Pular para o conteúdo principal

O Ofício de Sapateiro em Esperança


O sapateiro é um profissional que conserta, fabrica e faz diversos trabalhos na área de calçados. Na sua grande maioria a matéria-prima é o couro que é utilizado para confecção ou reparo do calçado.

Esta é uma das mais antigas profissões e em nosso município não poderia ser diferente. No passado esperancenses ilustres como Francisco Cláudio de Lima (Chico de Pitiu) e Antônio Roque dos Santos (Michelo) exerceram este ofício.

A esse respeito veja este importante depoimento:

Eu vim de Esperança, na Paraíba, que fica entre Areias e Campina Grande. Era uma família grande a minha família, e eles [os agentes] se interessaram. Tinha cinco irmãs, todas elas entraram pra tecelagem, e eu também entrei, em 1º de maio de 1928, como aprendiz. Depois elas não se deram e foram embora, hoje estou só aqui. Meu pai não trabalhou na fábrica não. Ele era sapateiro e também era mestre de montaria lá em Esperança. Ele entendia bem, era dessas pessoas que doma cavalo, né, e que fica como mestre de montaria. [...] ele vivia somente da arte. Do sapato. Fazia sapato, consertava, fazia aquelas botas ...” (ALVIN: p. 111).

Os sapateiros eram muito bem organizados, tinham seu time de futebol desde 1942 e chegaram a fundar um clube social. Fundado em 1966 por comerciantes, na sua maioria sapateiros, o Centro Artístico Operário Beneficente de Esperança – CAOBE, proporcionou lazer e descontração a toda sociedade esperancense.

As sapatarias mais antigas eram as de Cícero Galdino, Joaquim Galdino e Benedito Salviano de Maria. Alguns funcionavam no centro da cidade, e outras em lugares mais afastados. Mas todas elas possuíam em suas oficinas os mesmos utensílios: Sovela, espécie de agulha; tirapé, correia de couro usada para segurar a peça; trincheta, um tipo de faca; virola, a primeira peça do salto; gogo, pedra lisa para bater a sola; puía, pequeno prego ou tacha, apenas para citar.

Em Esperança existiam até lojas especializadas em fornecer aviamentos para sapateiros, a exemplo de “A Vencedora” – que funcionou na rua João Pessoa – e a loja de Chico Avelino, na rua do Sertão.

Alguns fabricavam sapatos com solados de pneu de caminhão, que demorava muito tempo para se acabar. Estes calçados eram conhecidos por “Trazeiros”. Comenta-se que os sapatos fabricados em Esperança eram tão bons que demoravam a acabar, motivo pelo qual eram muito procurados. Hoje na era dos bens de consumo descartáveis, quem poderia imaginar um sapato durando dois, três ou quatro anos.

Com o surgimento do calçado fabricado e do couro sintético, houve um declínio desta indústria artesanal e muitos deles se viram obrigados a comercializar os calçados nas feiras livres. Para se ter uma ideia, um solado sintético custa 35 reais, enquanto que o de couro não sai por menos de 60.

É bom lembrar que havia os sapateiros, os "apalazadores" que cortavam, chanfravam e colavam, os "soladores" que recebiam os solados armando em formas de madeiras, além dos ajudantes.

Michelo começou na rua de Areia e depois mudou-se para o centro da cidade. O trabalho era bastante artesanal e segundo comentam de ótima qualidade, tanto que era difícil acabar um calçado fabricado em Esperança. A sua produção era exportada para Cacimba de Dentro, Araruna e Alagoa Grande.

Segundo o depoimento de Antônio Viturino (Moleque), naquele tempo este era o único serviço existia; mas tinha uma vantagem, na segunda ninguém trabalhava era o dia de São Sapateiro. Nesse dia, os sapateiros faziam a festa nos bares e bodegas, esquecendo assim da dura labuta.

A irreverência da data marcou época e faz parte da nossa tradição. Retornavam ao trabalho na terça feira, e se dedicavam ao fabrico do calçado até no sábado. Assim fabricavam sapatos masculinos e femininos, sandálias, chinelos e alpercatas. Ganhava-se por produção, e por isso muitas vezes a fabricação entrava por noite adentro.

Atuaram nessa profissão: Chico Pedão, João Augusto, Manoel Gonçalo, Lochico, João Minervio, Mafia, Humberto de Michelo, Babiu, Brazo, Futrica, Zé Esquimal, Menininho de Dú, Zé Pneu, Lita, Zeca de Biliu,  Antônio de Peconha, Chiquinho Gonçalo, Aprígio e Bode Azul.

Em 2015, quando esse post foi originalmente publicado, os únicos remanescentes deste tempo ainda em atividade, salvo me engano, eram Moleque, seu primo Raimundo Viturino, conhecido por “Lápis”, e o cidadão de apelido “Ua”.

Dr. João de Patrício em seu blog "Revivendo Esperança", comenta sobre Raimundo (Lápis), e assim descreve essa atividade:

Lápis é um desses artistas que, já quase octogenário, ainda vive da profissão de sapateiro, sendo atualmente, um dos mais antigos, e, ainda posso afirmar, o único sobrevivente de uma geração de sapateiros, dentre os dezenas que existiam em Esperança. Basta dizer que o número de sapateiros era tão alto em nossa cidade, que, deles surgiu a idéia da criação ou fundação do CAOBE, na pessoa de outro grande sapateiro conhecido pela alcunha de MICHELO (Antônio Roque dos Santos), na década de 50.”

Por curiosidade, gostaria de dizer que Ananias era sapateiro, e foi o responsável pela conversão de Saulo de Tarso, grande perseguidor dos Judeus, que abraçando o Cristianismo, ficou conhecido por Paulo, sendo um dos responsáveis pela divulgação da nova doutrina no mundo. Hitler e Getúlio Vargas usavam sapatos de plataforma. Pedro Pichaco usava sapatos da marca Pelegrino, branco e marrom, finíssimos à época.

 Rau Ferreira


Referências:

- ALVIM, Maria Rosilene Barbosa. A sedução da cidade: os operários-camponeses e a fábrica dos Lundgren. Vol. V da série Temas e Reflexões. Ed. Graphia: 1997.

- BARBOSA, Jacinto. História de Esperança. Extraído do site virgolino.com.

- Depoimento: Antônio Viturino (Moleque), concedido ao autor em 16/10/2010.

- LIMA, Francisco Cláudio de. 50 Anos de Futebol e Etc. Ed. Rivaisa. João Pessoa/PB: 1994.

- PARAÍBA, Anuário (da). Volumes 1-3. Ed. Imp. Official. João Pessoa/PB: 1934.

- PINTO, José Nêumanne. Erundina: a mulher que veio com a chuva. Ed. Espaço e Tempo. Rio de Janeiro/RJ: 1989.

- Wikipédia, Sapateiro. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sapateiro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Pedra do Caboclo Bravo

Há quatro quilômetros do município de Algodão de Jandaira, na extrema da cidade de Esperança, encontra-se uma formação rochosa conhecida como “ Pedra ou Furna do Caboclo ” que guarda resquícios de uma civilização extinta. A afloração de laminas de arenito chega a medir 80 metros. E n o seu alto encontra-se uma gruta em formato retangular que tem sido objeto de pesquisas por anos a fio. Para se chegar ao lugar é preciso escalar um espigão de serra de difícil acesso, caminhar pelas escarpas da pedra quase a prumo até o limiar da entrada. A gruta mede aproximadamente 12 metros de largura por quatro de altura e abaixo do seu nível há um segundo pavimento onde se vê um vasto salão forrado por um areal de pequenos grãos claros. A história narra que alguns índios foram acuados por capitães do mato para o local onde haveriam sucumbido de fome e sede. A s várias camadas de areia fina separada por capas mais grossas cobriam ossadas humanas, revelando que ali fora um antigo cemitério dos pr

A menor capela do mundo fica em Esperança/PB

A Capelinha. Foto: Maria Júlia Oliveira A Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está erigida sob um imenso lajedo, denominado pelos indígenas de Araçá ou Araxá, que na língua tupi significa " lugar onde primeiro se avista o sol ". O local em tempos remotos foi morada dos Índios Banabuyés e o Marinheiro Barbosa construiu ali a primeira casa de que se tem notícia no município, ainda no Século XVIII. Diz a história que no final do século passado houve um grande surto de cólera causando uma verdadeira pandemia. Dona Esther (Niná) Rodrigues, esposa do Ex-prefeito Manuel Rodrigues de Oliveira (1925/29), teria feito uma promessa e preconizado o fim daquele mal. Alcançada a graça, fez construir aquele símbolo de religiosidade e devoção. Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, Bispo da Paraíba à época, reconheceu a graça e concedeu as bênçãos ao monumento que foi inaugurado pelo Padre José Borges em 1º de janeiro de 1925. A pequena capela está erigida no bairro da Bele

Mercês Morais - Miss Paraíba 1960

  Esperança-PB sempre foi conhecida por ser uma cidade de gente bonita, e moças mais belas ainda. A nossa primeira Miss foi a Srta. Noêmia Rodrigues de Oliveira, vencedora do concurso de beleza realizada no Município em 1934. Segundo o Dr. João Batista Bastos, Advogado local: “ Noêmia era uma mulher de boa presença, vaidosa, elegante e bonita ”. Ela era filha de do Sr. Manoel Rodrigues de Oliveira e dona Esther Fernandes. Entre as beldades, a que mais se destacou foi a Srta. Maria das Mercês Morais, que após eleita em vários concursos na Capital, foi escolhida “Miss Paraíba de 1960”, certame esse promovido pelos Diários Associados: “ Maria Morais, que foi eleita Miss Paraíba, depois de um pleito dos mais difíceis, ao qual compareceram várias candidatas do interior. Mercês representa o Clube Astréa, que vem, sucessivamente, levantando o título da mais bela paraibana, e que é, também, o ‘mais querido’ do Estado ” (O Jornal-RJ, 29/05/1960). “ Mercês Morais, eleita Miss Paraíba 196

Genealogia da família DUARTE, por Graça Meira

  Os nomes dos meus tios avôs maternos, irmãos do meu avô, Manuel Vital Duarte, pai de minha mãe, Maria Duarte Meira. Minha irmã, Magna Celi, morava com os nossos avós maternos em Campina Grande, Manuel Vital Duarte e Porfiria Jesuíno de Lima. O nosso avô, Manuel Vital Duarte dizia pra Magna Celi que tinha 12 irmãos e que desses, apenas três foram mulheres, sendo que duas morreram ainda jovens. Eu e minha irmã, Magna discorríamos sempre sobre os nomes dos nossos tios avôs, que vou colocar aqui como sendo a expressão da verdade, alguns dos quais cheguei eu a conhecer, e outras pessoas de Esperança também. Manuel Vital e Porfiria Jesuíno de Lima moravam em Campina Grande. Eu os conheci demais. Dei muito cafuné na careca do meu avô, e choramos sua morte em 05 de novembro de 1961, aos 72 anos. Vovó Porfiria faleceu em 24 de novembro de 1979, com 93 anos. Era 3 anos mais velha que o meu avô. Nomes dos doze irmãos do meu avô materno, Manuel Vital Duarte, meus tios avôs, e algumas r

Dom Manuel Palmeira da Rocha

Dom Palmeira. Foto: Esperança de Ouro Dom Manuel Palmeira da Rocha foi o padre que mais tempo permaneceu em nossa paróquia (29 anos). Um homem dinâmico e inquieto, preocupado com as questões sociais. Como grande empreendedor que era, sua administração não se resumiu as questões meramente paroquianas, excedendo em muito as suas tarefas espirituais para atender os mais pobres de nossa terra. Dono de uma personalidade forte e marcante, comenta-se que era uma pessoa bastante fechada. Nesta foto ao lado, uma rara oportunidade de vê-lo sorrindo. “Fiz ciente a paróquia que vim a serviço da obediência” (Padre Palmeira, Livro Tombo I, p. 130), enfatizou ele em seu discurso de posse. Nascido aos 02 de março de 1919, filho de Luiz José da Rocha e Ana Palmeira da Rocha, o padre Manuel Palmeira da Rocha assumiu a Paróquia em 25 de fevereiro de 1951, em substituição ao Monsenhor João Honório de Melo, e permaneceu até julho de 1980. A sua administração paroquial foi marcada por uma intensa at