genitor,
Delfino Gonçalves de Almeida.
Durante o seu
paroquiato muito se esmerou para conservar acesa a fé missionária na sua
freguesia, com os parcos recursos que tinha a sua disposição. Apesar dos
esforços do vigário, este nada conseguiu angariar em prol do cangaceiro: “cumpri meu dever de consciência”,
resumiu.
Estes fatos se
deram na vila de Esperança, Estado da Paraíba, entre setembro e outubro de
1909. O registro foi publicado em diversos jornais.
Antônio Silvino
tentou a reabilitação por três vezes. Preso em 1914, cumpriu pena na Casa de
Detenção do Recife. Liberto em 1937, veio residir em Campina Grande, onde
faleceu e foi enterrado.
Rau Ferreira
Referências:
- BATISTA, Francisco das Chagas. Literatura popular em verso. Casa
de Rui Barbosa: 1977, p. 83/84;
- ESPERANÇA 82 ANOS, Revista. Ed. Jacinto
Barbosa: Esperança/PB: 2007.
- FERNANDES, Raul. Antônio Silvino no RN. Ed. Clima: 1990, p. 56;
- FERREIRA, Rau. Banaboé Cariá: Recortes historiográficos do
Município de Esperança. SEDUC/PME. A União. Esperança/PB: 2016.
- MAIOR, Mário Souto. Antônio Silvino, capitão de trabuco. 2ª
Edição. Bagaço: 2001, p. 57.
- O NORTE, Jornal. Edições de outubro. Parahyba do Norte: 1909.
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