Pular para o conteúdo principal

Estrada de Ferro Esperança

O trem que não veio

Estação Esperança. Desenho de Jônatas Rodrigues Pereira
O Governo Imperial (1871) havia autorizado uma incorporação para construir uma estrada de ferro na Parahyba do Norte, denominada de Conde d’Eu (Decreto nº 4.833). A linha inicial partia da Capital da província até Alagoa Grande, com ramificações em Ingá e  Guarabira.
A sua construção, porém, teve início em 1880 através da “The Conde D’eu Railway Company Limited”, e seus trilhos chegaram à Mulungú em setembro de 1883. Essa concessão foi transferida em 1901 para a “Great Western Company”.
Até o ano de 1889 a viação de Cabedelo à Guarabira e o entroncamento do Pilar possuíam 144 Km. O problema é que o trem de ferro servia apenas ao litoral, esquecendo o resto do território paraibano.
O Engenheiro Francisco Retumba alertava quanto à problemática: “É preciso, de qualquer modo, obrigar a companhia a marchar em procura da serra da Borborema”.
O tráfego em direção ao Brejo foi constituído em vista do Decreto nº 3.531/89 e inaugurado sua primeira fase em 1º de julho de 1901. O trem chegou à Campina em 1907, e em Borborema no ano de 1913.
Essa estrada de penetração favoreceu o comércio campinense, que era considerado uma praça do Recife. Mas era preciso avançar ainda mais, favorecendo um maior número de cidades com o transporte de pessoas e de cargas através da ferrovia.
Quando Epitácio Pessoa assumiu o governo republicano (1919-1922), deu novo impulso a essa velha aspiração.
O engenheiro Retumba já havia se manifestado a respeito, propondo o traçado “até a vila de Princesa, de um lado, da cidade de Cajazeiras de outro, e Picuí no norte. (...) Da estrada de Mulungu partirá um outro ramal em direção de Alagoa Grande, Brejo de Areia e Esperança”.
O escritor José Américo de Almeida foi o relator do memorial endereçado ao Presidente da República, que pleiteava o prolongamento, passando por Areia e Esperança, em trecho adiante transcrito:
“O traçado geral desta linha, partindo de Alagoa Grande, cortará Areia, Alagoa do Remígio, Esperança, Pocinhos, Soledade, Santa Luzia, São Mamede, Patos, Pombal, Souza e Cajaeiras.
Essa é que constituirá, logicamente, a estrada de ferro central da Paraíba. É quase uma tangente” (ALMEIDA: 2012, p. 289).

A Associação Comercial e a Sociedade de Agricultura aderiram ao projeto que beneficiaria o interior.
O projeto da Inspetoria de Obras Contra as Secas, elaborado em 1919, previa a interligação do Sertão à Estação de Paiano, no Ceará; e o Brejo à Estação de Nova Cruz no Rio Grande do Norte, via Guarabira.
Os serviços de exploração iniciaram em 1920, seguindo o traçado que vinha do Sertão, passando por Pocinhos, com previsão de chegar em Esperança, de onde partiria em direção à Alagoa Nova.
É Zé Américo que nos escreve sob a magnitude desta via férrea:
“A extensão total é de 493 quilômetros, 918 incluindo os ramais para os açudes de Pilões e São Gonçalo e de São João a Cajazeiras. Dessa extensão total, 38 quilômetros ficam em território cearense” (ALMEIDA: 2012, p. 290).

Ressalta ainda o apoio do Presidente ao projeto de redenção do interior, já que a chegada do trem ao brejo contribuiria para o escoamento da produção:
“Sabia o Sr. Epitácio Pessoa que esse traçado compreenderia o maior número de municípios. Sabia também que partiria dos coleiros do sertão – dos pontos de convergência dos famintos em todos os períodos de seca” (ALMEIDA: 2012, p. 290).

Setenta e sete locomotivas tinham sido adquiridas para essa estrada da Paraíba, que em seu percurso também alcançava o Ceará, cujos trilhos requeriam as seguintes condições técnicas: 4 metros de plataforma; rampa de 1,8% e raio mínimo de 150 metros.
As discussões em torno da estrada de ferro que passaria por Esperança tinham como ponto inicial os trilhos da cidade de Campina Grande, embora a opinião dominante defendesse o prolongamento do ramal de Alagoa Grande. Após os debates, compreendeu-se que esta segunda opção seria mais vantajosa.
Os trabalhos estavam bastante avançados, e muitos consideravam um crime a sua interrupção, mas a Comissão Rondon restringiu o traçado, desconhecendo que as regiões Brejeiras, nos períodos rigorosos de seca, atendiam as zonas dos flagelados com a sua produção, evitando saques e epidemias.
Nesse aspecto, escreve José Américo:
“Se o general Rondon e seus ilustres companheiros tivesse assistido a uma feira, principalmente no tempo da colheita, em Areia, Alagoa Nova, Alagoa do Remígio e Esperança, se tivesse atentado nas centenas de comboios (tropas de muares), provenientes do Seridó, de Santa Luzia, de Patos e mesmo do Catolé do Rocha, Brejo do Cruz, etc., em procura desses férteis contrafortes da Borborema, teriam, ao contrário, reconhecido que a estrada atravessa uma região providíssima. Teriam encarecido a importância desse traçado, destinado a unificar a Paraíba em todas as suas relações e a dilatar seus benefícios além de novas fronteiras.” (ALMEIDA: 2012, p. 290).

Vetado pela Comissão Rondon, o projeto nunca foi finalizado. Há quem diga que políticos influentes teriam desviado a via férrea de Esperança, beneficiando outras regiões. Mas o que houve de fato, foi um esmaecimento na extensão da via férrea paraibana.
Esta foi uma grande perda para o Estado, não apenas pelo desenvolvimento econômico, que propiciaria com a baixa dos fretes, circulação de pessoas e de mercadorias, como também pela “influência social do trem de ferro, mormente no interesse da ordem pública” (ALMEIDA: 2012, p. 294).
Apesar da “sabotagem”, o nosso município continuou crescendo e hoje centraliza a maioria das atividades do brejo, impondo-se como centro comercial forte e importante colégio eleitoral do Estado.

Rau Ferreira

Referências:
- ALMEIDA, José Américo de. A Paraíba e seus problemas. Edições do Senado Federal. Volume 172. Brasília/DF: 2012.
- CARNEIRO, Justino Ferreira. Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Parahyba em 21 de setembro de 1881. Typ. do Liberal Parahybano. Parahyba do Norte: 1882, p. 28/29.
- GEOGRAFIA, Revista Brasileira de. Vol. 15. IBGE. Departamento de Documentação e Divulgação. Geográfica e Cartográfica. Diretoria Técnica. Rio de Janeiro/RJ: 1963, p. 33/34;

- GERODETTI, João Emílio. CORNEJO, Carlos. As Ferrovias do Brasil nos cartões-postais e álbuns de lembrança. Ed. Solaris Edições Culturais. São Paulo/SP: 2005, p. 226;

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sitio Banaboé (1764)

  Um dos manuscritos mais antigos de que disponho é um recibo que data de 1º de abril do ano de 1764. A escrita já gasta pelo tempo foi decifrada pelo historiador Ismaell Bento, que utilizando-se do seu conhecimento em paleografia, concluiu que se trata do de pagamento realizado em uma partilha de inventário. Refere-se a quantia de 92 mil réis, advinda do inventário de Pedro Inácio de Alcantara, sendo inventariante Francisca Maria de Jesus. A devedora, Sra. Rosa Maria da Cunha, quita o débito com o genro João da Rocha Pinto, tendo sido escrito por Francisco Ribeiro de Melo. As razões eram claras: “por eu não poder escrever”. O instrumento tem por testemunhas Alexo Gonçalves da Cunha, Leandro Soares da Conceição e Mathias Cardoso de Melo. Nos autos consta que “A parte de terras no sítio Banabuiê foi herdade do seu avô [...], avaliado em 37$735” é dito ainda que “João da Rocha Pinto assumiu a tutoria dos menores”. Registra-se, ainda, a presença de alguns escravizados que vi...

Renato Rocha: um grande artista

  Foto: União 05/12/2001 “A presença de autoridades, políticos e convidados marcou a abertura da exposição do artista plástico Renato Rocha, ocorrida no último final de semana, na Biblioteca Pública Dr. Silvino Olavo, na cidade de Esperança, Brejo paraibano. A primeira exposição de Renato Ribeiro marca o início da carreira do artista plástico de apenas 15 anos. Foram expostas 14 telas em óleo sobre tela, que também serão mostradas no shopping Iguatemi, CEF e Teatro Municipal de Campina Grande já agendadas para os próximos dias. A exposição individual teve o apoio da Prefeitura Municipal de Esperança através da Secretaria de Educação e Cultura, bem como da escritora Aparecida Pinto que projetou Renato Rocha no cenário artístico do Estado. Durante a abertura da Exposição em Esperança, o artista falou de sua emoção em ver os seus trabalhos sendo divulgados, já que desenha desde os nove anos de idade (...). A partir deste (...) Renato Ribeiro espera dar novos rumos aos seus projeto...

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele...

Dica de Leitura: Badiva, por José Mário da Silva Branco

  Por José Mário da Silva Branco   A nossa dica de leitura de hoje vai para este livro, Badiva, voltado para a poesia deste grande nome, Silvino Olavo. Silvino Olavo, um mais ilustre, representante da intelectualidade, particularmente da poesia da cidade de Esperança, que ele, num rasgo de muita sensibilidade, classificou como o Lírio Verde da Borborema. Silvino Olavo, sendo da cidade de esperança, produziu uma poesia que transcendeu os limites da sua cidade, do seu Estado, da região e se tornou um poeta com ressonância nacional, o mais autêntico representante da poética simbolista entre nós. Forças Eternas, poema de Silvino Olavo. Quando, pelas ruas da cidade, aprendi a flor das águas e a leve, a imponderável canção branca de neve, o teu nome nasceu sem nenhuma maldade, uma imensa montanha de saudade e uma rasgada nuvem muito breve desfez em meus versos que ninguém escreve com a vontade escrava em plena liberdade. Silvino Olavo foi um poeta em cuja travessia textual...

Capelinha N. S. do Perpétuo Socorro

Capelinha (2012) Um dos lugares mais belos e importantes do nosso município é a “Capelinha” dedicada a Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro. Este obelisco fica sob um imenso lagedo de pedras, localizado no bairro “Beleza dos Campos”, cuja entrada se dá pela Rua Barão do Rio Branco. A pequena capela está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa “ lugar onde primeiro se avista o sol ”. O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Consta que na década de 20 houve um grande surto de cólera, causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira, teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal.  Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à ...