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Matriz do Bom Conselho: 1940 |
Cena comum na minha infância era ver
os pedintes nas esquinas, os velhinhos de casa em casa, com um saco nas costas
e uma cuia na mão, querendo um pouco de farinha ou de feijão; e os meninos nas
portas, com umas latinhas de “Leite Ninho”, com aquela voz embargada: “Dona
Maria, Sobrôooooooo?”
Para alguns tinha a “cachorra-magra”,
o trabalho duro cavando açudes e abrindo barreiros, onde até crianças se via
conduzindo carrocinhas de mão. Eram outros tempos, d’uma tristeza de dá dó.
Hoje comentamos que todo pobre é
rico: tem celular, parabólica e compra a prestação! Naquele tempo nem isso
existia, quando muito o crediário era a caderneta da bodega.
Pois bem. Revendo alguns áudios de
cantigas, faço o registro de como se pedia esmolas nas feiras de Esperança, Alagoa
Nova, Areia, Itabaiana, Souza e Pombal. Você consegue lembrar?
“Meus irmãos me dê uma esmola
Pelo santo amor de Deus
Tenha dó do pobre cego
Que tinha vista e perdeu
Por caridade eu lhe peço
Por tudo quanto for seu.
Meus irmãos me dê uma escola
Pelo santo amor de Deus
Por caridade eu lhe peço
Por tudo quanto for seu
Pela hóstia consagrada
Que a virgem lhe concedeu.
Meus irmãos me dê uma esmola
Daquela que Deus lhe deu
Pela vez da luz dos olhos
Que Jesus lhe concedeu
Não queira fazer com o pobre
Como Judas fez com Deus”
A caridade do nordestino é sem igual.
Parece que o cidadão vê no pobre a sua imagem, reconhecendo o sofrimento irmão.
Não tem quem ouvindo essa súplica, não lançasse na cuia uma moeda. O pedinte,
em seu canto, também respondia em versos:
“Deus lhe pague essa esmola
Que me deu com alegria
No reino do céu se veja,
Com toda a sua família”.
Deus te pague essa esmola
Que me deu com sua mão
O que não vejo com esses olhos
Jesus vê com o coração.
Deus lhe pague a sua esmola
Que me deu com suas mãos
Vai preparando no céu
Sua morada, uma mansão”.
O trajar do mendigo era assim: o
homem com um terno surrado, quase sempre de duas corres, sendo a calça
arregaçada a meio cano, donde dava prá ver a alpercata já muito gasta que a
sola era o próprio couro do calçado; a mulher com umas saionas, um pano
amarrado na cabeça e quase sempre dois ou três meninos arrodeados, desses do
nariz escorrendo, todo sujinho. Eram outros tempos, d’uma tristeza de dá dó.
Lembro que ficavam dois ou três no
beco de Mané Jesuíno, na descida pra feira. E na porta do mercado, essa da rua
Floriano Peixoto. Também do outro lado, na Tomaz Rodrigues perto de João Cabugá
na feira dos passarinhos.
Tinha um cidadão de Areial, mudo, que
tocava uma espécie de berimbal. Era um instrumento feito sob a base de um
varal, com duas latas na extremidade, passando um fio de arame em cima. Tocava
com uma haste de metal, fazendo a modulação com uma garrafinha de vidro.
Esses eram fixos, mas tinham aqueles
que passeavam por entre os bancos de feira, angariando também uns ossinhos,
folhas verdes que caiam e tomadas machucadas. Tudo era aproveitado, sabe-se lá
a troco de muito sacrifício. No final o saco já estava meio cheio, era o
suficiente para uns dois dias; o complemento viria no decorrer da semana, no
porta a porta ou nas paradas de ônibus e frentes de lojas, tal como
supermercado.
Espero que esse texto tenha lhe
trazido boas memórias. Do quanto nosso povo é sofrido e de que precisamos
ajudar os necessitados.
Dizem que quem dá aos pobres, a Deus
empresta. A caridade diminui os pecados (1Pd 4, 8). Acolher o irmão
necessitado, é receber o próprio Deus. É uma honra para poucos. Não endureça o
seu coração.
Rau Ferreira
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